Aline Cavalcante dos Reis Silva

Objeto de ampla discussão especialmente após a Segunda Guerra Mundial, a integridade se consagrou como direito humano inviolável a partir do estatuto do Tribunal Militar de Nuremberg, de 1945, do artigo 5º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada em 1948, e das Convenções de Genebra de 1949.
No Brasil, o debate se acalorou com a publicação da Lei da Empresa Limpa (ou <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/lei-anticorrupcao">Lei Anticorrupção</a>) que entrou em vigor em 29 de janeiro de 2014, e principalmente depois dela, de modo que a "integridade" tem sido pauta quase diária de discussão no país em praticamente todos os setores que tratam da aplicação de recursos públicos e das relações envolvendo a administração pública e o setor privado.
Sabe-se que a governança corporativa, aplicável a organizações privadas e públicas[1], é norteada pelos princípios da transparência, equidade, dever de prestar contas e da sustentabilidade. O Decreto Federal nº 9.203, de 2017, conceitua governança pública como sendo o conjunto de mecanismos de liderança, estratégia e controle, postos em prática para avaliar, direcionar e monitorar a gestão, com vistas à condução de políticas públicas e à prestação de serviços de interesse da sociedade (artigo 2º, I). A integridade e a transparência são tratadas pela referida norma como valores ou princípios da governança pública.
Em virtude de sua importância, a integridade foi alçada a sistema, enquanto a transparência, elevada à condição de função de integridade pelo Decreto nº. 10.756, de 2021, juntamente com a correição, a ouvidoria, o controle interno e a gestão da ética. Integritate, do latim, significa a qualidade de alguém ou de algo íntegro, regular, ético. Quando se fala em integridade pública, portanto, almeja-se um ideal de regularidade, retidão e ética, seja dos agentes públicos, seja dos processos de trabalho da administração de forma geral.
Neste ponto, cabe o seguinte questionamento: paralelamente às discussões teóricas que fazemos sobre a integridade, estamos adotando medidas práticas efetivas para que os processos de trabalho da administração pública de qualquer nível, sejam claros para os que nele atuam, bem comunicados aos nele interessados e devidamente monitorados pelos que os executam e os regulamentam, especialmente quanto aos riscos neles envolvidos e à correção tempestiva de falhas e irregularidades neles identificadas?
Será que a transparência dos procedimentos públicos em seu detalhe, aliada a um monitoramento e a um aprimoramento constantes (quando identificada alguma falha), principalmente daqueles que os executam diariamente, poderá prevenir ou impedir a ocorrência de erros e a prática de fraudes e irregularidades?
Essa reflexão tem sido objeto do dia-a-dia daqueles que atuam com o fim de apurar falhas e irregularidades praticadas por agentes públicos e privados? Enquanto administração pública, temos pensado em mecanismos efetivos, inclusive voltados à transparência, para definitivamente incorporar esse valor tão caro em nossos procedimentos diários?
A título de exemplo, trago à baila o caso de dois servidores públicos que foram demitidos mais de uma vez sob as acusações de terem atuado em conluio com o fim de adulterar dados de sistema público de órgão federal para obter vantagem mediante fraude. De acordo com o Superior Tribunal de Justiça (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/superior-tribunal-de-justica">STJ</a>) ao julgar o Agravo Interno no Mandado de Segurança - MS 23059/DF[2], “ao que parece, animados pelo aparente  êxito  da primeira fraude, reproduziram os então servidores o mesmo e reprovável modo de agir, ainda que dirigido e adaptado para a percepção de benefício diverso, o de pensão fraudulenta, em período mais curto”. Portanto, não satisfeitos em fraudar o sistema para obter de forma ilícita, benefício de aposentadoria, reproduziram o mesmo ato posteriormente com o fim de fraude outro tipo de benefício (pensão).
Além da correição aplicada ao caso com a instauração do processo administrativo disciplinar em face dos servidores com a sua consequente demissão, será que outras medidas administrativas poderiam ter sido tomadas pela administração pública a partir desse caso concreto, ou seja, posteriormente à identificação da primeira fraude perpetrada pelos servidores demitidos, especialmente voltadas à transparência e a tornar o sistema de concessão de benefícios mais seguro, de modo a evitar a fraude na concessão da referida pensão e a ocorrência de fraudes de natureza semelhante no futuro?
Assim como a transparência, a correição é uma das funções da integridade, de modo que tem um papel relevante no fomento à integridade dos seus próprios procedimentos de trabalho (com o fim de corrigir falhas e aprimorar suas práticas), mas também dos procedimentos da administração pública sujeitos à sua esfera de competência. Não é novidade dizer que os casos de fraudes, corrupção, má gestão, desperdício e desvios de recursos públicos se repetem continuamente no país – os noticiários os denunciam. Os dados demonstram que ainda precisamos avançar na seara da integridade dos processos de trabalho da seara pública.
De acordo com os dados do Portal de Corregedorias da Controladoria – Geral da União[3], desde 2003, mais de 9.000 servidores públicos federais foram demitidos – quase 65% deles por práticas corruptas. Além disso, foram aplicadas mais de 19 mil sanções a empresas desde 2012, além de mais de R$ 300 milhões em multas a pessoas jurídicas em razão de atos lesivos praticados em desfavor da administração. Se considerarmos as ações de improbidade e ações penais em desfavor de agentes públicos por crimes contra a administração, esses números se avolumam bastante.
Será que um dos caminhos para o enfrentamento desse problema não é a administração concentrar esforços no sentido de comunicar efetiva e amplamente os seus processos de trabalho, examiná-los, corrigir o que for necessário, monitorá-los e conferir-lhes transparência? É o que de fato estamos fazendo diariamente enquanto administração pública? Talvez o ideal a ser buscado seja a redução desses números a partir de ações firmes e medidas efetivas voltadas ao fomento de uma cultura de integridade. Talvez aquela diminuição possa servir, inclusive, de indicador positivo na medição da efetividade da integridade enquanto processo de trabalho aplicável ao setor público. Talvez sejam a transparência e a integridade os heróis com aptidão para salvarem o dia.
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[1] BARRET, Pat. Corporate Governance and Accountability for Performance. Australian National Audit Office. Seminar by IPAA and ASCPAs, 2007, p.3. Disponível em: <a href="https://www.amai.gov.au/sites/default/files/Barrett_corporate_governance_and_accountability_for_performance_1997.pdf">https://www.amai.gov.au/sites/default/files/Barrett_corporate_governance_and_accountability_for_performanc</a> <a href="https://www.amai.gov.au/sites/default/files/Barrett_corporate_governance_and_accountability_for_performance_1997.pdf">e_1997.pdf</a>. Acesso em: 09 jun. 2022.
[2] SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. AgInt no MS 23059/DF. 1ª Seção. Rel. Ministro Sérgio Kukina. Julgado em 18/08/2021. DJe de 20/08/2021.
[3] CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO. Portal de Corregedorias. Disponível em: <a href="http://paineis.cgu.gov.br/corregedorias/index.htm">http://paineis.cgu.gov.br/corregedorias/index.htm. </a>Acesso em 10 jun. 2022.

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