Carlos Roberto Buriti

O holocausto marca uma das maiores atrocidades da humanidade. Representa o genocídio de cerca de seis milhões de judeus, sendo um milhão de crianças, dois milhões de mulheres e três milhões de homens.
Uma pergunta precisa ser respondida: como foi possível identificar todos os judeus, confiscar seus bens e levá-los aos campos de concentração?
A resposta está coleta de dados pessoais pelo Estado e no tratamento desses dados por meio da mais avançada tecnologia de contagem e de classificação de dados disponível na época.
<a href="https://conteudo.jota.info/poder-contato"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>Adolf Hitler, assim que nomeado chanceler em 1933, adotou providências para por em prática a sua política antissemita. Importava ao Terceiro Reich identificar e localizar os “não-arianos”. Esse trabalho teve início no censo realizado em julho de 1933, pelo qual se identificou 502.799 judeus no Reich alemão.<a href="#_edn1" name="_ednref1">[1]</a>
Mas as informações colhidas no censo de 1933 ainda eram insuficientes. Por conta disso, elaborou-se um novo censo em 1939.
O censo alemão de 17 de maio de 1939 é mais robusto de informações sobre os judeus. Foram registrados a idade, o sexo, o domicílio, a profissão, o estado civil e a origem do individuo com base na de seus avós, conforme comprova o Statistik des Deustschen Reichs, relatório oficial do censo de 1939, que enumera os judeus segundo a filiação.<a href="#_edn2" name="_ednref2">[2]</a>
Conforme matéria publicada no site da televisão publica alemã Norddeustcher Rundfunk (<a href="http://www.ndr.de" target="_blank" rel="noopener noreferrer">www.ndr.de</a>), pelo censo de 1939, os nazistas registraram e classificaram todos os “não-arianos” mediante o preenchimento de um “cartão complementar” para informações sobre parentesco, religião e “raça”.<a href="#_edn3" name="_ednref3">[3]</a>
Além dos censos de 1933 e 1939, outros instrumentos foram adotados pelo governo nazista com a finalidade de coletar dados pessoais dos judeus. Como exemplo pode ser citada a Verordnung über die Anmeldung des Vermögens von Juden, de 26 de abril de 1938, que forçou os judeus a registrarem seus bens, sob pena de multa, confisco e prisão de até dez anos.<a href="#_edn4" name="_ednref4">[4]</a>
Com o cruzamento das informações dos censos com outros registros do Estado, os nazistas foram organizando e controlando as informações sobre suas vítimas. Segundo Edwin Brank, esse controle surgiu discretamente. Nas palavras do autor:
<blockquote>A humanidade mal deu conta que surgiu discretamente o conceito de organização maciça de controle da informação, para se transformar em ferramenta de controle social, em arma de guerra e em manual para a destruição em massa.<a href="#_edn5" name="_ednref5">[5]</a></blockquote>
Os judeus estavam catalogados, com seus domicílios e bens identificados.
Mas não bastava colher os dados pessoais. Era necessário catalogar e organizar o conjunto de informações para que elas fossem utilizadas com máxima eficiência. Para tanto era preciso acelerar o processamento do material estatístico com o emprego da mais avançada tecnológica de contagem e de classificação de dados.
Assim, para o tratamento desses dados pessoais, os nazistas utilizaram as máquinas Hollterith, fabricadas pela DEHOMAG – Deutsche Hollerith Maschinen Gesellschaft, cuja tecnologia, baseada em cartões perfurados, é percussora dos computadores.
As bases dessa tecnologia eram semelhantes ao que hoje se denomina big data, pois formava um banco de dados centralizado com registro de pessoas e bens, associado a um processo de classificação em alta velocidade.
Com o controle das informações, orquestrou-se o ataque, facilitando as medidas de deportação e de extermínio, com muita eficiência e no menor tempo possível.
Se fosse possível aos judeus preverem o terrível futuro que lhes aguardava, jamais teriam informado as suas origens e religião nos censos de 1933 e de 1939.
O que estava em jogo não era apenas a preservação da intimidade e da privacidade desses indivíduos, também o patrimônio, a liberdade e a vida.
Esse terrível episódio da humanidade faz refletir sobre qual é efetivamente a abrangência do que hoje se denomina de “direito à proteção de dados pessoais”.
Por um lado, o exemplo nazista demonstra que não se pode permitir que o Estado se aproprie e compartilhe informações pessoais dos cidadãos, além do limite proporcional, necessário e adequado à satisfação do legítimo interesse público que se tem em vista (princípio da proporcionalidade).
Por outro, há que se reconhecer que o direito à proteção de pessoais possui caráter dúplice. Além de representar um direito autônomo – cuja lesão independe da ofensa a qualquer outro direito – revela-se como uma barreira que protege o indivíduo contra ameaças a outros direitos e liberdades fundamentais, tais como a liberdade, a privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade.
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O episódio 48 do podcast Sem Precedentes faz uma análise sobre a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2020 e mostra o que esperar em 2021. Ouça:
https://youtu.be/-hMj5lwWXEE
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<a href="#_ednref1" name="_edn1">[1]</a> Cf.:  BLOM, Philipp.  Die Volkszählung 1933 – Die statistische Grundlage für den Holocaust. In Cicero Magazin Für Politische Kultur. Disponível em: &lt;https://www.cicero.de/kultur/volkszaehlung-war-statistische-grundlage-fuer-holocaust/55024&gt;.
<a href="#_ednref2" name="_edn2">[2]</a> Confira o referido relatório do censo alemão de 1939. Disponível em: &lt;https://archive.org/details/Volkszaehlung1939-DieJudenUndJuedischenMischlingeImDeutschenReich-StatistischesR&gt;. Confira também a Enciclopédia do Holocausto. Disponível em: &lt;https://encyclopedia.ushmm.org/content/pt-br/article/locating-the-victims&gt;.
<a href="#_ednref3" name="_edn3">[3]</a> Disponível em: &lt;https://www.ndr.de/geschichte/chronologie/Volkszaehlung-1939-Statistik-unterm-Hakenkreuz,volkszaehlung130.html&gt;.
<a href="#_ednref4" name="_edn4">[4]</a> Confira a integra da portaria sobre o registro da propriedade dos judeus. Disponível em: &lt;https://de.wikisource.org/wiki/Verordnung_über_die_Anmeldung_des_Vermögens_von_Juden&gt;.
<a href="#_ednref5" name="_edn5">[5]</a> BRANK, Edwin. IBM e Holocausto. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora Campus. 2001. p. 1.

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JOTA

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