Eloy Oliveira

Por que a confiança tem sido peça chave na guerra da Ucrânia? Por que a confiança foi fundamental no combate à pandemia? Como diria minha avó, confiança é tudo. A etimologia da palavra "confiança" explica muita coisa: confiar vem do latim confidere, que deriva do sufixo fidere, ter fé. Em sua origem, confiar significa "acreditar plenamente, com firmeza". Direta ou indiretamente, a confiança é um pilar da vida em sociedade.
A confiança é, por exemplo, a base do sistema financeiro: quando você deposita seu dinheiro no banco, você confia que o banco devolverá aquele valor quando você quiser; além disso, o próprio papel moeda é um mecanismo baseado na confiança, pois confiamos que as pessoas aceitarão a nota de dinheiro em troca do objeto que desejamos. Nós confiamos que o ônibus vai nos levar ao nosso destino, que o caminhão de lixo vai passar na nossa rua, confiamos que a água vai verter quando giramos a torneira etc. Mas quão importante é a confiança na atuação dos governos?
Confiança está na base teórica e prática da atuação dos governos. O filósofo Rousseau ficou conhecido pela sua teoria do contrato social, que seria um acordo que os cidadãos realizam com seus governos, depositando neles a confiança de organizar a vida comum. Mas esse depósito inicial de confiança não é suficiente para sustentar a atuação dos governos eternamente. A confiança precisa ser renovada diariamente. Quando os governos perdem essa confiança, acontecem as revoluções e os governos caem.
O caso da guerra da Ucrânia é emblemático. Como pode um pequeno país de 44 milhões de habitantes e PIB de US$ 155 bilhões resistir à força da poderosa Rússia, com seus 144 milhões de habitantes e US$ 1,5 trilhão de PIB? A resposta é: confiança. O povo ucraniano tem depositado muita confiança em seu governo e, sobretudo, na figura do seu presidente, Volodimir Zelenski.
Com muita habilidade o presidente ucraniano tem se colocado ao lado de seus concidadãos, usando o que os especialistas chamam de "liderança inspiradora". Por outro lado, os ucranianos têm uma extrema desconfiança com relação ao governo russo. A soma da confiança no governo e desconfiança contra os russos são fatores que ajudam a entender como forças militares tão díspares podem resistir por tanto tempo. Tal cenário já se repetiu algumas vezes ao longo da nossa civilização: Heródoto, em seu livro "Histórias", de 440 a.C., conta como o rei Xerxes reuniu o maior exército existente até então e mesmo assim foi derrotado ao invadir a Grécia. Outro caso semelhante é o da Guerra do Vietnã, que perdurou de 1955 a 1975, e mesmo com a forte intervenção dos EUA, os combatentes do Vietnã do Norte resistiram.
A pandemia da Covid-19 também nos deu diversos exemplos de como a confiança (e desconfiança) podem ter um papel fundamental. Um estudo recente publicado na revista Lancet identificou que países cujos cidadãos confiam em seu governo e uns nos outros sofreram muito menos infecções na pandemia. A explicação é que a confiança das pessoas no governo foi associada à maior conformidade com as restrições relacionadas à Covid-19 e maiores taxas de vacinação.
Não é de hoje que pesquisadores tentam entender a importância da confiança para com os governos. Na verdade, há pesquisas sendo realizadas sobre esse tema ao menos desde a década de 1960. A triste notícia é que estes estudos indicam que a confiança nos governos ao redor do mundo vem caindo consistentemente ao longo do tempo. O Brasil não é uma exceção: segundo pesquisa recente da consultoria Edelman, de 2021 para 2022 a confiança dos brasileiros no governo caiu de 39% para 34%.
A queda consistente de confiança ao longo do tempo tem impactos relevantes. Uma população que não confia (ou confia pouco) no seu governo tem pouco interesse em respeitar e seguir as orientações do governo. Vale ressaltar que a queda de confiança pode indicar duas situações distintas: a primeira é a indiferença, ou apatia. A segunda é a desconfiança, que não é uma postura neutra como a anterior, mas sim uma posição ativa de contrariedade ao governo. A desconfiança é o pior cenário, pois gera o questionamento generalizado do cidadão sobre aquilo que o governo faz ou diz. A polarização que acontece no Brasil e em outros locais é resultado desse aumento da desconfiança. A desconfiança com os governos não é sustentável no médio e longo prazo, pois abala as bases do nosso contrato social, podendo levar a resultados nefastos.
O filósofo florentino Nicolau Maquiavel, em 1513, no seu famoso livro "O Príncipe" disse que para os governantes (e governos) é melhor ser temido do que ser amado. Fazendo uma análise contemporânea eu diria que é mais importante ser um governo que desfruta de confiança. O governo que conta com a confiança dos seus cidadãos está apto a fazer a coisa certa em situações difíceis, consegue vencer pandemias com o menor sofrimento possível e consegue até mesmo resistir a guerras contra nações aparentemente mais fortes.

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JOTA

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