Antonio Gonçalves

O clamor por segurança pública não é inédito no Brasil e a cada dia se intensifica mais, ante o aumento de furtos, roubos e atuações das organizações criminosas. O Estado democrático de Direito brasileiro tem desafios importantes a superar. Não por acaso, o ministro da Justiça e Segurança Pública é cobrado pelo desenvolvimento de um plano nacional de segurança pública a ser elaborado em conjunto com União, estados e municípios.
Ademais, as polícias convivem, dia após dia, com o incremento do déficit nas corporações, todas operando com uma defasagem superior a 30% do recomendado em lei.
No país temos 404.871 policiais militares e 95.908 policiais civis na ativa, respectivamente. Segundo levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública no Brasil em 2023, as Polícias Militares do país atuam com déficit de 179.591 agentes. A Polícia Civil também possui déficit e a corporação trabalha com 55.244 servidores a menos do devido, o número previsto é de 152.769 policiais civis. O que implica dizer que a Polícia Militar funciona apenas com 69,3% do total do contingente previsto em lei e a Polícia Civil com 63%.
Quinze unidades da Federação apresentam o porcentual de ocupação das vagas na Polícia Militar de 69,3%, e pior: Goiás, Amapá, Santa Catarina e Paraíba apresentam efetivo abaixo de 50%.
Em outubro teremos eleições municipais e, com elas, as demandas eleitorais, claramente, englobam questões atinentes à segurança pública. No entanto, para a supressão do déficit acima mencionado falta orçamento, em vários estados boa parte do erário da segurança é destinado à folha salarial das próprias polícias. De tal sorte que a pressão municipal aumenta quando o estado não supre a lacuna da segurança e a população clama por soluções.
Assim, uma nova alternativa para a segurança se desenha com a possibilidade de elevar às guardas municipais a um papel de polícia ostensiva a tornando uma Polícia Municipal efetivamente. Um papel complementar às polícias Militar e Civil nos municípios com a possibilidade concreta de uso de armas e de força letal.
A Guarda Civil Metropolitana tem papel destacado ao longo dos estados, pois contribui na ronda policial e no primeiro atendimento à população, todavia, insta salientar que a mesma não tem poder de polícia, ou melhor, ainda não tem. E qual o interesse dos prefeitos na utilização da guarda municipal para as forças de segurança? O crescimento do efetivo e a disponibilidade dos agentes, assim, seu uso atende a demanda dos eleitores e confere maior segurança à população.
Enquanto as polícias estaduais tiveram redução do número de servidores, o número de Guardas Municipais cresceu substancialmente: dados da pesquisa Munic, do IBGE, indicam que, em 2014, o Brasil tinha 1.081 cidades com GCM, número que chega a 1467 em 2023, crescimento de 35,7%.
Em 2023, o Supremo Tribunal Federal reconheceu que a Guarda Civil Metropolitana integra o sistema de Segurança Pública, mesmo entendimento da 3ª turma do Superior Tribunal de Justiça, embora sem deter as funções ostensivas típicas da Polícia Militar, nem as atividades investigativas próprias da Polícia Civil.
O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) firmou entendimento de que as guardas municipais integram o Sistema de Segurança Pública. Na decisão majoritária, tomada no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 995, o plenário afastou todas as interpretações judiciais que excluíam essas instituições do Sistema de Segurança Pública, conforme preceito constitucional do parágrafo 8° do artigo 144.
O que se nota na prática, ao longo dos Estados, é que as prefeituras têm equipado suas guardas municipais com armas de alta letalidade e poder de fogo e que estas têm contribuído nas atividades policiais, com prisões de traficantes, pedófilos, assaltantes, assassinos, feminicidas e agressores em geral. Porém, não é o que autoriza a legislação específica sobre a guarda municipal.
A lei geral das guardas (Lei 13.022/2014) proíbe o uso ou repetição de símbolos e títulos das Polícias Militares e determina em seu art. 2° que as guardas municipais atuam como uma “proteção municipal preventiva”. Não há previsão do uso de armas, atuação investigativa ou ter uma ação efetiva como se força policial municipal fosse. Logo, há a necessidade de uma legislação específica ou de alteração na já existente, se for o caso.
A questão é controvertida e não há conformidade de entendimento sobre o tema. Em São Paulo tramita na Assembleia Legislativa o <a href="https://www.al.sp.gov.br/propositura/?id=1000539954">PL 1702/2023</a>, que tem por escopo reconhecer a Guarda Civil Metropolitana como uma Polícia Municipal, segundo o autor do projeto, deputado Rafa Zimbaldi (Cidadania): “As guardas municipais inibem, previnem, e coíbem infrações de natureza penal ou administrativas bem como atos infracionais que atentem contra patrimônios municipais”.
Enquanto a questão do efetivo policial não é dirimida, o reconhecimento da Guarda Civil Metropolitana como Polícia Municipal e, por conseguinte, com atuação complementar às Polícias Militar e Civil pode contribuir para a defesa e proteção da população e, além de atuar contra o crime organizado e a criminalidade cotidiana. No entanto, não estão autorizadas ao uso de armamento letal. E qual o cerne da controvérsia? Não há fiscalização ou controle sobre eventuais excessos eventualmente praticados por esses agentes, além da ausência de capacitação e treinamento adequados para ser uma força policial na esfera municipal, com poder de investigação e resolução de crimes.
A concessão ou não de armas depende de autorização expressa da Polícia Federal e mais de 134 prefeituras em São Paulo fizeram acordos de cooperação técnica para adoção de armas de fogo com a corporação.
Na cidade do Rio de Janeiro existem mais de 7.000 agentes, porém, naquele estado o debate ainda é candente sobre o uso de armas letais pelas guardas municiais e, por hora, ainda não há autorização para tanto. Somente em 2023 foram 1.325 homicídios, além de mais de 48 mil furtos e roubos de celulares no Estado, segundo o Atlas da Violência de 2024.
Além disso, na capital fluminense, temos conflitos intensos entre polícias, milícias, facções criminosas e criminosos em geral, com alteração no cotidiano da população e o aumento constante da insegurança local. Toques de recolher, controle de entrada e saída, além da cobrança por proteção são alguns dos aditivos trazidos pelas organizações criminosas aos moradores das comunidades e locais próximos em que tanto facções quanto milícias se instalam ou controlam.
No quesito ronda e primeiro atendimento a guarda civil pode contribuir sobremaneira, em especial no Rio de Janeiro, em que o déficit de soldados é elevado, porém, sem regulamentação não há como colocar pessoas despreparadas, sem o devido treinamento para lidar com o crime. O risco para a corporação e para a população é deveras elevado. Capacitar, treinar e educar para acolher e proteger, nessa ordem e sem atropelos.
Claro está que a Guarda Civil Metropolitana poderá ser equiparada a uma Polícia Municipal, desde que seja o entendimento do Congresso e que haja a devida regulamentação sobre o tema. O que não pode ocorrer é a implementação pura e simples como medida de solução rápida em “resposta” à população ante a proximidade das eleições. Proteger sempre, mas dentro dos limites impostos pelo ordenamento jurídico brasileiro.

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JOTA

GCM pode ser equiparada à uma Polícia Municipal desde que haja a devida regulamentação e respeito ao ordenamento jurídico

Guardas municipais ostensivas

GCM pode ser equiparada à uma Polícia Municipal desde que haja a devida regulamentação e respeito ao ordenamento jurídico