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Administração pública

É hora de investir nas equipes do serviço público

Em tempos de desmanche institucional, é preciso focar a formação coletiva

agências reguladoras
Crédito: Arquivo/Agência Brasil

O Brasil é um país fixado nas personalidades de seus líderes. Sempre fomos. No embate entre, de um lado, carisma e expectativas, e, de outro, normalidade e pragmatismo, o país sempre direciona sua atenção aos primeiros. Vemos a história como uma sucessão de personagens que se sucedem, de Cabral a Bolsonaro, como se o comportamento destas pessoas fosse a explicação de como evoluímos e como as mudanças ocorrem.

No ambiente empresarial, a realidade não é diferente. Teorias de liderança se multiplicam em narrativas variadas, sempre gravitando em torno daquele que lidera as organizações e que conduz seus subordinados para as trilhas do sucesso e da lucratividade. A literatura de negócios dedica um lugar de destaque aos líderes e sua capacidade de produzir riqueza, agregar valor, motivar, inspirar e transformar a realidade graças a seu desempenho.

A confusão, ou melhor dizendo, identificação entre liderança e autoridade é total – e incorreta. Dirigentes e ocupantes de cargos são todos considerados líderes, sempre em função da posição que ocupam, como se a partir desses lugares fossem capazes de comandar a atuação de seus subordinados. Nesta perspectiva, a hierarquia prevalece e explica tudo. A razão é função da autoridade. Basta “saber mandar”.

Nem no setor privado nem no setor público as coisas funcionam dessa maneira. No governo em particular, ninguém faz nada sozinho. As políticas públicas são intergovernamentais e intersetoriais. Poucas políticas dependem apenas de uma organização para serem implementadas. Mesmo dentro de uma mesma instituição, as áreas dependem umas das outras para entregarem resultados. Nos microcosmos da administração pública é o trabalho de um time que faz com que as coisas andem.

Isso não significa que liderança não seja importante e, em muitos casos, decisiva para a produção de transformações. A questão é que dentre os vários outros fatores importantes para mudar as coisas – capacidades, ambiente, tecnologia, choques, contexto e outros negligenciados na literatura sobre promoção de mudanças – é hora de prestarmos atenção e investir no empoderamento das equipes.

Na administração pública, tradicionalmente intensiva em pessoal, e em particular nas áreas em que a interação com os cidadãos se dá por pessoas – a chamada burocracia do nível de rua – passou da hora de se investir na formação e no desenvolvimento de todos.

Nem todo mundo tem vocação, capacidade, disposição e apetite para ocupar cargos de direção em organizações governamentais. Muitas dessas pessoas inclusive exercem papel de líderes sem autoridade formal junto a seus pares. Investir na base da pirâmide pode produzir resultados em escalas maiores do que investir no topo.

A trajetória de ocupantes de altos cargos no serviço público não vem sendo objeto de pesquisa sistemática nem por gestores nem por acadêmicos. Há, no entanto, elementos para uma taxonomia elementar: os que galgam posições, os que cacifam reputações, os que se deslocam horizontalmente e os que basicamente permanecem nos cargos.

As carreiras desenhadas em “Y” foram concebidas para superar estes problemas, porém são adotadas em pouquíssimas organizações. E aí surge um desafio maior: a crise de um serviço público concebido sob a forma de carreiras, nas quais a senioridade tem um papel determinante. Este modelo está colapsando, ainda que siga resistindo.

Não é surpresa que um expressivo número de carreiras apresente uma grande concentração de quadros nos últimos degraus da trajetória profissional. O mundo tem pressa. Todos querem atingir o máximo da escala salarial em dez ou 12 anos. E há ainda uma pressão muito grande para a redução das distâncias entre os patamares iniciais das carreiras e seus níveis máximos. Pode-se responsabilizar a atuação dos sindicatos ou a ação das corporações por esta situação, mas a verdade é que esta é uma tendência generalizada que perpassa o imaginário do serviço público.

Entre uma atenção desproporcional ao papel da liderança de um lado e uma dinâmica intracarreiras disfuncional de outra, em que direção vai o serviço público no Brasil? A resposta a essa pergunta não é simples. No mundo anglo-saxão o caminho foi um regime baseado em contratos, uma alternativa que não se coaduna com nossa cultura administrativa e cujos custos de coordenação são altos e complexos.

A tecnologia segue eliminando postos de trabalho e redefinindo os postos remanescentes – em geral tornando-os mais “nobres”. A pressão pela adoção de vínculos temporários, em formatos variados, aumenta cada vez mais, em especial devido às pressões fiscais, sempre atentas aos gastos com pessoal permanente. Funções públicas são transferidas, de forma mais ou menos organizadas, para o setor privado empresarial, via privatizações, ou para o terceiro setor, via mecanismos de delegação e parceria. Não há uma imagem-objetivo sendo perseguida, salvo nos casos de governos onde há protagonistas que defendem um Estado mínimo. Mas há padrões que emergem, mesmo que com pouca nitidez.

Enquanto o país constrói suas respostas, é importante que se invista de forma massiva no capital coletivo representado pela força de trabalho que atua no serviço público: servidores, terceirizados, temporários e ocupantes de cargos (mesmo que sem vínculos permanentes). São todos profissionais públicos cuja atuação incide sobre os serviços públicos prestados ao país e à sociedade. São um grande coletivo, diferenciado e heterogêneo. Este é o momento de fortalecer sua solidariedade interna e à população que serve. Trata-se de um capital humano que serve a todos.

Não há país desenvolvido democrático que não tenha construído um serviço público profissional, representativo da sociedade e responsivo às necessidades da população. Em tempos de desmanche institucional, desmantelamento de organizações, apagões de dados e guerra de facções entrincheiradas nos poderes do Estado por recursos públicos, é a hora de se dar um basta à deterioração e de se focar a formação coletiva, para que os servidores públicos façam a diferença e constituam governos que importem.logo-jota