Cesar L. O. Janoti

Thiago Buschinelli Sorrentino

“Grande demais para ir preso” corresponde à tradução para o Português da frase “too big to jail”, usada nos Estados Unidos para representar o senso comum de que empresas economicamente robustas ou seus executivos influentes tenderiam a escapar ilesos de qualquer responsabilidade penal.
Porém, a experiência vem insistentemente cravando furos nessa certeza de impunidade. As empresas e seus administradores estão expostos a consequências prejudiciais bastante concretas, que variam do pagamento de altas somas em multas ao encarceramento.
Do ponto de vista prático, os instrumentos da colaboração premiada mostraram-se bastante eficazes no aumento da exposição penal e patrimonial das empresas e de seus colaboradores. Tais instrumentos estão calcados nos sentimentos de injustiça e de isolamento que costumam acometer os executivos contra os quais há provas para uma condenação criminal, pois, por maior que seja a influência e a robustez econômica da empresa para tentar se desvencilhar da responsabilidade, elas são insuficientes para por todos a salvo. Poucos têm a vocação para expiarem sozinhos a culpa de toda uma legião.
Para reguardo, o Direito dá ao executivo as práticas de compliance.
Por um olhar internacionalista, o incremento do compliance deve-se principalmente à globalização, que catapultou as práticas empresariais transnacionais e, por conseguinte, impôs aos Estados e às empresas multinacionais a assunção da obrigação de seguir rigorosamente diversos padrões normativos internacionais de fiscalização e controle de práticas empresariais, fiscais e tributárias. Essa multiplicidade normativa acarreta relevante dificuldade no cumprimento de normas de conformidade, de modo que, parafraseando os princípios da prevenção (ínsito ao tolhimento de danos cientificamente certos e conhecidos) e da precaução (inerente à coibição de resultados lesivos cientificamente incertos ou desconhecidos) há muito difundidos no Direito Ambiental, o compliance não pode se contentar com a evitação de resultados lesivos, mas deve buscar uma atuação empresarial dentro de limites seguros, distante de riscos remotos e improváveis de cometimento de ilícitos.
Nesse contexto, nota-se uma patente correlação entre a crescente celebração de pactos internacionais destinados à proteção recíproca antifraudes e ao fomento das atividades de country by country reporting (como o chamado Fisco Global, que é um sistema de cooperação internacional em matéria tributária criado pela Convenção Multilateral sobre Assistência Mútua Administrativa em Matéria Tributária da qual o Brasil é signatário) e a respectiva necessidade de as empresas se adequarem ao novo cenário fiscalizador e sancionador.
Assim, a imprescindibilidade do compliance parece-nos indubitável nos dias de hoje. Contudo, voltemos, pois, ao questionamento inicial: já há uma cultura enraizada de compliance no Brasil?
Ao nosso ver, a resposta é negativa. Explicamos: observando-se o histórico recente do compliance desde o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal da Ação Penal 470, conhecida como “Mensalão”, até os episódios de corrupção recorrentes nos dias de hoje, verificamos apenas discretíssimas mudanças na rotina empresarial inerente às práticas de conformidade.
Como se sabe, o “Mensalão” é considerado um marco emblemático sobre o compliance no Brasil, pois, mesmo não acarretando diretamente a condenação em decorrência da violação de comandos contidos de governança e conformidade, valeu-se da inobservância de tais deveres para robustecer o acervo probatório inerente ao cometimento de crimes de corrupção e de lavagem de dinheiro por diretores de um banco.
A partir daquele momento, esperava-se a adoção de consistentes programas de compliance principalmente pelas grandes empresas com atividades transnacionais e relacionamentos com entes públicos, com vistas à prevenção contra práticas ilícitas. No entanto, em regra seguiu-se apenas uma enxurrada de simplórios, repetitivos e inócuos códigos de ética e de conduta destinados ao cumprimento meramente formal de exigências legais e empresariais. Como resultado do menoscabo generalizado para com o compliance, temos os notórios e deploráveis episódios de corrupção sistêmica envolvendo empresas detentoras de estrutura e programas de governança e conformidade.
Um genuíno programa de compliance não pode se resumir à letra morta de normas comportamentais lançadas ao quadro funcional, mas sim deve buscar o estabelecimento de uma relação permanente de confiança e transparência que engaje os integrantes de todos os seguimentos de uma estrutura empresarial, para que, mediante supervisão e fiscalização exercidas autonomamente, desenvolvam natural e habitualmente as boas práticas laborativas imprescindíveis à perenização da integridade como atributo qualificado das atividades corporativas.
E não é só! A ideia de compliance não pode e não deve se limitar às práticas anticorrupção, sendo imperiosa a observância multidisciplinar das leis, de parâmetros de caráter ético e de diretivas de política empresarial inerentes às atividades exercidas, para também assegurar a conformidade e a lisura nas relações com o destinatário final de produtos e serviços.
E, em última análise, compliance vai além da garantia à lisura e ao Estado de Direito: trata-se de salvaguarda do próprio executivo.

compliance

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“Grande demais para ir preso” e compliance (de verdade)

A salvaguarda do próprio executivo