José Luiz Barbosa Pimenta Junior

A imprensa internacional noticiou recentemente, a aprovação em bloco, no curso da primeira fase do devido processo legislativo, de Projetos de Lei de autoria multipartidária, que descriminalizam a eutanásia e o suicídio assistido em Portugal<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, remetendo-nos à necessária reflexão sobre o tema terminalidade da vida e o respectivo e atual cenário legal em nosso País.
Antes de se adentrar ao posicionamento sobre este relevante assunto, face sua repercussão social e conotação jurídica, conceitualmente, têm-se a eutanásia como sendo o instituto que se caracteriza pela antecipação da morte do enfermo, diante do sofrimento e da dor testemunhados, havendo pequena intercessão, com o suicídio assistido, no qual a morte é provocada pelo próprio enfermo que a deseja, auxiliado por terceiro.
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Em sentido contrário, constitui-se a distanásia como sendo a prática de se postergar a morte, mantendo-se o enfermo terminal artificialmente vivo, prolongando a sua agonia, mediante atos e procedimentos médicos extraordinários, consolidados na obstinação terapêutica, que visam dar quantidade e não qualidade de vida.
E a ortotanásia (defendida e aceita como a mais adequada), comumente referida como a morte ao tempo certo, constitui-se na prática de atos médicos que venham a dar conforto e tranquilidade ao paciente terminal, mediante a devida assistência, com os devidos e proporcionais cuidados paliativos.
Por mistanásia, entende-se pela morte provocada pela péssima prestação de saúde pública à parcela mais carente e necessitada da população, seja porque o paciente sequer teve oportunizado pelo Estado sua admissão em um nosocômio, seja em virtude de uma assistência deficiente, na qual a morte pode ser produzida por causas decorrentes do não desejado erro médico ou por força da má prática médico-hospitalar, por motivos socioeconômicos. É a conhecida eutanásia social, a morte miserável.
No Brasil, à mercê da ausência de uma lei específica<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, o Conselho Federal de Medicina, inicialmente, ao baixar a Resolução nº 1805/2006, autorizou a prática da ortotanásia, pavimentando, assim, o caminho para aplicação das Diretivas Antecipadas de Vontade (DAV), expressão da manifestação da vontade do doente terminal.
O passo seguinte se deu quando da publicação da Resolução CFM nº 1995/2012, que regulamentou especificamente o respeito às DAV, estabelecendo critérios e formalidades a ser cumpridos para a sua implementação<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>.
Reforçando os fundamentos para o reconhecimento da prática da ortotanásia e das DAV, tem-se vários lastros legais, sendo o maior deles, o traduzido pelo respeito ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, à luz do art. 1º, inciso III da Constituição Federal de 1988. E como mola mestra de garantia da autonomia da vontade, há o art. 15 do Código Civil.
Já o caput do art. 17 do Estatuto do Idoso assegura ao idoso o direito de optar pelo tratamento de saúde que lhe for mais favorável. Há ainda a vigência das Leis Estaduais 10.241/99 (SP), 16.279 (MG) e 14.254 (PR), que estabelecem o direito do usuário dos serviços de saúde de recusar a realização de tratamentos dolorosos ou extraordinários para tentar prolongar a vida, quando não há mínima esperança de cura, de reversão do quadro clínico<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>.
Importante se faz também mencionar, no contexto infraconstitucional, a Resolução nº 41/1995 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, que assegura ao paciente jovem o “direito a uma morte digna, junto a seus familiares, quando esgotados todos os recursos terapêuticos disponíveis”.
E por fim, o art. 4º da Portaria nº 1.820/2009 do Ministério da Saúde, dispõe sobre o direito ao atendimento humanizado em favor dos usuários dos serviços de saúde, que garante a escolha do local de morte, quando lhe for inevitável.
Em Portugal, a matéria foi inicialmente tratada pelo disposto na Lei n.º 25/2012, que regulamentou as DAV, restando designada sob a forma de testamento vital, instrumento jurídico no qual existe a possibilidade de se nomear o Procurador para os Cuidados da Saúde, que se constituirá, em regra, na pessoa escolhida pelo outorgante, que conferirá especiais poderes de representação, suficientes para deliberar sobre o tratamento, assistência e procedimentos, que o paciente irá ou não receber, quando este não se encontre capaz de expressar a sua vontade pessoal, de forma autônoma, tudo devidamente registrado em um cadastro próprio e unificado, perante o Registo Nacional do Testamento Vital.
<blockquote class="jota-article__eye">Em assim sendo, segundo a dicção desta lei especial, as DAV compreendem, como definição, um instrumento unilateral e revogável a qualquer momento pelo próprio outorgante, o qual deve ser maior civilmente e capaz, gozando de suas perfeitas condições mentais.</blockquote>
São, assim, dignas de nota as disposições permitidas, as quais seguem de forma resumida, a saber: (i) não ser submetido a tratamento de suporte artificial das suas funções vitais; (ii) não ser submetido a tratamento fútil ou desproporcional, especialmente às relacionadas às medidas de alimentação e hidratação artificiais que apenas visem retardar o processo natural de morte; (iii) receber os cuidados paliativos adequados ao quadro clínico; (iii) não ser submetido a tratamento experimental.
Diante deste cenário jurídico é que se deu a aprovação da citada proposição legislativa<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>, conferindo-se a possibilidade da prática da eutanásia, desde que observados requisitos mínimos, dentre os quais, que o paciente seja maior de idade, consciente, lúcido e residente no país; que manifeste sua vontade por mais de uma vez; sendo a doença ou lesão acometida incurável e definitiva, em fase de sofrimento duradouro e insuportável; cujo quadro clinico seja avaliado por pelo menos dois médicos, sendo um deles especialista na respectiva doença, sem prejuízo da verificação de uma posterior comissão de bioética.
Este paralelo entre os dois regimes jurídicos indica, tanto no Brasil, como em Portugal, o pleno exercício da autonomia da vontade manifestada pelo paciente terminal, mediante a efetividade das DAV, estando ainda presente neste momento, em ambos os sistemas, a prática da ortotanásia e dos cuidados paliativos, podendo ser autorizada a eutanásia e o suicídio assistido em solo português, caso haja a aprovação da redação final do referido texto legal.
A experiência legislativa portuguesa, no entanto, demonstra a importância da permanente discussão no seio da sociedade, de modo a aperfeiçoar o consenso sobre como queremos tratar de um tema tão caro, como a terminalidade da vida.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> A propósito, interessante contextualizar o tema, através da leitura da reportagem publicada pelo El Pais. In <a href="https://www.nexojornal.com.br/expresso/2020/02/21/A-autoriza%C3%A7%C3%A3o-da-eutan%C3%A1sia-em-Portugal.-E-a-situa%C3%A7%C3%A3o-no-Brasil-e-no-mundo">https://www.nexojornal.com.br/expresso/2020/02/21/A-autoriza%C3%A7%C3%A3o-da-eutan%C3%A1sia-em-Portugal.-E-a-situa%C3%A7%C3%A3o-no-Brasil-e-no-mundo</a>. Acesso em 24/020/2020, às 10:40h.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Há Projetos de Lei que tramitam no Congresso Nacional e que se referem à terminalidade da vida.  O principal deles é o PROJETO DE LEI DO SENADO Nº 149 DE 2018 que dispõe sobre as diretivas antecipadas de vontade sobre tratamentos de saúde, sendo que também tramita o PROJETO DE LEI DO SENADO Nº 7, DE 2018, que dispõe sobre os direitos dos pacientes em serviços de saúde; altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), para isentar do crime de omissão penalmente relevante a falta de instituição de suporte de vida ou a não realização de tratamento ou procedimento médico recusados. A propósito: In <a href="https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/132773?o=t">https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/132773?o=t</a>. Acesso em 24/02//2020, às 12:00h.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Atualmente o Conselho Federal avançou no tema, com o advento da RESOLUÇÃO CFM Nº 2.232/2019, publicada no D.O.U. de 16 de setembro de 2019, Seção I, p. 113 – 4, que estabelece normas éticas para a recusa terapêutica por pacientes e objeção de consciência na relação médico – paciente, assunto subjacente à polemica sobre a legalidade da eutanásia. In: <a href="https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/BR/2019/2232">https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/BR/2019/2232</a>. Acesso em 24//02//2020, às 12:15h.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Está também em tramitação na Câmara dos Deputados, Projeto de Lei 5559/16, que defende os direitos dos pacientes, dentre os quais a garantia da execução das diretivas antecipadas de vontade. In: <a href="https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2087978">https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2087978</a>. Acesso em 24/02/2020, às 12:20h. Em paralelo tramita ainda o Projeto de Lei 352/2019, que difere na nomenclatura, instituindo instruções prévias de vontade sobre tratamento de enfermidade em fase terminal de vida. In <a href="https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2190904">https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2190904</a>, acesso em 24/02/2020, às 12:32.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> In <a href="https://www.nexojornal.com.br/expresso/2020/02/21/A-autoriza%C3%A7%C3%A3o-da-eutan%C3%A1sia-em-Portugal.-E-a-situa%C3%A7%C3%A3o-no-Brasil-e-no-mundo">https://www.nexojornal.com.br/expresso/2020/02/21/A-autoriza%C3%A7%C3%A3o-da-eutan%C3%A1sia-em-Portugal.-E-a-situa%C3%A7%C3%A3o-no-Brasil-e-no-mundo</a>. Acesso em 24/020/2020, às 13;19h.

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JOTA

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