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ADI 5766: beneficiário de gratuidade deve ser condenado em honorários sucumbenciais?

Na falta da publicação do acórdão, está mantida a insegurança jurídica quanto à possibilidade de condenação

honorários
Crédito: Unsplash

Hoje, sexta-feira, é dia de mais um capítulo do projeto “Dúvida Trabalhista? Pergunte ao Professor!”, dedicado a responder às perguntas dos leitores do JOTA, sob a coordenação acadêmica do professor de direito do trabalho e coordenador trabalhista da Editora Mizuno, Dr. Ricardo Calcini.

O projeto tem periodicidade quinzenal, cujas publicações são veiculadas sempre às sextas-feiras. E a você leitor(a) que deseja ter acesso completo às dúvidas respondidas até aqui pelos professores, basta acessar o portal com a  # pergunte ao professor.

Neste episódio de nº 75 da série, a dúvida a ser respondida é a seguinte:

Pergunta ► Após o julgamento da ADI 5.766, o beneficiário de gratuidade deve ou não ser condenado em honorários sucumbenciais?

Resposta ► Com a palavra, o Professor Douglas Contreras Ferraz.

 A Lei 13.467/17, ao inserir os honorários de sucumbência no âmbito do processo trabalhista, acrescentou à CLT o art. 791-A, de cujo caput consta a previsão de que: “ao advogado, ainda que atue em causa própria, serão devidos honorários de sucumbência, […] sobre o valor que resultar da liquidação da sentença, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa”.

No que se refere ao tema, o art. 98 do CPC, logo após trazer a menção de que a gratuidade de justiça compreende os honorários do advogado (§ 1º, VI), estabelece que as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos cinco anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário (§ 3º).

De forma similar, o caput do art. 791-A, que prevê o direito dos advogados aos honorários sucumbenciais, veio acompanhado de um parágrafo que estabelece a suspensão da exigibilidade da parcela, reduzindo-se o prazo de suspensão da exigibilidade para dois anos, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações.

Se, de um lado, se observa uma melhoria da condição do beneficiário de gratuidade de justiça no processo do trabalho, em razão do prazo de suspensão ser mais exíguo, de outro a redação dada pela Lei 13.467/17 inovou com menção extremamente controversa, no sentido de que a suspensão só se daria “desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa”.

A reflexão acerca do referido acréscimo denota uma preocupação com hipóteses teratológicas, nas quais, conforme se observa da jurisprudência e da doutrina, beneficiários de gratuidade de justiça aufeririam condenações de tamanha monta que não se mostraria razoável o não pagamento dos honorários sucumbenciais, parcela com caráter igualmente alimentar.

Isto posto, da forma como redigido, o §4º do art. 791-A da CLT deu margem a inúmeras decisões no sentido da possibilidade da mera compensação matemática de créditos auferidos pelo beneficiário de gratuidade de justiça, neste ou em outro processo, com o valor devido a título de honorários sucumbenciais, o que, na prática, descambou em diversos casos de trabalhadores pobres na acepção jurídica do termo, que saíam devendo ao final das ações trabalhistas, após verem compensados os eventuais créditos.

No particular, sobreleve-se que, geralmente, em atenção às máximas do que ordinariamente acontece (CPC, art. 375), o beneficiário de gratuidade em questão se trata de trabalhador com renda de até três salários mínimos, postulando uma multiplicidade de pedidos a abarcar alguns de maior certeza, como verbas rescisórias incontroversas, e outros dependentes da efetiva comprovação. Tal regra processual além de ensejar decisões injustas, no que se refere ao objetivo de tender potencialmente a verdade material, não podem presumir um suposto abuso do direito de ação pela mera improcedência dos pedidos, sob pena de se macular o direito constitucional de ação frente a barreira econômica, assistindo-se um retrocesso de cem anos, na linha da ideia de 1ª onda de acesso à justiça, conforme lições de Cappelletti e Garth.

Foi nesse sentido que, em março de 2020, o Pleno do TRT da 8ª Região, instado acerca da inconstitucionalidade do referido §4º do art. 791-A da CLT, declarou, de forma paradigmática, nos autos da ArgIncCiv 0000944-91.2019.5.08.0000, a inconstitucionalidade do §4º do art. 791-A da CLT, por violação aos princípios e garantias fundamentais postos nos arts. 1º, III, 5º, caput, XXXV e LXXIV, da CF.

A análise da referida decisão guarda pertinência com a decisão da ADI 5.766, dado que ambas trazem consigo uma aparente contradição entre a ratio decidendi e a conclusão do acórdão, com a diferença de que o julgamento do STF ainda se encontra pendente de publicação, tendo sido designado como redator para a prolação do voto vencedor o ministro Alexandre de Moraes.

Da análise da decisão do TRT8, consta expressamente a pretensão de declaração da inconstitucionalidade: “I – in totum do §4º do art. 791-A da CLT e/ou; II – da expressão “desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa“.

Constam do referido acórdão, nos fundamentos do voto do relator, diversas referências doutrinárias no sentido da inconstitucionalidade do dispositivo pela violação do acesso à justiça[1], no sentido de se fazer necessária uma interpretação conforme à Constituição da expressão “créditos capazes de suportar a despesa”, defendendo-se a compreensão de que o reclamante só suportaria tais despesas caso auferisse créditos cujo montante promova contundente e indiscutível alteração de sua própria condição socioeconômica.

Trata-se de posicionamento doutrinário presente inclusive em acórdão da 7ª Turma do TST, nos autos do processo 0010520-91.2018.5.03.0062, em decisão de relatoria do ministro Cláudio Brandão, publicada em 23/06/2020, na qual, em interpretação da expressão conforme à Constituição, assenta-se que o beneficiário da justiça gratuita somente suportará as despesas decorrentes dos honorários advocatícios caso o credor demonstre a existência de créditos cujo montante promova indiscutível e substancial alteração de sua condição socioeconômica.

Retomando-se à análise do acórdão do TRT8, ele prossegue fazendo menção aos termos do parecer da PGR, no sentido da violação do art. 5º, LXXIV, da CF, por “impor a beneficiários de justiça gratuita pagamento de despesas processuais de sucumbência, até com empenho de créditos auferidos no mesmo ou em outro processo trabalhista, sem que esteja afastada a condição de pobreza que justificou o benefício“.

No particular, do extenso trecho do referido parecer que é transcrito no acórdão, consta menção expressa no sentido de que:

“Nessa suspensão de exigibilidade não reside inconstitucionalidade. Disposição idêntica encontra-se no art. 98, § 3 o , do CPC de 2015, que disciplina a justiça gratuita relativamente à cobrança de despesas processuais decorrentes da sucumbência. […] O problema aqui reside em que o art. 791-A, § 4 o , da CLT condiciona a própria suspensão de exigibilidade dos honorários advocatícios de sucumbência à inexistência de crédito trabalhista capaz de suportar a despesa”.

Em seguida, constam referências ao entendimento dos TRTs da 4ª, 14ª e 19ª Regiões, que teriam igualmente declarado a inconstitucionalidade do § 4º do art. 791-A, da CLT.

Ocorre que a ementa do acórdão do pleno do TRT4 menciona expressamente a inconstitucionalidade de parte da norma inserida no § 4º art. 791-A da CLT, e não da sua totalidade, ao passo que a decisão do TRT14  menciona de forma expressa ser inconstitucional apenas a expressão “desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa”.

No que se refere ao pleno do TRT19 é mais genérico a sua ementa, apontando apenas para a existência de restrições às garantias fundamentais de assistência jurídica integral e gratuita, do acesso à Justiça, do princípio da DPH e da isonomia.

Em seguida, os fundamentos do voto destacam o parecer circunstanciado do MPT, apresentado nos autos da arguição de inconstitucionalidade, manifestação no sentido do provimento parcial do Incidente, “para declarar inconstitucional trecho do art. 791-A, §4º da CLT, qual seja: ‘desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa’”.

Encerrada a fundamentação, o MM. Relator votou pela “inconstitucionalidade do § 4º do art. 791-A da CLT”, o que foi acolhido, à unanimidade, pelo Pleno do TRT8.

Com efeito, é possível extrair alguma conclusões do acórdão:

  1. Não foi declarada a inconstitucionalidade do caput do art. 791-A, da CLT, mas apenas do §4º;
  2. Em que pese o próprio relator ter feito menção à possibilidade de declaração in totum do §4º ou apenas do trecho específico, a conclusão do acórdão não chegou a apontar os motivos pela opção pela declaração in totum.
  3. A decisão se mostra aparentemente contraditória com seus próprios fundamentos (doutrina, jurisprudência, pareceres e argumentação), no sentido da inconstitucionalidade parcial do §4º, alcançando apenas a fatídica expressão e não a sua totalidade.

Feitas tais considerações, no que se refere à ADI 5.766, o julgamento se deu em 20/10/2021, constando no site do STF o seguinte extrato de julgamento que declara, de forma genérica, a inconstitucionalidade do §4º do art. 791-A, da CLT:

Decisão: O Tribunal, por maioria, julgou parcialmente procedente o pedido formulado na ação direta, para declarar inconstitucionais os arts. 790-B, caput e § 4º, e 791-A, § 4º, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), vencidos, em parte, os Ministros Roberto Barroso (Relator), Luiz Fux (Presidente), Nunes Marques e Gilmar Mendes. Por maioria, julgou improcedente a ação no tocante ao art. 844, § 2º, da CLT, declarando-o constitucional, vencidos os Ministros Edson Fachin, Ricardo Lewandowski e Rosa Weber. Redigirá o acórdão o Ministro Alexandre de Moraes. Plenário, 20.10.2021.

Ocorre que, de forma similar ao precedente do TRT8, da análise da ratio decidendi dos votos do referido julgamento, é possível constatar uma aparente contradição entre o que consta do extrato de julgamento e os termos dos votos vencedores, em especial do ministro Edson Fachin, podendo seu voto servir de norte para o redator designado, ministro Alexandre de Moraes, a exemplo do trecho a seguir:

Importante ressaltar que não há inconstitucionalidade no caput do artigo 790-B da CLT, com a redação da Lei 13.467/2017, quando admite a possibilidade de imputação de responsabilidade ao trabalhador sucumbente, pois admitir a imputação é ato distinto de tornar imediatamente exigível tal obrigação do beneficiário da justiça gratuita. Se cessadas as condições que deu ao trabalhador o direito ao benefício da gratuidade da justiça, admite-se a cobrança das custas e despesas processuais. Não se apresentam consentâneas com os princípios fundamentais da Constituição de 1988 as normas que autorizam a utilização de créditos, trabalhistas ou de outra natureza, obtidos em virtude do ajuizamento de um processo perante o Poder Judiciário, uma vez que este fato – sucesso em ação ajuizada perante o Poder Judiciário – não tem o condão de modificar, por si só, a condição de miserabilidade jurídica do trabalhador. É importante consignar que a mera existência de créditos judiciais, obtidos em processos trabalhistas, ou de outra natureza, não é suficiente para afastar a situação de pobreza em que se encontrava a parte autora, no momento em que foram reconhecidas as condições para o exercício do seu direito fundamental à gratuidade da Justiça. […] (ADI 5766/DF, Rel. Min. Roberto Barroso. Voto Vogal Min. Edson Fachin, p. 11.[2]

Com efeito, os termos exatos do extrato de julgamento, diversamente dos elucidativos argumentos constantes do voto do ministro Fachin, trazem certo grau de insegurança jurídica, dado que, ao se declarar a inconstitucionalidade da íntegra do §4º, sem qualquer ressalva no que se refere ao caput do dispositivo, em vez de se chegar a uma quase equivalência à sistemática do CPC (art. 98, §3º), conforme parecer da PGR na ADI, ter-se-ia a exclusão absoluta da norma celetista de suspensão da exigibilidade, mantido o direito do advogado da parte contrária aos honorários sucumbenciais, previstos no caput.

Diante de tal situação, restaria necessária a utilização integrativa/supletiva da norma do CPC que aponta estarem os honorários de advogado compreendidos na gratuidade de justiça, fechando-se os olhos para o fato de que, nos termos do art. 11, III, “c”, da LC nº 95/1998, para obtenção de ordem lógica, os parágrafos devem expressar os aspectos complementares à norma enunciada no caput do artigo e as exceções à regra por este estabelecida, de maneira que, data vênia, não se mostraria de boa técnica a mera importação do que consta de um dos incisos do §1º, com base no art. 769 da CLT, desconsiderando-se a norma constante do §3º, que nada mais faz do que possibilitar a cobrança de honorários daqueles que, comprovadamente, deixarem de ostentar as condições aptas a ensejar os benefícios da gratuidade de justiça.

Nesse sentido, em que pese o extrato de julgamento da ADI 5.766 tenha cumprido o objetivo de, sem sombra de dúvida, afastar a compensação de créditos dos beneficiários de gratuidade de justiça para o pagamento de honorários sucumbenciais, na falta da publicação do acórdão, a aparente contradição entre o extrato da decisão e a ratio decidendi dos votos acaba por manter a insegurança jurídica no que se refere à possibilidade de condenação, com suspensão da exigibilidade.

A evidenciar a referida controvérsia, pontue-se que, após a decisão da ADI 5.766, dos poucos Recursos de Revista que ultrapassaram o juízo de admissibilidade, a 2ª, 4ª, 5ª, 6ª e 8ª Turmas do TST já se manifestaram no sentido da impossibilidade de condenação do beneficiário de gratuidade de justiça em honorários de sucumbência, mas o que se extrai das decisões são referências diretas ao que consta do extrato de julgamento do Supremo, sem terem os ministros se debruçado sobre a ratio decidendi dos votos.

Em meio a tais posicionamentos turmários, merece destaque o posicionamento, em julgamentos monocráticos, do ministro do TST, Amaury Rodrigues Pinto Júnior (T-RR-719-74.2020.5.08.0117, RRAg – 364-35.2018.5.09.0011 e RRAg – 364-35.2018.5.09.0011), nos quais Sua Excelência asseverou que:

[…] somente o § 4º do art. 791-A da CLT foi declarado inconstitucional. O caput do referido dispositivo, acrescido pela Lei n.º 13.467/2017, que ampliou a condenação ao pagamento dos honorários advocatícios de sucumbência em todas as causas trabalhistas, permanece íntegro, e aplica-se tanto ao empregador como ao  empregado, desde que sucumbente no processo. […] Nessa suspensão de exigibilidade não reside inconstitucionalidade. Disposição idêntica encontra-se no art. 98, § 3o, do CPC de 2015 , que disciplina a justiça gratuita relativamente à cobrança de despesas processuais decorrentes da sucumbência. […] conclui-se, em perfeita observância da decisão vinculante proferida pelo STF na ADI 5.766/DF (acórdão pendente de publicação), que os honorários advocatícios sucumbenciais devem ser fixados, mesmo quando se tenha reconhecido o direito à gratuidade judiciária, nesse caso, contudo, a obrigação decorrente de sua sucumbência permanecerá sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderá ser executada se, nos dois anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que a certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência econômica que justificou a concessão da gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, a obrigação.

Para todos os efeitos, a insegurança jurídica prevalece, no aguardo da publicação do acórdão da ADI 5.766.


[1] Destacando-se, por exemplo, a menção a doutrina de Júnior, Souza, Maranhão e Neto In “Reforma Trabalhista – Análise Comparativa e Crítica da Lei nº 13.467/2017”- Editora Rideel; São Paulo; 2017, pág.385/387.

[2] Disponível em: <https://www.conjur.com.br/dl/voto-fachin-reforma-trabalhista.pdf>, acesso em: 17/02/2022.