Lucas de Morais Gualtieri

Em 6 de junho de 2013, foi promulgada a Emenda Constitucional nº 73, criando quatro novos Tribunais Regionais Federais. Após mais de 10 anos de tramitação legislativa, a medida foi comemorada pela comunidade jurídica e pelos jurisdicionados, por representar inegável melhoria da combalida estrutura do Poder Judiciário Federal em segunda instância.
Mas a alegria durou pouco. Em julho de 2013, a Associação Nacional dos Procuradores Federais (ANPAF) ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.017, cuja liminar foi analisada pelo então presidente do tribunal, ministro Joaquim Barbosa – que já havia manifestado publicamente discordância com o teor da Emenda. Em decisão de questionável acerto, inclusive pela falta de pertinência temática entre a norma impugnada e os objetivos da associação autora, foram suspensos os efeitos da EC 73, “em caráter excepcional, e sujeito ao referendo do Colegiado”.
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O referendo à liminar seria julgado neste 6 de junho, com 5 anos de atraso, mas, mais uma vez foi adiado. Longo período em que a sociedade está com a sensação de que “ganhou, mas não levou”. É fato que a suspensão dos efeitos da EC 73 perenizou um quadro de grave comprometimento da celeridade e eficiência dos julgamentos nos TRFs, ou, ao menos, do TRF-1ª Região, tribunal que possui, de longe, a situação mais crítica.
O TRF-1ª Região tem sede em Brasília e jurisdição sobre 13 Estados. É um gigante jurisdicional, seja em área geográfica ou volume de processos. Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, o TRF-1 abrange 80% do território nacional, 46% dos municípios, 37% da população e 30% das varas e juizados da Justiça Federal. Seu acervo de processos é o maior entre todos os TRFs, com espantosos 455.778 feitos em 2017 (seguido do TRF-3, com 312.957; do TRF-4, com 132.496; do TRF-2, com 89.249, e do TRF-5, com 62.655 processos, <a href="https://goo.gl/vZ2MWV" target="_blank" rel="noopener">vide site do CJF</a>).
A demora nos julgamentos é recorrente no TRF-1. <a href="https://goo.gl/M9Qhbb" target="_blank" rel="noopener">Dados do CJF de 2015</a>, demonstram que, embora a distribuição de novos casos seja maior nas 1ª e 4ª Seções – que julgam ações de servidores públicos e tributárias, respectivamente), a 2ª Seção – que casos criminais e de improbidade administrativa – possui a menor produtividade média: foram julgados em 2017 apenas 74% dos processos distribuídos no período, enquanto a 1ª Seção julgou 109%; a 3ª Seção, 94% e a 4ª Seção, 143%.
A demasiada demora nos julgamentos pode ser demonstrada também pela análise de casos concretos, selecionados a partir do site “<a href="http://portal.trf1.jus.br/TPNUM_WEB/" target="_blank" rel="noopener">Transparência em Números</a>”, do TRF-1. Por exemplo, nos autos 1998.38.00.042862-9 o acusado foi condenado por crimes contra o sistema financeiro nacional. A apelação dormitou no TRF-1 por 7 anos (de 4/6/2001 a 5/8/2008) até ser reconhecida a prescrição.
Já os autos 14004-84.2004.4.01.3800 foram distribuídos no TRF-1 com apelação criminal em 23/7/2010 e sem julgamento – oito anos de idas e vindas burocráticas. Nos autos 0002893-04.2003.4.01.4200, réus condenados por peculato e associação criminosa interpuseram apelação que foi distribuída em 10/6/2010 e, apenas em 9/5/2017, foi proferido acórdão, reconhecendo a prescrição por parte dos crimes.
A apelação nº 1474-73.2013.4.01.3819, interposta por policiais rodoviários federais acusados de corrupção, foi distribuída em setembro de 2014, mas o recurso só foi julgado em dezembro de 2017. Mais de três anos aguardando deliberação, enquanto os réus condenados, afastados dos seus cargos por medida cautelar, continuaram recebendo salários às custas do erário.
A seu turno, a apelação nº 4197-19.2013.4.01.3802 foi interposta por traficantes internacionais de drogas condenados pela Justiça Federal em Uberaba (MG) e distribuída em julho de 2015, mas até hoje ainda não foi julgada, após quase três anos, mesmo em se tratando de processo com réus presos, que tem prioridade de julgamento!
A demora na análise recursal TRF-1ª Região, portanto, beira o absurdo, quer se analise pela frieza dos números ou pelo cotejo aleatório dos infindáveis casos concretos. A situação é de grave violação ao princípio da razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII, CR/88), com comprometimento da eficiência e utilidade do sistema de Justiça.
A EC 73/13, acaso não suspensa liminarmente, poderia ter alterado o quadro acima mencionado, já que dividiu o atual TRF-1 em três novos tribunais: da 7ª Região (com sede em Belo Horizonte (MG) e jurisdição sobre Minas Gerais), da 8ª Região (com sede em Salvador (BA) e jurisdição sobre Bahia e Sergipe), e da 9ª Região (com sede em Manaus (AM) e jurisdição no Amazonas, Acre, Rondônia e Roraima).
Claramente, o pretendido novo desenho da Justiça Federal repartiria de modo mais equânime a jurisdição, levando à diminuição do acervo e do número de novas distribuições e permitindo um desfecho mais célere para casos como os acima citados.
A efetividade do sistema de Justiça sempre foi questão da mais alta relevância, tanto que, diversas alterações constitucionais e legislativas visaram a aumentar a celeridade dos julgamentos e a diminuição do acervo de processos.
Recentemente, outrossim, duas decisões da Suprema Corte brasileira caminharam no mesmo sentido. Uma delas foi o reconhecimento da possibilidade de execução da pena criminal após o esgotamento dos recursos em 2ª instância (ADCs 43 e 44), questão que, recentemente, foi revisitada no julgamento do habeas corpus 152.752, impetrado em favor do ex-presidente Lula, com reafirmação do entendimento fixado em 2016. A segunda foi a decisão na Questão de Ordem na Ação Penal 937/RJ, que restringiu a competência originaria da Corte para julgar parlamentares. Claramente, duas decisões que implicaram em duro golpe contra a letargia processual e a impunidade.
A perspectiva é que a restrição do foro privilegiado retire do Supremo a maioria das ações penais que ali tramitavam originariamente, transferindo à 1ª instância o julgamento. É possível, ainda, que o entendimento seja estendido também para ocupantes de outros cargos públicos além dos parlamentares. Esses processos julgados em 1º grau levarão ao aumento do volume de distribuição de recursos criminais nos tribunais. A tendência, portanto, mantida a situação atual, é a piora da já crítica situação retratada neste artigo, com o agravante de que, agora, o julgamento pelo tribunal de apelação é o marco para o início do cumprimento da pena, o que majora a importância de que a decisão sobre os recursos criminais seja proferida em tempo adequado.
Mais do que nunca, portanto, a celeridade e a eficiência nos julgamentos criminais em segunda instância revelam-se essenciais instrumentos na efetiva proteção dos bens jurídicos tutelados pelo Direito Penal.
É verdade que as citadas decisões do STF são importantes para o adequado combate à criminalidade. Mas não basta! O julgamento da ADI 5.017 é uma oportunidade ímpar para se alterar o grave quadro de letargia que assola o TRF da 1ª Região, demonstrado acima, assegurando condições materiais mais adequadas para que os Tribunais Regionais Federais ofertem prestação jurisdicional de modo rápido e eficiente, contribuindo para a realização de justiça e para o combate à impunidade.
A persistir a situação retratada, infelizmente, o ganho de efetividade representado pela possibilidade de execução da pena após 2ª instância e pela restrição do foro privilegiado não será percebido pelos destinatários das decisões dos TRFs, ou ao menos não o serão no âmbito TRF-1ª Região, em prejuízo de toda a sociedade brasileira. Uma vez mais, embora tenhamos ganhado, não iremos levar.

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JOTA

Supremo julgaria caso neste 6 de junho, com 5 anos de atraso, mas, mais uma vez foi adiado

Ganhou, mas não levou… Sobre a criação de novos TRFs

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