Eliane Yachouh Abrão

Nenhuma lei nacional — máxime na LDA, <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9610.htm">Lei nº 9.610/98</a> — ou internacional sobre direitos autorais faz qualquer menção à imitação ou à semelhança como forma de violação de <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/direitos-autorais">direito autoral</a>. Tampouco o conceito ou menção a originalidade como condição de proteção. Repita-se: em nenhuma lei nacional ou internacional.
A falta de receptividade por parte do legislador do sistema autoral ao conceito de imitação ou semelhança, entretanto, é facilmente explicável.
Em primeiro lugar, pela dificuldade de se separar o que é original do que é comum: o que é original no Brasil é comum na Tailândia, ou na Rússia, por exemplo, e vice-versa. Diversas obras oriundas de diversas culturas podem corresponder a temas e/ou formas de expressão comuns dentro das respectivas culturas, mas novidades em outras. E em segundo lugar, porque construções intelectuais que partem das mesmas ideias, dados, notícias, fatos, conceitos, sistemas e métodos, não resultam em obras idênticas. Ao contrário, devido às miríades de dados que as integram, resultam, sempre, em diferentes obras.
A realidade demonstra que obras que partam de semelhanças conceituais apresentam resultados diferentes umas das outras, como consequência da contribuição, do olhar, da história, da estética individual de cada criador, seja ele escritor, artista, diretor, estudioso, etc., dando ensejo a obras distintas, mesmo partindo de dados idênticos. O autor não inventa: cria a partir de elementos já postos à sua disposição pela sociedade, e os combina e os exprime livremente, de acordo com o seu pensamento ou o seu viés artístico, como lhe garante a Constituição.
Por essa razão, ninguém pode ou deve deter um privilégio sobre esses temas ou referências, demonstrando a realidade que a convivência de semelhantes num mesmo universo cultural, didático, ou de entretenimento, é saudável, além de impulsionar a liberdade de expressão. Fosse outro o alcance da proteção, o direito autoral perderia sua principal função, que é a de estimular diversos — e não apenas um — artistas, escritores, pintores a expressarem suas ideias através de formas concretas, e delas retirar os frutos e os rendimentos com exclusividade. E, pior, a <a href="https://www.jota.info/coberturas-especiais/liberdade-de-expressao">liberdade de expressão</a> de todos estaria seriamente comprometida, porque se prestaria o sistema autoral a uma espécie de censura, de reserva legal, dados os seus efeitos exclusivos, o que contraria os princípios consagrados nas constituições de quase todos os países do mundo, seja sobre a liberdade de pensar, de criar, de manifestar qualquer forma de criação intelectual, de criação artística, como princípio fundamental da pessoa humana.
A todas essas obras, individualmente, devem ser conferidas uma proteção autoral específica, e todas podem coexistir harmonicamente nos espaços públicos e privados, ou, em tempos liberais, no mercado. A possibilidade de confusão entre obras do espírito é praticamente inexistente, porque a carga de elementos distintivos, intrínsecos e extrínsecos, torna-as tão individualizadas quanto os rostos e os corpos humanos: os elementos são sempre os mesmos, mas a “apresentação” difere até em gêmeos univitelinos. O conceito comum à propriedade industrial, de concorrência desleal por desvio de clientela, só ocorre em relação aos direitos autorais no caso de pirataria (contrafação, reprodução não autorizada de exemplares idênticos) dos suportes em que vem fixada a obra (físicos, digitais, eletrônicos).
Um livro, um texto, um app, uma música, um desenho, um audiovisual produzido e editado por uma empresa, com recursos financeiros, humanos e tecnológicos próprios, terá a mesma proteção dispensada a outro livro, texto, app, música, desenho, audiovisual semelhantes produzidos/publicados/comercializados por empresa concorrente. A despeito de assemelhadas, tratam-se de obras independentes. Por serem produzidas e organizadas por diferentes pessoas (autor é sempre a pessoa física que cria uma obra literária, artística ou científica, segundo o art. 11 da lei brasileira de regência sobre direitos autorais), têm identidades próprias, ainda que frutos da mesma concepção ideal ou metódica.
Observando por outro ângulo, do mesmo modo como ocorre na fotografia, tudo pode ser representado por meio de uma pintura ou escultura. Até mesmo o abstrato, porque a lei protege a expressão formal, o modo como se dá a conhecer a obra ao público, como resultado da criação e do trabalho do artista, repleto de elementos da sua própria personalidade. Vinte pessoas munidas de tela, pincel e tinta retratarão diferentemente o mesmo objeto colocado à frente de todos, resultando em 20 obras distintas, protegendo o direito autoral cada uma dessas 20 telas, e seus respectivos pintores.
O que as leis vedam é a reprodução ipsis litteris da obra anterior pela posterior, ou seja, a cópia xerox, seja ela integral ou parcial. A cópia/reprodução parcial é admitida quando se trata de citação, desde que feita menção à fonte de onde foi retirada, isto é, desde que declinados o/s nome/s do autor/es, da editora, ano de publicação e até país de origem.
<h3>Não se deve confundir temas comuns com violação. O 'plágio'</h3>
Quando uma obra é publicada em nome de terceiro, que não seu verdadeiro autor, fica configurado o delito patrimonial de contrafação, acrescido de violação aos direitos ao crédito, direito moral do autor da obra anteriormente publicada, cujo nome foi usurpado, ou substituído por outro.
Se, ademais, constatar-se interferência no conteúdo da obra, com seu comprometimento, está-se diante de violação a direito moral de autor, fundado no inciso V do artigo 24, porque somente o autor pode modificar a sua obra, antes ou depois de publicada/utilizada. Nesta hipótese não há que se falar de imitação, ou semelhança, mas em adulteração, em modificação de uma obra já publicada do modo como o assume o seu autor/titular. Adultera-se uma obra quando se lhe acrescentam ou se lhe apagam trechos, sem o consentimento do autor conhecido, ou daquele em cujo nome a obra é publicamente utilizada. Constata-se uma interferência indevida porque não realizada pelo próprio autor-criador, o que repugna ao direito autoral.
O que vem, então, a ser <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/plagio">plágio</a>?
Plágio, a despeito de tentativas doutrinárias de explicação, em diversos sentidos, e assimétricos, é instituto que não conhece definição legal seja no Brasil, seja na legislação internacional ou estrangeira sobre a matéria. Pela simples razão de que se trata, na melhor definição doutrinária<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, de uma forma de “apoderamento ideal de todos ou alguns elementos originais contidos na obra de outro autor, apresentando-os como próprios”.
Ora, apoderamento ideal nada mais é que adotar, utilizar, propagar ideias de outrem. Porém, “ideias não têm asas; ninguém consegue segurar o seu vôo”, na inspirada expressão do cineasta egípcio Youssef Chahine. Mais que isso, no campo jurídico, ideias não podem ser protegidas, até porque, como grassam pelos espaços comuns de todos, o seu apoderamento é livre.
Se plágio, então, não encontra definição em lei, como dotar de fundamento legal algum pleito judicial, se todos estão obrigados – e abrigados – sob o princípio constitucional da legalidade?
Neste país, como nos demais de base democrática, todos são iguais perante a lei, isonomicamente, de modo que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei” (art. 5º, II). É a adoção do princípio da legalidade, presente em todas as Constituições brasileiras desde 1891 — à exceção da Carta de 1937, que perdurou até 1946.
A lei é a garantia inabalável que concede o Estado democrático ao indivíduo contra abusos praticados pelo próprio Estado e seus agentes ou outro cidadão, nacional e estrangeiro, ou jurisdicionado. Não se confunde com o princípio da reserva legal, mas é sua decorrência. Ora, se a lei positiva e especial que regula o sistema dos direitos autorais no Brasil, a LDA, ou outra lei que se lhe seja compatível, não previu “o fato do plágio”, atribuindo-lhe um efeito jurídico, a expressão é vazia, não podendo gerar efeitos jurídicos.
Não recepcionado pelas leis autorais, e não tendo lei que o defina, as chamadas imputações de “plágio” acabam por reduzir-se a cinco hipóteses, três fundadas em direito autoral, as quais devem ser constatadas pelo Judiciário ou por expert da área: a) a uma violação de direito patrimonial, por reprodução total ou parcial, prevista no inciso VII, do art. 5º da LDA; b) a uma violação de direito moral de autor em virtude ausência de crédito ou de falsa imputação de autoria, fundada no Art. 24, I e II da LDA; c) a uma violação de direito moral de autor em virtude de modificações introduzidas na obra com base no art. 24, IV e V, da LDA; d) a um ilícito civil equivalente ao abuso de direito e enriquecimento sem causa, com prejuízos demonstrados de nexo de causa e efeito, e fundamento nas normas gerais do Código Civil; e) a uma prática antiética, socialmente condenável, e punível por órgãos corporativos ou de exercício profissional.
Há que se atentar aos pleitos diversos sob o fundamento de “plágio”, pois cada caso é um caso. Examinados os casos sob a ótica estritamente legalista, não é dado ao intérprete da lei “criar” onde as leis não o fazem. Nada disso impede atos de má-fé, que não devem ser recepcionados pelo Direitos e pelo Judiciário, quando tentam burlar as leis. Mas, as leis. Não os achismos.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Délia Lipsyc, “Derecho de Autor y Derechos Conexos”, Argentina, Unesco/Cerlac/Zavalia, 1993, p.567

Direito autoral

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JOTA

Leis nacionais e internacionais não mencionam imitação ou semelhança como forma de violação ao direito autoral

Imitação e semelhança em obras autorais e liberdade de expressão

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