Jardes Costa de Oliveira

Uma vez esgotado o prazo para o pagamento voluntário do crédito tributário definitivamente constituído, inicia-se a contagem do prazo prescricional de cinco anos para que o Fisco proceda com a inscrição em Dívida Ativa e proponha a competente execução fiscal, a teor do art. 174 do Código Tributário Nacional (CTN).
Até que esse ajuizamento de fato ocorra, ao contribuinte, sabe-se, não é dado garantir a satisfação do débito então “em aberto” em seus extratos fiscais – quando menos em circunstâncias ordinárias, para o que referido ajuizamento seria imprescindível –, fato potencialmente impactante da regular consecução de suas atividades em razão do óbice à emissão de certidão de regularidade fiscal, nos termos do art. 206 também do CTN.
<a href="https://www.jota.info/produtos/tributos?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Tributos_materias" rel="attachment wp-att-291213"><img class="size-medium wp-image-291213 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-tributos-v2.jpg" alt="" width="300" height="300" /></a>Foi nesse contexto de limbo temporal-processual – somado à afronta ao princípio da isonomia (art. 5º da CRFB/88), ao considerar que o contribuinte que já tinha contra si ajuizada a execução fiscal estaria em condição mais favorável se comparado com os demais –, que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, à luz dos artigos 826 e seguintes do revogado CPC de 1973, inovou ao interpretar a possibilidade de o devedor, antes do início do processo executivo, oferecer garantia relativamente a execução a ser ajuizada, fazendo-o por meio da medida cautelar de caução fiscal, de modo a viabilizar, pragmaticamente, a antecipação da garantia do crédito tributário<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>
Após a vigência do CPC de 2015, as ditas medidas cautelares “tradicionais”– que detinham procedimento próprio – foram extintas, passando a integrar o capítulo das tutelas provisórias de urgência e evidência, conforme artigos 294 e seguintes, mantido, de todo modo, o entendimento antes apontado – com asseguramento aos contribuintes, frisemos, do direito de antecipar a prestação de garantia do crédito tributário, desde que demonstrados a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco de resultado útil do processo do direito vindicado, em se tratando de tutela provisória de urgência, ou apenas com a demonstração da subsunção de uma das hipóteses literais de cabimento da tutela de evidência (de conteúdo cautelar).
<blockquote class="jota-article__eye">Assim aceita a garantia pelo Judiciário, aguarda(va)-se o ajuizamento da execução correlata, com o subsequente traslado da sede original para o bojo daquela ação, tudo a permitir a continuidade da discussão judicial do débito em grau de embargos.</blockquote>
Essa construção incorpora ao contexto descrito uma especial visão do princípio da instrumentalidade, à medida que desagua no reconhecimento do processo cautelar como mecanismo operativo da salvaguarda de outro processo – a execução fiscal e correspondente demanda desconstitutiva –, servindo, em suma, como instrumento processual adequado para que o resultado de outro processo seja útil e eficaz, técnica conhecida na doutrina como “instrumento do instrumento”.<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>
A par dessas considerações, a efetivação desse instrumento vem acompanhada de outra discussão: à luz do princípio da causalidade, sobre quem recairia (se é que recairia) a condenação em honorários sucumbenciais? É exatamente nesse aspecto que nosso artigo se desdobrará para tecer breves comentários e sugerir pontual inclusão, no bojo do art. 85 do CPC, de disposição que poderia descongestionar o contencioso derivado deste tema.
Pelo princípio da causalidade, os honorários advocatícios devem ser suportados pela parte que deu causa à propositura da demanda ou à instauração do incidente processual, sendo certo que, na hipótese de não haver julgamento do mérito, caberá ao juiz competente analisar o caso a fim de identificar a parte que eventualmente seria qualificada como perdedora acaso a demanda do mérito fosse julgada.
Ocorre que, no estágio em que o ciclo de positivação do crédito tributário se encontra após  sua constituição definitiva mas antes do ajuizamento de execução fiscal (que corresponde justamente ao momento em que há interesse de agir na antecipação da garantia), não há, verdadeiramente, vencedor e sucumbente.
O Fisco não é parte vencida, pois está virtualmente dentro do prazo prescricional de cinco anos para ajuizar a competente execução –não pode ser qualificado, portanto, como parte que deu causa à formulação do pedido de tutela cautelar, já que não há mora de sua parte.
O contribuinte, por outro lado, não é vencedor, pois busca assegurar a satisfação do crédito tributário que está por ser executado, questão marginal que não influencia na sua desconstituição (do crédito tributário), mantendo-se (esse mesmo crédito) intacto, podendo ser objeto de outro processo, este sim destinado à sua desconstituição.
Na prática, portanto, aplicar o princípio da causalidade aos pedidos de tutela provisória de que tratamos para fins de fixação de encargo sucumbencial demandaria, em última instância, um descabido exercício de futurologia, voltado a “antever” o resultado da ação destinada a desconstituir o crédito tributário.
O que se há de concluir, daí, é que não há, no momento do ciclo de positivação da obrigação tributária de que tratamos, ambiente para aplicação do princípio da causalidade, restando inviabilizada a identificação daquele que “deu causa” à formulação do pedido de tutela provisória, dada a ausência de informações sobre a subsistência ou não do crédito tributário, único dado que serviria de parâmetro para o Juízo fixar os honorários de sucumbência, uma vez que, por óbvio, este ponto somente será adequadamente endereçado no bojo de eventual exceção de pré-executividade, embargos à execução fiscal ou ação anulatória.
Não há, poderíamos dizer, sequer verdadeira pretensão resistida por parte do Fisco, já que este apenas atua nos limites do seu direito de ajuizar a demanda executiva dentro do prazo prescricional de cinco anos, podendo surgir algum nível de divergência, isso sim, quanto à higidez da garantia oferecida pelo contribuinte, fato que também não incide sobre o mérito a ela (garantia) atrelado.
Reconhecendo, nessa linha, a incompatibilidade da condenação em honorários sucumbenciais em procedimentos que se destinam unicamente à antecipação da garantia do crédito tributário, a 1ª Turma do STJ, quando do julgamento do Ag no REsp n. 1.512.312/MS,<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a> reconheceu que as tutelas cautelares antecipatórias de garantia do crédito tributário, por buscarem apenas a preservação da regularidade fiscal do contribuinte perante a Fazenda Pública, não permitem a identificação de um perdedor ou vencedor na demanda,<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a> daí por que não seria possível se falar em condenação em honorários sucumbenciais.<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>
Diante disso, seria pertinente evitar o possível traslado dessa questão para o plano jurisprudencial, mantendo-a potencialmente alvo de controvérsias, assim operando mediante a inclusão de dispositivo que tratasse especificamente do ponto, o que beneficiaria não só tutelas acautelatórias referentes a tributos federais, mas também asseguraria que o mesmo racional fosse aplicado às acautelatórias cujo objeto fossem tributos estaduais e municipais. Firmes nessa ideia, apresentamos proposta que, a nosso ver, pacificaria a questão e positivaria entendimento já aplicado pela jurisprudência do STJ, nos seguintes termos:
Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor. (...)
<ul>
<li>20. Nas causas em que for parte a Fazenda Pública, em se tratando de pedidos de tutela provisória de urgência ou de evidência de natureza cautelar, cujo objeto se limite ao oferecimento de garantia ao crédito fazendário, independentemente de sua natureza, as partes não serão condenadas ao pagamento de honorários sucumbenciais.</li>
</ul>
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> O STJ, quando do julgamento do REsp n. 1.123.669/RS, através da sistemática dos recursos repetitivos, decidiu que: “1. O contribuinte pode, após o vencimento da sua obrigação e antes da execução, garantir o juízo de forma antecipada, para o fim de obter certidão positiva com efeito de negativa. (...) A caução oferecida pelo contribuinte, antes da propositura da execução fiscal é equiparável à penhora antecipada e viabiliza a certidão pretendida, desde que prestada em valor suficiente à garantia do juízo. 3. É viável a antecipação dos efeitos que seriam obtidos com a penhora no executivo fiscal, através de caução de eficácia semelhante. A percorrer-se entendimento diverso, o contribuinte que contra si tenha ajuizada ação de execução fiscal ostenta condição mais favorável do que aquele contra o qual o Fisco não se voltou judicialmente ainda. 4. Deveras, não pode ser imputado ao contribuinte solvente, isto é, aquele em condições de oferecer bens suficientes à garantia da dívida, prejuízo pela demora do Fisco em ajuizar a execução fiscal para a cobrança do débito tributário. Raciocínio inverso implicaria em que o contribuinte que contra si tenha ajuizada ação de execução fiscal ostenta condição mais favorável do que aquele contra o qual o Fisco ainda não se voltou judicialmente. (...)” – grifamos.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil – Volume único. 8ª Edição. Salvador: Editora JusPodivm, 2016. p. 469 e 470.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Vide íntegra do acórdão disponível em: <a href="https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&amp;sequencial=1951983&amp;num_registro=201901688434&amp;data=20200701&amp;formato=PDF">https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&amp;sequencial=1951983&amp;num_registro=201901688434&amp;data=20200701&amp;formato=PDF</a>
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> No âmbito do STJ, há jurisprudência reconhecendo a necessidade de afastamento dos honorários sucumbenciais em função da impossibilidade da atribuição de responsabilidade pelo não ajuizamento da execução em prazo inferior aos 05 (cinco) anos. Vide: AgRg no REsp n. 1.389.810/RS; AgRg no REsp n. 1.506.470/PR; REsp n. 1.703.125/SP.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> Insta ressaltar que a União Federal não poderá ser condenada em honorários neste tipo de demanda, desde que não apresente contestação em face do pleito antecipatório de garantia, reconhecendo expressamente a procedência do pedido, a teor do art. 19, §1º, inciso I, da lei n. 10.522/2002.

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