Maria Carolina Mendonça de Barros

A <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/lai">Lei de Acesso à Informação</a> (<a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm">Lei 12.527/2011</a>) regula o direito constitucional dos cidadãos de acessar informações públicas e abarca os Três Poderes da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. Para a LAI, a publicidade é a regra e o sigilo a exceção. Os prazos e procedimentos para que esse acesso seja realizado, e sob que condições, estão previstos na norma, que foi um passo importante na consolidação do Estado de Direito brasileiro, permitindo uma maior participação e controle da sociedade civil na dinâmica da administração pública. É também uma importante ferramenta no combate à corrupção, fomentando a transparência das atividades dos poderes públicos.
A Lei Geral de Proteção de Dados (<a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.htm">Lei 13.709/2018</a>) condensa as regras da proteção de dados pessoais no Brasil, fundando-se em princípios como o do respeito à privacidade, o da autodeterminação informativa, e o da inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem. Devido à sua relevância, adquiriu caráter de direito humano fundamental, por meio da aprovação da Emenda Constitucional 115, que incluiu na Carta Magna o inciso LXXIV do artigo 5º, relativo aos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos.
Dessa forma, temos uma legislação que trata da publicidade como regra das informações atinentes ao poder público, o que inclui inúmeros dados pessoais de servidores, e outra que resguarda os dados pessoais e permite um controle de seus tratamentos (como coleta e acesso) pelo seu titular – ou seja, dever transparência de um lado e proteção de dados pessoais e privacidade, de outro.
Há, de fato, um ponto importante de intersecção entre as duas leis, considerando que ambas tratam do tema dos dados pessoais armazenados em bases de dados públicas. Uma vez que tanto a <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/LGPD">LGPD</a> quanto a LAI se orientam por preceito constitucional, não há uma hierarquia entre elas, o que acaba gerando dúvidas em determinadas situações práticas sobre qual seria a forma correta de agir sem prejudicar os objetivos de cada uma, exigindo um esforço de interpretação nem sempre fácil da autoridade pública.
Pensar sobre a melhor forma de coexistência de duas leis tão relevantes é muito importante e não é exclusividade do Brasil. A aparente contradição entre direito à privacidade e dever de transparência do Estado tem sido pauta de discussões acaloradas, impulsionadas pelo crescente movimento da sociedade civil para ter maior controle das políticas públicas, da alocação de gastos e corrupção, entre outros tópicos. Para preservar o direito ao acesso à informação, as leis de privacidade e proteção de dados em geral reconhecem que esse direito não é absoluto e pode ser restringido em determinadas situações, como nos casos de interesse público. E, mesmo nessas situações, antes de disponibilizar dados pessoais para consulta pública, é preciso analisar a legitimidade do objetivo que se deseja atingir e observar o princípio da proporcionalidade e necessidade, abrindo apenas aqueles dados relevantes para atingir a finalidade de atender o interesse público.
No Brasil, o debate sobre essa questão ganhou corpo em função do aumento de negativas de acesso à informação a partir de 2020 justificadas com base na LGPD. Levantamento feito pela agência independente de dados Fiquem Sabendo mostra que, um ano após a entrada em vigor da LGPD, 79 pedidos de informação com base na Lei de Acesso à Informação foram negados sob alegação de violação da LGPD.<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>
Diante desse cenário, foi solicitado pela Presidência da República à Controladoria-Geral da União (CGU) em janeiro deste ano um levantamento e revisão de atos que impuseram sigilo a documentos da administração federal do acesso ao público para determinar quais deles podem ser enquadrados como indevidos. Do total de 1.335 decisões analisadas pela CGU, 234 casos concretos serão mais bem estudados. Tais casos foram separados em eixos temáticos: segurança nacional (111), segurança do Presidente da República e seus familiares (35), informações pessoais (49), atividades de inteligência (16) e assuntos diversos (23).
O resultado inicial do trabalho da CGU é positivo para avançar na harmonização das interpretações da LAI e da LGPD nos pontos em que há uma intersecção, de maneira que uma não seja utilizada para que a outra não possa ser efetivamente cumprida. Entre os 12 enunciados elaborados pela CGU e apresentados junto com seu parecer, um trata especificamente de informações pessoais.<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a> Ele dispõe que o fundamento para uma negativa de acesso à informação ou documentos por tratar-se ou conter dados pessoais não pode ser utilizado de forma geral e abstrata. É possível proteger (omitir) os dados pessoais que não sejam necessários para atingimento da finalidade para a qual foram solicitados ou cuja divulgação indevida gere prejuízos à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem do seu titular,<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a> mas mantendo aqueles que sejam fundamentais para a proteção do interesse público geral quando isto for detectado, conforme prevê o artigo 31, §3º, inciso V da Lei de Acesso à Informação.
O assunto é mais bem explorado no parecer apresentado pela CGU.<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a> De acordo com o órgão, há uma certa flexibilização do princípio da privacidade em relação ao da transparência quando o objeto do pedido realizado à luz da LAI referir-se a agente público atuando nesta condição. Nesse sentido, essa relativização advém da própria função pública do titular de um dado e se funda no princípio norteador da Lei de Acesso à Informação, pelo qual a publicidade é a regra e o sigilo, a exceção.
O balanceamento entre a garantia do interesse público e a proteção dos dados 
pessoais não é sempre fácil e, em várias instâncias, será necessária uma análise e uma contextualização do interesse público envolvido em um objeto de pedido de acesso à informação que contenha dados pessoais, o que pode implicar certa discricionariedade por parte da autoridade que fará essa apreciação.
Reconhecendo essa dificuldade, o Legislativo iniciou um debate sobre o tema e, em agosto de 2021, a deputada Adriana Ventura (Novo-SP) apresentou o <a href="https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2298016">PL 3101/2021</a> para inserir um novo inciso no artigo 2º da LGPD visando assegurar a transparência de informações de agentes públicos no exercício de suas funções e sobre agentes privados que recebam ou gerenciem recursos públicos.<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>
Assim, é possível verificar que existem de fato pontos de tensão entre a LAI e a LGPD que demandarão esforços interpretativos e desenvolvimento de precedentes para aprofundamento da harmonização entre ambas as legislações. No entanto, é relevante notar a existência de um consenso, inclusive na esfera pública, de que as leis não são excludentes, mas sim complementares, e que a LGPD pode, inclusive, aprimorar processos de controle e governança de dados em poder estatal com importantes mecanismos de apoio que trouxe, como o uso de relatórios de impacto de dados pessoais, medidas de segurança da informação e mitigação de riscos, reforço da necessidade de transparência para com os titulares e aumento da possibilidade de participação na elaboração e no desenvolvimento de políticas públicas que envolvam dados pessoais dos cidadãos, entre outros.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> <a href="https://fiquemsabendo.com.br/transparencia/lgpd-negativa-cgu/">https://fiquemsabendo.com.br/transparencia/lgpd-negativa-cgu/</a>
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> <a href="https://www.gov.br/cgu/pt-br/assuntos/noticias/2023/02/cgu-conclui-revisao-dos-sigilos-impostos-a-documentos-de-acesso-publico/NOVOSENUNCIADOSLAICGU2_9.54.pdf">https://www.gov.br/cgu/pt-br/assuntos/noticias/2023/02/cgu-conclui-revisao-dos-sigilos-impostos-a-documentos-de-acesso-publico/NOVOSENUNCIADOSLAICGU2_9.54.pdf</a>
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Cf artigo 31, §1º da LAI.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> <a href="https://www.gov.br/cgu/pt-br/assuntos/noticias/2023/02/cgu-conclui-revisao-dos-sigilos-impostos-a-documentos-de-acesso-publico/copy_of_PARECERFINALSOBREACESSOINFORMAO_CGU_FEV2023.pdf">https://www.gov.br/cgu/pt-br/assuntos/noticias/2023/02/cgu-conclui-revisao-dos-sigilos-impostos-a-documentos-de-acesso-publico/copy_of_PARECERFINALSOBREACESSOINFORMAO_CGU_FEV2023.pdf</a>
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> Cf. <a href="https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2070698&amp;filename=Tramitacao-PL%203101/2021">https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2070698&amp;filename=Tramitacao-PL%203101/2021</a>

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JOTA

É possível a completa aplicação das duas legislações sem ferir seus objetivos centrais

Harmonização da LAI e da LGPD

É possível a completa aplicação das duas legislações, a LAI e a LGPD, sem ferir seus objetivos centrais