Davi Evangelista

A <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/suspensao-de-seguranca">suspensão de segurança</a> é um instituto que há muito atrai a atenção dos processualistas. Desde o advento da Constituição de 1988, a doutrina e a jurisprudência buscam artifícios para "encaixá-la" no ordenamento jurídico.
A esse respeito, o prof. Nelson Nery Jr., em parecer publicado como artigo<a href="#_edn1" name="_ednref1">[1]</a>, aduziu que a suspensão de segurança é incompatível com a sistemática constitucional de 1988. Segundo o doutrinador, o instituto foi criado poucos anos antes do Estado Novo (1937-1945) e mantido pelo regime ditatorial da época como o único mecanismo cabível para impugnação de liminares deferidas em mandado de segurança.
Em 1951, com o restabelecimento tortuoso do regime democrático, foi repelida a suspensão da norma que regia o mandado de segurança da época, a Lei 1.951/51. No entanto, com o golpe militar de 1964, a medida foi reeditada por meio da Lei 4.348/64. Após o fim da <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/ditadura-militar">ditadura militar</a> e a promulgação da Constituição de 1988, a suspensão de segurança e a suspensão de liminar mantiveram-se no sistema processual brasileiro com os arts. 4º, caput, da Lei 8.437/92, 15 da Lei 12.016/09 e 271 do RISTJ.<a href="#_edn2" name="_ednref2">[2]</a>
Nesse contexto, como compatibilizar o instituto da suspensão de segurança com os sistemas constitucional e processual vigentes? Ou melhor, de que maneira deve ser compreendida a função desse instituto, próprio de regimes autoritários, que permite à Administração Pública "contornar" a sistemática recursal em um Estado democrático de Direito?
A melhor solução dada a essa aparente antinomia foi sintetizada pela ministra Ellen Gracie ao explicar que a suspensão de segurança não é uma ação, recurso e nem sequer tem o condão de revisar a decisão impugnada. Na suspensão de segurança, "a Presidência exerce atividade eminentemente política avaliando a potencialidade lesiva da medida concedida e deferindo-a em bases extra-jurídicas"<a href="#_edn3" name="_ednref3">[3]</a>. Dessa forma, a justificativa da medida está nos conceitos de ordem pública, segurança pública, saúde pública e economia pública, que autorizam a suspensão da execução de decisão que representa ameaça de grave lesão a qualquer desses bens jurídicos.
Conforme teoria da ponderação das garantias constitucionais de Robert Alexy, a suspensão de segurança tem guarida no interesse público (também protegido pela Constituição de 1988) e deve prevalecer, ao menos temporariamente, sobre o interesse particular. Com efeito, a jurisprudência reconhece que a suspensão de segurança não pode ser utilizada como sucedâneo recursal, tendo que ser avaliada segundo requisitos próprios de cabimento e deferida em vista de pressupostos autorizadores específicos.<a href="#_edn4" name="_ednref4">[4]</a>
Diante da história do instituto e de suas bases extra-jurídicas e políticas, a lei apenas autoriza a sua propositura por pessoas jurídicas de direito público, uma vez que elas são as únicas que, em tese, têm legitimidade para tratar do interesse público. Os referidos arts. 4º, caput, da Lei 8.437/92, 15 da Lei 12.016/09 e 271 do RISTJ buscam evitar que particulares abusem de prerrogativa própria da Administração Pública e cuja constitucionalidade apenas se justifica se o interesse público estiver em risco.
Seguindo essa lógica, a jurisprudência somente admite a propositura da suspensão de segurança por privados concessionários-delegatários de serviços públicos quando estiverem na persecução de interesse público<a href="#_edn5" name="_ednref5">[5]</a> ou, nos temos da lei, "para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas".
Em outras palavras, se estiver o parceiro privado buscando interesse estritamente particular, não há razão para permitir que ele utilize o "atalho" da suspensão de segurança.
O tema da legitimidade ativa para a suspensão de segurança por concessionários de serviços públicos que buscam a defesa de interesses próprios é da ordem do dia. A questão será analisada perante a Corte Especial do <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/superior-tribunal-de-justica">STJ</a> nesta quarta-feira (4), oportunidade em que será julgada a Suspensão de Segurança 3.078. No caso, o Tribunal de Justiça de São Paulo (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/tjsp">TJSP</a>) verificou que, devido a indícios de corrupção na licitação para serviços de modernização e manutenção da iluminação pública na cidade de São Paulo, o consórcio vencedor foi indevidamente desclassificado, o que levou a Prefeitura de São Paulo a firmar um contrato com o segundo colocado com um sobrepreço de R$ 1,68 bilhão.
Nesse processo, o ministro <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/jorge-mussi">Jorge Mussi</a>, vice-presidente do STJ, reforçando o entendimento de que a suspensão de segurança é prerrogativa estatal, já decidiu monocraticamente que a sociedade anônima não teria legitimidade para propor a medida, já que "a requerente visa, tão somente, à execução do contrato administrativo firmado com o Município de São Paulo".
Em outras palavras, a medida pleiteada tem fundamento em interesse estritamente particular da requerente, e não matéria de interesse público, uma vez que a prestação dos serviços essenciais foi resguardada pelo TJSP, além de o contrato estar na sua fase inicial e conter sobrepreço.
Assim, caberá à Corte Especial do STJ decidir se concessionário de serviço público pode defender seus interesses privados em suspensão de segurança para conferir, por vias transversas, efeito suspensivo a seu recurso, tendo em vista a necessidade de compatibilização da medida com os sistemas constitucional e processual, como acima aduzido.
<hr />
<a href="#_ednref1" name="_edn1">[1] </a>NERY JR., Nelson. Suspensão de Segurança - Agravo Contra Liminar. Soluções Práticas de Direito, 2014, vol. 10, pp. 663-720.
<a href="#_ednref2" name="_edn2">[2] </a>Lei 8.437/92: "Art. 4° Compete ao presidente do tribunal, ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso, suspender, em despacho fundamentado, a execução da liminar nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, a requerimento do Ministério Público ou da pessoa jurídica de direito público interessada, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas."
Lei 12.016/2009: "Art. 15.  Quando, a requerimento de pessoa jurídica de direito público interessada ou do Ministério Público e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, o presidente do tribunal ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso suspender, em decisão fundamentada, a execução da liminar e da sentença, dessa decisão caberá agravo, sem efeito suspensivo, no prazo de 5 (cinco) dias, que será levado a julgamento na sessão seguinte à sua interposição."
Regimento Interno do STJ: "Art. 271. Poderá o Presidente do Tribunal, a requerimento da pessoa jurídica de direito público interessada ou do Procurador-Geral da República, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, suspender, em despacho fundamentado, a execução de liminar ou de decisão concessiva de mandado de segurança, proferida, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados e do Distrito Federal. Igualmente, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, poderá o Presidente do Tribunal suspender, em despacho fundamentado, a requerimento do Ministério Público ou da pessoa jurídica de direito público interessada, a execução da liminar nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes que for concedida ou mantida pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados e do Distrito Federal, inclusive em tutela antecipada, bem como suspender a execução de sentença proferida em processo de ação cautelar inominada, em processo de ação popular e em ação civil pública, enquanto não transitada em julgado."
<a href="#_ednref3" name="_edn3">[3] </a>NORTHFLEET, Ellen Gracie. Suspensão de sentença e de liminar. Revista de Processo, 2000, vol. 97, pp. 183-193.
<a href="#_ednref4" name="_edn4">[4] </a>STJ, AgRg na SS 64/MT, Corte Especial, Min. Rel. EDSON VIDIGAL, DJ de 29.08.05; STJ, AgRg na SS 2.634/PB, Corte Especial, Min. Rel. FELIX FISHER, DJe de 29.04.13; STF, SS 2.255 AgR/AM, Pleno, Min. Rel. MAURICIO CORREA, DJU 30.04.04 e STJ, AgRg na SS 1.540/CE, Corte Especial, Min. Rel. EDSON VIDIGAL, DJU 10.04.06.
<a href="#_ednref5" name="_edn5">[5] </a>"II - As pessoas jurídicas de direito privado possuem, excepcionalmente, legitimidade para formular pedido de suspensão de decisão ou de sentença nesta e. Corte Superior apenas quando buscarem tutelar bens relacionados, diretamente, ao interesse público. Precedentes da c. Corte Especial. III - In casu, a recorrente, pessoa jurídica de direito privado, busca tutelar interesse particular próprio, não relacionado diretamente com a prestação do serviço público de transporte coletivo, o que inviabiliza o conhecimento do excepcional pedido suspensivo." (STJ, Corte Especial, AgRg na Suspensão de Segurança n. 2.660 - SP, Rel. Min. Felix Fischer, j. 16.09.13).
"A concessionária de serviço público, atuando na defesa de interesses particulares, não tem legitimidade para pedir a suspensão de liminar (precedentes). Agravo não provido" (STJ, Corte Especial, AgRg na SLS 313/CE, Rel. Min. Barros Monteiro, DJ de 05.02.07).

STJ fachada

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JOTA

STJ julga nesta quarta (4) se concessionário de serviço público pode defender interesses privados com esse instituto

Ilegitimidade ativa de pessoa jurídica privada em suspensão de segurança

STJ julga nesta quarta (4) se concessionário de serviço público pode defender interesses privados em suspensão de segurança