Passadas as eleições, é natural que as autoridades eleitas voltem suas atenções aos desafios, demandas e planejamento do que precisa ser feito acerca de temas macro e tradicionais, que se agigantam nesse momento em uma nação carente de tantas coisas e que sofreu, ao longo da última década, com uma recessão profunda, agravada pela pandemia da Covid-19.
Assim, política externa, geração de emprego, inclusão social, agenda ambiental, saúde, educação, assuntos e temas macros e visíveis, tomam as pautas, como elementos definidores de prosperidade da nação. Mas existem outros, como a proteção e incentivo aos ativos intangíveis, que possuem extrema importância para a competitividade do país, no médio e longo prazo. Mas, infelizmente, estes são temas que costuma passar despercebidos ou simplesmente relegados à segundo plano.
Será um erro grave se o futuro governo esquecer os ativos intangíveis, o INPI e a educação da propriedade intelectual. Lá fora estes ativos são cada vez mais o principal motor da criação de valor para as empresas, na medida que a economia global continua a evoluir em meio à proliferação de serviços e empresas orientadas à tecnologia.
A prova disso são os dados do índice S&P 500, uma carteira das 500 ações mais representativas e negociadas na NYSE (Bolsa de Nova York) e na Nasdaq. Eles apontam que, nas últimas décadas, cresceu vertiginosamente a importância dos ativos intangíveis na formação do valor das ações e investimento das companhias. Hoje, os intangíveis compreendem 84% do valor de mercado das empresas. Segundo a S&P 500, o capital das empresas do índice são direcionados para os recursos intangíveis, sendo que, entre 1985 e 2017, a taxa de investimento em ativos intangíveis subiu de 10% para quase 25%, enquanto caiu de 14% para menos de 10% para os tangíveis.
Só para esclarecer, os ativos intangíveis são geralmente as patentes, direitos autorais, marcas, contratos de licenças, enquanto os tangíveis consistem em ativos físicos como bens imóveis, móveis e equipamentos. Na chamada era do conhecimento, grande parcela do PIB dos países desenvolvidos advém de receitas com royalties de ativos intangíveis. Portanto, precisamos, enquanto Nação, dar uma maior atenção às políticas de inovação e proteção desses ativos, pois o Brasil sempre se mostrou um país criativo, inventivo e disruptivo. Se agirmos assim, vamos ficar menos dependente da velha economia de commodities.
Nos últimos anos, com o marco legal das startups e outras leis, impulsionou-se este tipo de empresa, que cresceram e transformaram-se nas chamadas unicórnios. A produção científica brasileira, a despeito dos problemas ancestrais da educação, não fica a dever aos trabalhos publicados pelos países de primeiro mundo em qualidade e quantidade. Poucos sabem, mas há duas décadas o INPI possui uma academia, que é um centro de excelência no treinamento, educação e pesquisa em propriedade intelectual e inovação, atuando na qualificação de pessoas e ambiente de inovação. Essa academia gerou 749 produtos intelectuais no quadriênio avaliado pela Capes; quase 1.200 produções intelectuais (muitas delas premiadas); 217 dissertações de mestrado e 49 teses de doutorado, com mais de 97% dos egressos atuando na área.
Um ponto precisa ficar claro: o Brasil não protege a propriedade intelectual como deveria e não tem políticas públicas contínuas que deem garantias para que essa produção não seja tratada como um bem menor. Historicamente há uma descontinuidade de políticas públicas de incentivo à ciência e tecnologia, desestimulando àqueles que acreditam na inovação como meio de desenvolvimento tecnológico do país, livre da dependência estrangeira de hoje.
O Brasil precisa urgentemente, no campo educacional, se conectar com as futuras gerações que cada vez mais abandonam os bancos escolares. Algumas razões para esse abandono é a falta de conexão das disciplinas com a realidade em que se vive no cotidiano ou no mercado de trabalho. Países como Japão, China e Coreia do Sul podem ser exemplos, pois utilizaram com sucesso a inclusão do ensino da propriedade intelectual na educação básica, gerando, lógico, resultados exitosos para as suas economias. O INPI tem o belo “Projeto PI nas Escolas”, que visa a aproximação do público cada vez mais jovem com o tema. Mas esses projetos precisam ser escalonáveis para se tornarem, de fato, políticas públicas.
Já passou da hora de o Ministério da Educação participar desse debate dentro do Grupo Interministerial de implementação da Estratégia Nacional da Propriedade Industrial, criada em 2020. A disciplina da propriedade intelectual deve se tonar obrigatória nos mais diversos cursos de graduação das universidades. É preciso ensinar a importância dos ativos intangíveis, a valorização do conhecimento e a formação profissional especializada, como meio de incremento do PIB nacional, para além de comodities.
A Estratégia Nacional da Propriedade Industrial e seus mecanismos de monitoramento de resultados são um marco importante e, por isso, o governo eleito deve olhar com cautela a composição do grupo interministerial. Por exemplo, onde está e qual o papel do Cade no GIPI? Por que o INPI é ente consultivo e não deliberativo? Por que o MEC não integrou o GIPI ainda? Aliás, uma curiosidade: o INPI, que hoje integra o Ministério da Economia, num certo passado, foi submetido ao Ministério do Turismo, que integra, sabe-se lá o porquê, o grupo que estuda a Estratégia Nacional.
Parte dessa missão cabe aos Poderes Legislativo e Judiciário. A missão é a reforma da atual Lei 9.279/96 (Lei da Propriedade Industrial) que passou por pouquíssimas mudanças em 26 anos de existência. A criação de uma comissão de juristas e especialistas, nos moldes de temas como o direito digital ou a reforma do processo administrativo e tributário, pode dar celeridade, acesso amplo da sociedade e um texto legal que modernize a propriedade intelectual, ao valorizar e reconfigurar o INPI, como autarquia especial ao nível das agências reguladoras.
O mundo já entendeu que debater propriedade intelectual é olhar para o presente, não apenas para o futuro. O que se espera do governo e parlamentares que assumirão em 2023 é ter a mesma compreensão para que o Brasil possa ser mais competitivo.