Gustavo Miguez de Mello*

O artigo 103 da Constituição Federal atribui ao Supremo Tribunal Federal (STF) competência para aprovação de súmula com efeitos vinculantes em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e da Administração Pública Direta e Indireta, Federal, Estadual e Municipal.
Há quem entenda que a Súmula Vinculante retira a autonomia do Poder Judiciário ao dar uma orientação obrigatória ao juízo de instâncias ao STF. Refere-se a doutrina à consciência da unidade institucional do Poder Judiciário, cuja liderança cabe à Corte Suprema. O Poder Judiciário é autônomo porém hierárquico. A Doutrina recente de processo civil entende que a Sumula Vinculante não configura propriamente criação de norma jurídica, mas a fixação de sentido normativo anteriormente equívoco, funcionando o precedente como meio de determinação do direito. Neste sentido é a lição de Daniel Mitidiero (Corte Superiores e Cortes Supremas, Revista dos Tribunais, 2013, p 76 e p.72 respectivamente) que afirma ser o precedente fruto da reconstrução do sentido da Lei que passa ser o derradeiro garante da igualdade e da cognoscibilidade do direito no modelo do STF (obra citada, p 76).
Excede os limites destas observações a análise dos pressupostos específicos da Súmula Vinculante, matéria estudada recentemente pelo processualista Luiz Guilherme Marinoni (Precedentes Obrigatórios, Revista dos Tribunais, 3ª edição, 2013, p.488 a 490).
A proposta de Súmula Vinculante nº 69 tem o seguinte teor: qualquer isenção, incentivo, redução de alíquota ou de base de cálculo, credito presumido, dispensa de pagamento ou outro beneficio fiscal relativo ao ICMS, concedido sem prévia aprovação em convênio celebrado no âmbito do CONFAZ, é inconstitucional.
Por oportuno, Fernando Facury Scaff faz as seguintes observações:” verifica-se que o STF não analisou diretamente a exigência de unanimidade pelo Confaz, constante do art. 2º, parágrafo 2º, da Lei Complementar 24/1975. Entende-se que esta norma não foi recepcionada pela Constituição de 1988 em face do Princípio Federativo e do Principio Democrático, que regem a atual Carta. A referida norma  tinha função e lugar em um sistema autoritário de governo, como o que presidiu o País até 1988. Observa-se que não se discute a recepção da Lei Complementar 24/1975 até mesmo por força do art. 34, parágrafo 8º, do ADCT. O que se afirma é que especificamente o art. 2º, § 2º, da Lei Complementar nº 24/75 não foi  recepcionado pela Constituição de 1988. Trata-se de um resquício autoritário que foi importado como contrabando no bojo da norma, e sobre o qual o STF jamais se pronunciou especificamente, até mesmo porque não foi instado a isso.”
A ponderação de parte da doutrina é a de que, no regime democrático, sequer a Súmula Vinculante exige pronunciamento unânime; nem mesmo a emenda à própria Constituição requer o pronunciamento unânime. Sendo assim,  é mistér admitir que a questão acima merece e deve ser apreciada pelo STF antes da edição desta Súmula sob pena do descumprimento da mais elementar razoabilidade e consistência sistêmica
De se salientar que a edição da Súmula obrigará as autoridades tributárias a modificarem, em consequência de decisão judicial, os critérios jurídicos que vinham sendo adotados com relação a isenções, incentivos, reduções de alíquota ou de base de cálculo, crédito presumido, dispensa de pagamento ou outro beneficio fiscal relativo ao ICMS, concedido sem prévia aprovação em convênio celebrado no âmbito do CONFAZ. Tais autoridades como é sabido, vinham sustentando o não cabimento da cobrança do ICMS dos contribuintes beneficiados com as medidas acima relacionadas.
Há, entretanto, os que sustentam que o ICMS deveria ser agora cobrado, acrescido de penalidade, correção monetária, juros e outros consectários legais. Entretanto, a alteração do critério jurídico adotados pelas autoridades administrativas em razão de decisão judicial do Supremo só pode prevalecer, em relação a um mesmo sujeito passivo, quanto a fato gerador ocorrido posteriormente à sua introdução, nos termos do artigo 146 do Código Tributário Nacional, que representa a aplicação ao direito tributário do respeito ao direito adquirido e à segurança jurídica. Ademais, em homenagem à segurança jurídica, devem ainda ser observados os casos de decadência do direito de a autoridade administrativa de constituir o credito tributário mediante lançamento
Toda a defesa da tese de que se deve promulgar a referida Súmula em questão é feita no pressuposto da prevalência do princípio federativo tão bem acolhido pelo Legislador Constituinte. Neste particular, merece ser lembrado o pronunciamento do constitucionalista america Serre S. Williams : “Liberty under the Federal System: Basic analysis.... Only after it had been decided that the constitutional question does not fall in the area of freedom – of individual liberty – does the second question arise    under our constitution, we take the governmental powers remaining after the denial of powers which constitutes liberty  and divide them .into  two units – state and federal “ (Constitutional Analysis, West Publishing Co, St Paul. Minn, 1979 pages 46/47).
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*Advogado no Rio, em São Paulo, no STF e no STJ, membro da Academia Brasileira de Direito Tributário, vice-presidente da Associação Brasileira de Direito Financeiro- ABDF e ex-expositor da comissão The Future of the Lawyer da Union Internacionale des Avocats

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JOTA

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