Juliana Botelho Huff

Consumidores recorrem com frequência ao Judiciário pretendendo a reparação dos danos alegadamente sofridos pelo advento da gravidez durante o uso regular de método contraceptivo hígido. Deixando de lado a discussão a respeito da existência ou não de danos com a descoberta de gravidez não planejada, certo é que as pretensões indicadas não merecem ser acolhidas, pois o fornecedor não responde pela possibilidade de concepção dentro das taxas anunciadas de falha do método.
Apesar de os anticoncepcionais reduzirem os riscos de gravidez, ainda não se descobriu método contraceptivo outro capaz de anular a possibilidade de gravidez, que não a abstinência sexual. Mesmo os métodos esterilizantes não garantem a eficiência plena contra a aspiração da natureza pela reprodução, uma vez que a vasectomia tem taxa de ineficácia de 0,1% (um décimo por cento) e a laqueadura, de 0,5% (cinco décimos por cento).
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Vejamos, a título de exemplo, as taxas de eficácia dos anticoncepcionais reversíveis mais comuns: (i) a camisinha masculina reduz o risco de gravidez a 2% (dois por cento) para o uso perfeito; (ii) as pílulas – combinadas e de progestagêneos – diminuem o risco a 0,3% (três décimos por cento) com o uso correto; (iii) o Dispositivo Intrauterino (DIU) de cobre reduz o risco a 0,6% (seis décimos por cento) e (iv) o DIU hormonal, a 0,2% (dois décimos por cento). Sendo assim, em um ano engravidarão apenas (i) 2 (duas) a cada 100 (cem) mulheres utilizando corretamente a camisinha masculina, (ii) 3 (três) em 1.000 (mil) usando perfeitamente a pílula, (iii) 6 (seis) em 1.000 (mil) fazendo o uso correto do DIU de cobre e (iv) 2 (duas) em 1.000 (mil) utilizando o DIU hormonal.
Os usuários dos anticonceptivos se submetem ao pequeno risco de gestação previsto para o método escolhido. Assumem, portanto, o risco de viver sua sexualidade.
Em primeiro lugar porque não há responsabilidade sem obrigação.
Sérgio Cavalieri Filho, em seu Programa de Responsabilidade Civil, ensina que “Obrigação é sempre um dever jurídico originário; responsabilidade é um dever jurídico sucessivo, consequente da violação do primeiro”.
O fornecedor se obriga a oferecer método contraceptivo que reduza as chances de gravidez ao percentual por ele indicado (normalmente na bula), não a anular essa possibilidade. Logo, se o fornecedor entregou método contraceptivo sem vícios, adimpliu sua obrigação e, portanto, não tem responsabilidade pelos eventuais danos decorrentes do evento gravídico.
Em segundo, não existe nexo de causalidade entre o uso de contraceptivos e a gravidez.
É possível que a mulher engravide durante o uso perfeito do método contraceptivo. Mas é absolutamente impossível que ela engravide porque utilizou um método contraceptivo, qualquer que seja. Sendo assim, não há nexo causal entre os possíveis danos advindos de uma gravidez não planejada e a utilização de método anticonceptivo não defeituoso.
Terceiro. O fornecedor não responde pela possível concepção durante o uso de anticoncepcional hígido porque não criou risco para os direitos de outrem com o exercício habitual de sua atividade. Deste modo, a atividade habitualmente exercida pelo fornecedor de anticoncepcionais não ameaça qualquer direito do consumidor, na verdade permite que ele exerça, com maior segurança, seus direitos sexuais e reprodutivos.
Por fim, em quarto lugar, não há responsabilidade do fornecedor no cenário ora discutido porque, caso se entenda – por absurdo – que o uso do contraceptivo contribui para o risco de gravidez, trata-se de periculosidade inerente ao produto ou serviço.
Embora o Código de Defesa do Consumidor tenha nítida intenção de proteger o consumidor, considerando-o parte hipossuficiente nas relações de consumo, não pôde abrigá-lo contra todos os riscos existentes no mercado.
Os produtos ou serviços de periculosidade latente ou inerente são, talvez, o maior exemplo de riscos que não foram incorporados pelo sistema protetivo das relações de consumo, já que os danos deles decorrentes não comportam reparação. E é neste rol de bens de consumo que os métodos contraceptivos devem ser enquadrados quanto a todos os efeitos colaterais previstos na bula e, especialmente, quanto à ocorrência de gravidez no curso do seu uso perfeito.
O entendimento aqui exposto encontra respaldo na excludente de responsabilização do fornecedor prevista pelo art. 12, §3º, II do CDC. Assim, ainda que o consumidor experimente algum dano durante a fruição do produto, caso inexista defeito e o dever de informação sobre os riscos tenha sido cumprido, não cabe a reparação pelo fornecedor por exclusão legal expressa da responsabilidade civil.
Sendo assim, o evento gravídico durante o uso de anticoncepcionais é normal e previsível. A normalidade decorre da prescindibilidade de defeitos no método ou no seu uso para que a gravidez ocorra. Já a previsibilidade se constata com a disponibilidade prévia das taxas de eficácia de cada método, seja através da bula, do médico ou da notoriedade do risco.
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REFERÊNCIAS
FINOTI, Marta. Manual de anticoncepção; São Paulo: Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO), 2015.
CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2008. fls. 02

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JOTA

Fornecedores não devem ser responsabilizados

Gravidez durante uso de métodos contraceptivos

Fornecedores não devem ser responsabilizados