Rafael de Alencar Araripe Carneiro

Matheus Pimenta de Freitas

O plenário do Supremo Tribunal Federal julgará em breve o mérito do RE n. 1.040.515/SE, no qual qual se discute a licitude da utilização das gravações ambientais como meio de prova nos processos judiciais de natureza eleitoral. Após os membros do STF haverem reconhecido, sob unanimidade, a existência de repercussão geral no caso, o Ministro Dias Toffoli determinou a inclusão do processo na pauta da Corte.
Gravação ambiental pode ser definida como a técnica correspondente à captação eletrônica de conversa presencial, realizada por um dos próprios interlocutores. Portanto, difere-se: a) da interceptação ambiental – situação em que há captação de conversa presencial realizada por terceiro, não participante da conversa; b) da interceptação telefônica – hipótese em que há captação por terceiro de conversa ocorrida por meio telefônico; c) da escuta telefônica – em que terceiro capta conversa realizada por telefone com o consentimento de apenas algum(uns) dos interlocutores; e d) da escuta ambiental – em que terceiro capta conversa presencial com o consentimento de apenas algum(uns) dos interlocutores.<a href="#sdfootnote1sym" name="sdfootnote1anc">1</a>
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Na seara eleitoral, a discussão a respeito da admissibilidade do uso das gravações ambientais como meio de prova nos processos judiciais há muito perdura.
Até o ano de 2011, em consonância com a jurisprudência fixada pelo STF e pelo STJ para os processos de natureza criminal <a href="#sdfootnote2sym" name="sdfootnote2anc">2</a>, o posicionamento que prevalecia no Tribunal Superior Eleitoral indicava ser admissível a utilização, como meio probatório, de gravação ambiental realizada por um dos interlocutores do diálogo, ainda que sem o consentimento do(s) outro(s) interlocutor(es) (Respe n. 25214, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJ de 11/09/2006; Respe n. 25258, Rel. Min. Carlos Eduardo Caputo Bastos, DJ de 06/03/2007; Respe n. 4198880, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJE de 10/05/2010; Respe n. 36992, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJE de 28/09/2010; Respe n. 49928, Rel. Min. Nancy Andrighi, RJTSE de 01/12/2011).
No ano de 2012, entretanto, o Tribunal Superior Eleitoral redefiniu sua orientação jurisprudencial e passou a reconhecer a ilicitude da prova consubstanciada em gravação ambiental realizada por interlocutor de conversa particular, sem o consentimento do outro interlocutor e sem a existência de autorização judicial para tanto (REspe n. 34426, Rel. Min. Marco Aurélio, RJTSE16/08/2012). No mesmo sentido foram decididos: REspe n. 16748, Rel. Min. Henrique Neves, DJE de 03/10/2014; REspe n. 83877, Rel. Min. Luciana Lóssio, DJE de 07/12/2015; REspe n. 12854, Rel. Min. Herman Benjamin, DJE de 26/10/2016; HC n. 30808, Rel. Min. Maria Thereza, DJE de 28/04/2016; REspe n. 100327, Rel. originário Min. Herman Benjamin, Rel. designado Min. Gilmar Mendes, DJE de 03/08/2018.
A referida alteração jurisprudencial se deu após o TSE reconhecer que existem especificidades inerentes à seara eleitoral que justificam a adoção de uma orientação específica para aquele ramo do Direito, no que tange à admissibilidade das gravações ambientais como prova.
Com efeito, no julgamento do REspe n. 36359<a href="#sdfootnote3sym" name="sdfootnote3anc">3</a>, o Ministro Gilson Dipp, que inaugurou a nova orientação pretoriana, afirmou que as gravações ambientais no âmbito eleitoral geralmente não têm o propósito de proteger o interesse público ou a lisura do pleito, mas, sim, o de “vulnerar ou abater o adversário com revelações possivelmente constrangedoras em momento crucial da campanha e tudo agravado pela dificuldade ulterior de apurar quando já perdido ou desaparecido o interesse eleitoral”.
Ao julgar o RESPE nº 256-17 <a href="#sdfootnote4sym" name="sdfootnote4anc">4</a>, o Ministro Gilmar Mendes, por seu turno, consignou que “as divergências políticas se acentuam durante o período eleitoral, e a disputa pelo voto pode conduzir à criação de armadilhas e subterfúgios entre concorrentes aptos a desqualificá-los durante a corrida eleitoreira. Diante dessa realidade, a gravação ambiental deve ser analisada com ressalvas, pois, ainda que realizada por um dos interlocutores, poderia ocultar uma situação de flagrância preparada ou de ardil com vista a prejudicar o concorrente”.
No mesmo sentido foi o julgamento do REspe n. 344-26<a href="#sdfootnote5sym" name="sdfootnote5anc">5</a>. Naquele julgado, o Ministro Marco Aurélio fez constar de seu voto que “A gravação ambiente submete-se à regra segundo a qual são invioláveis os dados, sendo que o afastamento da proteção não pressupõe gravação sub-reptícia, escondida, dissimulada, por um dos interlocutores, mas sim decorrente de ordem judicial, sempre vinculada à investigação criminal ou à instrução processual penal. [...] A questão ganha relevo maior em se tratando do processo eleitoral, em que as disputas são acirradas, prevalecendo, muitas vezes, paixões condenáveis”.
Agora o assunto chega ao crivo do Supremo Tribunal Federal, que decidirá, em sede definitiva, se o uso gravações ambientais como meio de prova nos processos eleitorais pode ou não ser admitido.
A orientação que melhor se coaduna com os princípios constitucionais e com os próprios princípios do Direito Eleitoral caminha no sentido de se reputar ilícita, via de regra, a prova materializada em gravação ambiental realizada sem o consentimento do interlocutor nos processos de natureza eleitoral.
Não significa dizer, contudo, que tais meios de prova sempre deverão ser reputados ilícitos e imprestáveis nos processos judiciais eleitorais. Em determinadas circunstâncias, as gravações ambientais devem ser admitidas como meio probatório.
Em primeiro lugar, tem-se que, caso a gravação ambiental sirva à defesa do jurisdicionado, tal meio de prova deve ser considerado lícito e plenamente admissível no processo eleitoral, ainda que realizado sem autorização judicial e sem o consentimento da pessoa gravada. Nessa hipótese, ao se realizar juízo de proporcionalidade entre o direito do acusado de provar a sua inocência e o direito da acusação de que as provas ilícitas não sejam utilizadas, deve prevalecer o primeiro em detrimento do último.
Em segundo lugar, entende-se que não se pode negar validade às gravações ambientais clandestinas quando forem realizadas mediante autorização judicial. Ainda que a gravação seja realizada sem o consentimento da pessoa gravada e possua a finalidade acusatória, tem-se que a prévia autorização judicial para a sua produção valida-lhe a utilização como meio probatório.
Em terceiro lugar, julga-se lícita a gravação ambiental realizada em situação na qual não haja expectativa de privacidade. É nesse sentido, inclusive, que se pauta a jurisprudência dominante do TSE em relação ao tema (AI n. 65576, Rel. Min. Maria Thereza, DJE de 01/10/2015; REspe n. 20289, Rel. Min. Maria Thereza, DJE de 15/12/2015). Assim, caso a conversa gravada se dê em local aberto ao público, inexistindo expectativa de sigilo, entende-se ser lícito o seu uso para instruir processos judiciais eleitorais, já que não haveria, nessa hipótese, violação ao direito fundamental à privacidade e à intimidade do candidato clandestinamente gravado.
Todavia, em conformidade com a jurisprudência atual do TSE, pensa-se que a posição mais acertada quanto ao tema caminha no sentido de se reputar ilícita e inconstitucional a utilização das gravações ambientais como meio de prova nos processos eleitorais, quando realizadas sem autorização judicial, com finalidade acusatória, e em situações com expectativa de privacidade.
Repetem-se, em todos os pleitos eleitorais, atuações por parte dos candidatos a cargos eletivos, com a finalidade de desestabilizar as candidaturas adversárias. Tais condutas são corriqueiras em face do caráter acirrado das disputas eleitorais, e naturais à competitividade inerente às eleições. Nesse sentido, são comuns e inclusive legítimos os ataques a candidatos adversários, desde que realizados nos limites da razoabilidade e da proporcionalidade, sem ataque direto à sua honra e integridade pessoal. (Rp nº 240991, Rel. Min. Cármen Lúcia, Sessão do dia 25/08/2010)
Em vista do alto grau de judicialização das disputas eleitorais no Brasil – com a previsão de diversos meios processuais para se impugnar candidaturas e de se cassar diplomas eletivos – a competição eleitoral acaba por se expandir para o campo dos processos judiciais. Com efeito, assim que se inicia o período de registro de candidaturas, inicia-se também a mobilização dos candidatos para ver prejudicadas, nos tribunais eleitorais, as candidaturas adversárias.
Geralmente é esse o cenário que se afigura por trás da produção das gravações ambientais incriminatórias. Candidatos ou seus correligionários preparam e montam situação enganosa, invadem a privacidade e a intimidade do candidato adversário e, portando gravadores escondidos, os induzem a oferecer valores pecuniários ou outros tipos de favores em troca de voto. Munidos da gravação sub-reptícia, os indivíduos propõem ações na Justiça Eleitoral intentando a cassação do registro/diploma do candidato adversário e a decretação de sua inelegibilidade.
Sabedor dessa realidade, ao julgar o REspe n. 63.761/MG, afirmou o Ministro Henrique Neves que, “no âmbito das lides eleitorais, a real motivação para a captação de imagens e sons está diretamente relacionada com a produção de prova acusatória utilizada em processos que visam à cassação de registros ou diplomas” (REspe n. 63761, Rel. Min. Henrique Neves, DJE de 21/05/2015, fl. 12 do acórdão).
Portanto, a partir de armadilhas e de flagrantes preparados, indivíduos simulam conversa particular, transmitindo expectativa de privacidade ao candidato interlocutor, os induzem a cometer o ilícito e gravam o diálogo, com o propósito de utilizar a gravação não como meio de proteção do interesse público ou da lisura do pleito, mas como reprovável técnica eleitoreira, com o nítido propósito de vulnerar o candidato adversário.
Em casos como o imaginado acima, entende-se que a gravação não poderia ser admitida como prova no processo eleitoral, uma vez que não operaria como meio de demonstração de direito subjetivo e nem como instrumento de proteção das eleições. O instrumento, por outro lado, funcionaria em desfavor do candidato gravado, de modo a favorecer injustamente, a contrario sensu, os candidatos que prepararam a gravação clandestina.
Além da violação do direito à intimidade e privacidade dos candidatos – garantias fundamentais asseguradas a todos os cidadãos, nos termos do artigo 5o, X da Constituição Federal – essas situações configuram preocupante ameaça a diversos outros princípios constitucionais eleitorais.
Isso porque as referidas gravações ambientais acabam por servir como vantagem – indevida, diga-se – aos candidatos adversários. Ao haver benefício imerecido a determinados candidatos em desfavor de outros, configurado está o desequilíbrio do pleito, em afronta direta ao princípio da igualdade de chances entre os candidatos concorrentes.
Ademais, permitir o uso da gravação ambiental como meio de prova no processo eleitoral faz surgir risco real de violação à liberdade do eleitor, uma vez que esse tipo de prova pode ser utilizado de maneira maliciosa e enganosa. Nesse sentido, ao julgar o REspe n. 36.359/MS, o Ministro Gilson Dipp afirmou que ao admitir, em regra, o uso da gravação ambiental nos processos eleitorais “pode permitir-se engendrar costumes eleitorais que direta e indiretamente vulneram [...] a liberdade do eleitor, [...] porque o eleitor pode vir a ser sugestionado ou enganado por revelações nem sempre verdadeiras, ou, quando verdadeiras, nem sempre completas”.
Ao colocar em risco a isonomia do pleito e a liberdade do eleitor, a utilização das gravações ambientais como meio de prova no processo eleitoral, em regra, ameaça também o princípio republicano, a democracia representativa e o fundamento constitucional da soberania popular, previstos na Constituição Federal, uma vez que todos eles dependem de que o resultado das eleições reflita a vontade livre da população, que não deve ser viciada por qualquer artifício ilegítimo.
Isso posto, defende-se que, para avaliar a viabilidade da utilização de determinada gravação ambiental como meio de prova em um processo judicial eleitoral, é necessária a aplicação do seguinte teste:
<a href="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2019/01/efc3297472c4c0133eb77c753185fc44.png"><img class="aligncenter wp-image-177841 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2019/01/efc3297472c4c0133eb77c753185fc44.png" alt="" width="296" height="371" /></a>
Caso todas as perguntas do teste sejam respondidas afirmativamente, a utilização da gravação ambiental como prova significará violação ao texto constitucional e não deverá ser permitida. Caso alguma das perguntas seja respondida negativamente, a prova será lícita e, portanto, admissível no processo eleitoral.
Isso faz com que, normalmente, essas provas restem inservíveis para o processo eleitoral, visto que, conforme anteriormente explanado, a maior parte das gravações ambientais utilizadas possui finalidade acusatória, é produzida sem prévia autorização judicial, e é realizada em ambiente com expectativa de privacidade. Ou seja, a maioria das gravações ambientais utilizadas nos processos eleitorais, caso fosse submetida ao teste de admissibilidade, não produziria nenhuma resposta negativa, motivo pelo qual a sua utilização seria inconstitucional.
Assim sendo, apesar de não constituir premissa absoluta que não comporte exceções, pode-se afirmar que, em regra, a utilização das gravações ambientais nos processos judiciais eleitorais não deve ser permitida. Nesse ponto, acredita-se ser preciso enaltecer a proteção aos direitos fundamentais dos jurisdicionados, a liberdade do eleitor e o equilíbrio das eleições, em detrimento da busca pela verdade a todo custo nos processos judiciais.
Não parece prudente colocar em risco o princípio republicano, a democracia representativa e a soberania popular, em troca de se permitir a comprovação de fatos por instrumentos traiçoeiros que configuram patente violação a direitos fundamentais, como o direito à intimidade e à privacidade.
Sobretudo em tempos de instabilidade política, em que os pilares da democracia tendem a fraquejar, é preciso enaltecer a proteção aos direitos fundamentais dos jurisdicionados, a liberdade do eleitor e o equilíbrio das eleições.
Não se questiona que o controle da probidade e da lisura dos pleitos eleitorais deve ocorrer de forma rigorosa, no entanto, é igualmente imperioso que tal controle se realize sob a luz dos princípios e regras constitucionais, sob pena de se ameaçarem os direitos fundamentais duramente conquistados e positivados na Constituição de 1988, e, por conseguinte, o próprio Estado Democrático de Direito.
Essa parece ser a posição que mais se alinha com o princípio republicano, com o bom funcionamento do sistema democrático-representativo e com a concretização da soberania popular, todos fundamentais à efetivação do Estado Democrático de Direito.
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<div id="sdfootnote1">
<a href="#sdfootnote1anc" name="sdfootnote1sym">1</a> AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas ilícitas: Interceptações telefônicas, ambientais e gravações clandestinas. 6 ed. rev. atual. e amp. São Paulo: Editora RT, 2015, pp. 106-113.
</div>
<div id="sdfootnote2">
<a href="#sdfootnote2anc" name="sdfootnote2sym">2</a> Nesse sentido, vide: a) STF, RE 583937 QO-RG, Rel. Min. Cezar Peluso, DJE de 18/12/2009; e b) STJ, HC 36.545/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, DJE de 29/08/2005.
</div>
<div id="sdfootnote3">
<a href="#sdfootnote3anc" name="sdfootnote3sym">3</a> REspe n. 36359, Rel. Min. Gilson Dipp, DJE de 06/03/2015.
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<div id="sdfootnote4">
<a href="#sdfootnote4anc" name="sdfootnote4sym">4</a> RESPE nº 256-17, Rel. Min. Rosa Weber, DJE de 11/5/2016.
</div>
<div id="sdfootnote5">
<a href="#sdfootnote5anc" name="sdfootnote5sym">5</a> REspe nº 34426, Rel. Min. Marco Aurélio, RJTSE 16/08/2012.
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Fachada Supremo Tribunal Federal

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JOTA

Plenário do Supremo Tribunal Federal julgará tema em breve 

Gravações ambientais e as especificidades do processo eleitoral

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