Eduardo Machado Tortorella

Júlia Molnar Terenna

Gustavo F. M. De Andrade Martinez

Historicamente, as grandes potências econômicas mundiais sempre flertaram em ter a liga ou a seleção nacional de futebol mais forte do mundo. Exemplos disso são a União Soviética, que investiu quantias absurdas para tornar seu país campeão de Copa do Mundo em meados do século XX, e os Estados Unidos da América, que na década de 60 tentou obter destaque no esporte por meio da criação de uma liga com “superastros” do cenário mundial, como Pelé e Beckenbauer. Ambas as tentativas falharam e nenhum desses países alcançou o objetivo de tornar-se a grande potência mundial do futebol.
Mais à frente, foi a vez da superpotência mundial China tentar tornar-se relevante no mundo da bola. Contudo, o país entrou para a estatística de que investimentos multimilionários não são suficientes para se tornar uma potência no futebol. De modo semelhante ao ocorrido com os Estados Unidos no século passado, a China tentou fortalecer sua liga nacional por meio de contratações de grandes atletas do cenário internacional, como os brasileiros Oscar, Hulk e Miranda, chamando a atenção do mercado mundial com seus altos (e quiçá desproporcionais) valores salariais e de transferência. 
<a href="https://www.jota.info/produtos/poder?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Poder_materias"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>A ascensão do futebol chinês começou em 2015, quando o governo do presidente Xi Jinping anunciou que uma de suas prioridades seria o desenvolvimento do futebol no país, visando não apenas a busca por novas fontes de renda, como também agradar ao próprio presidente, grande entusiasta do esporte.
Diante disso, aos idos de 2016, a Comissão Nacional para Reforma e Desenvolvimento da China publicou um plano de desenvolvimento do futebol para os anos de 2016 até 2050, envolvendo empresas privadas e estatais, com objetivo de fazer com que o país se tornasse uma potência mundial no desporto. O plano contava com a inauguração de escolinhas de futebol, instalações para treinos e jogos, especialização de professores, dentre tantos outros tópicos necessários para fazer com que a meta se tornasse alcançável. Esta não foi a primeira vez em que a China fez altos investimentos no esporte: em 2008, quando sediou os jogos Olímpicos, houve um aporte total de aproximadamente 8,49 bilhões de dólares no treinamento dos esportes de elite. Em virtude de todo o investimento para o ciclo olímpico de Beijing, pela primeira vez a China ficou em primeiro lugar no quadro geral de medalhas.
Especificamente para o futebol, desde 2015, a soma de investimentos bilionários realizados em jogadores e treinadores fez com que a Superliga chinesa passasse a ter grande visibilidade. O ápice foi em 2016, o que, conforme dados do relatório de transferências de atletas da FIFA, alcançou o valor de 451,3 milhões de dólares<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>. Consequentemente, os valores de contratos televisivos também sofreram com impacto positivo: a China Sports Media, por exemplo, desembolsou o valor de 1,26 bilhão de dólares para a aquisição dos direitos de transmissão da Super Liga Chinesa por temporadas.
Apesar dos altos valores, o Governo do país percebeu que isso não era suficiente para que o plano fosse bem-sucedido: a liga continuava com resultados ínfimos e o objetivo parecia cada vez mais longe. Além disso, havia um claro conflito entre o governo comunista e as características capitalistas das transferências. Foi então que, com vistas a incentivar a formação de jogadores do país e restringir os investimentos em atletas estrangeiros, a partir de 2018, a Federação Chinesa de Futebol passou a tributar os clubes de primeira divisão em 100% sobre os valores de transferências dos atletas estrangeiros.
Tal medida não foi satisfatória e o governo chinês propôs medidas ainda mais restritivas. Para o ano de 2020, a Federação Chinesa de Futebol impôs não apenas um teto salarial aos atletas estrangeiros de 3 milhões de euros, como também estabeleceu o limite de seis jogadores estrangeiros por elenco. Com relação aos valores de transferências, foi determinado que os clubes poderiam desembolsar somente até cerca de 5,9 milhões de euros pelos direitos econômicos e federativos dos atletas.
As tentativas de regularizar e equilibrar cada vez mais o futebol, no entanto, ainda assim não foram frutíferas. Os altos investimentos feitos em atletas de renome, a falta de retorno financeiro e o impacto econômico da crise do Covid-19 fizeram com que 16 clubes chineses declarassem falência em 2020, levando ao ápice da crise do futebol no país – incluindo o atual campeão chinês, Jiangsu Suning.
O desequilíbrio fez com que grandes nomes futebolísticos iniciassem seu processo de saída da China, como é o caso de Miranda, Carlito Tevez e Alex Teixeira. Visando, no entanto, “driblar” os importes indenizatórios aos atletas, os clubes chineses passaram a buscar outros times em âmbito mundial para que a transferência fosse realizada a título gratuito, como ocorreu com o atleta Eran Zahavi, em que o Guangzhou R&amp;F realizou transferência gratuita ao PSV da Holanda.
Por outro lado, as equipes chinesas que (ainda) não faliram utilizam-se da Circular n. 1714 da FIFA, publicada no dia 07 de abril de 2020<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, em que são dispostos diversos guidelines que visam assegurar a saúde econômica dos clubes. Neste sentido, para o caso de transferências internacionais, a FIFA aduz que qualquer pagamento que contratualmente caia antes da nova data de início de um acordo deve ser adiado até a nova data de início de uma nova temporada ou seu primeiro período de registro – no caso, a nova temporada do campeonato chinês que teve início em 20 de abril de 2021.
Apesar do teor “amigável” do encerramento dos contratos, alguns jogares, como é o caso de Tiquinho Soares, estão com seus pagamentos atrasados<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>. Para tanto, é possível que tais valores sejam perseguidos através dos órgãos arbitrais de atuação internacional, sendo necessário analisar a potencial previsão de cláusula de eleição de foro no contrato do atleta. Como exemplo, pode-se mencionar a câmara da FIFA, Dispute Resolution Chamber (DRC), bem como o Tribunal Arbitral du Sport/Court of Arbitration for Sport (TAS/CAS) com sede na Suíça.
<blockquote class="jota-article__eye">As eventuais cláusulas de eleição de foro deverão ser analisadas em conjunto com o regulamento da câmara escolhida, para que não se incorra em qualquer competência negativa.</blockquote>
No caso da DRC, por exemplo, dispõe-se que o juiz da câmara poderá decidir nos seguintes casos: (i) disputas até um valor litigioso de 200 mil franco-suíços; (ii) disputas relacionadas à compensação de treinamento sem questões complexas de fato ou jurídicas, ou nas quais a RDC já tenha jurisprudência estabelecida; e (iii) disputas relativas à contribuição solidária sem questões factuais ou jurídicas complexas, ou nas quais a RDC já tenha uma jurisprudência estabelecida<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>. Para o TAS/CAS, por outro lado, podem ser levadas quaisquer disputas que envolvam questões relacionadas ao esporte, assuntos de interesse pecuniário ou outros relacionados à prática ou ao desenvolvimento do esporte<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>.
A crise ainda não acabou e, por certo, diversas repercussões jurídicas e econômicas ainda serão sentidas na China e fora dela. Diante disso, é imprescindível que os atletas, treinadores, clubes e intermediários fiquem atentos para as novidades que podem surgir.
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REFERÊNCIAS
CHINABRASIL FUTEBOL. O Futebol Chinês. Disponível em: &lt;http://chinabrasilfutebol.com.br/sobre/futebol-chines&gt;
ESPN. Com novo acordo bilionário, direitos de TV do Chinês se aproximam de nível europeu. 29 out. 2015. Disponível em: &lt;http://www.espn.com.br/noticia/553794_com-novo-acordo-bilionario-direitos-de-tv-do-chines-se-aproximam-de-nivel-europeu&gt;
FIFA. Circular nº 1714. Zurique, 7 abr. 2020. Disponível em: &lt;https://resources.fifa.com/image/upload/1714-covid-19-football-regulatory-issues.pdf?cloudid=x9q8h6zvyq8xjtfzmpy9&gt;
FIFA. Regulations on the Status and Transfer of Players. Fev. 2021. Disponível em: &lt;https://resources.fifa.com/image/upload/status-and-transfer-february-2021-february-2021.pdf?cloudid=qdjmoxn91xciw41tojii&gt;
FIFA/TMS. Global Transfer Market Report 2018. Disponível em: &lt;https://resources.fifa.com/image/upload/global-transfer-market-report-2017-men.pdf?cloudid=ei8vww6oeolwl2sxgn0p&gt;
GLOBO ESPORTE. Campeonato Chinês aumenta limite de estrangeiros, mas impõe teto salarial de R$ 13,5 mi por ano. 25 dez. 2019. Disponível em: &lt;https://globoesporte.globo.com/futebol/futebol-internacional/noticia/campeonato-chines-aumenta-limite-de-estrangeiros-mas-impoe-teto-salarial-de-r-135-mi-por-ano.ghtml&gt;
GLOBO ESPORTE. Clubes chineses serão taxados em 100% nas contratações de estrangeiros. 26 maio 2017. Disponível em: &lt;https://globoesporte.globo.com/futebol/futebol-internacional/futebol-chines/noticia/clubes-chineses-serao-taxados-em-100-nas-contratacoes-de-estrangeiros.ghtml&gt;
GLOBO ESPORTE. Sem o último campeão, Superliga Chinesa começa dia 20 de abril. 02 abr. 2021. Disponível em: &lt;https://globoesporte.globo.com/futebol/futebol-internacional/futebol-chines/noticia/sem-o-ultimo-campeao-superliga-chinesa-comeca-dia-20-de-abril.ghtml&gt;
TAS/CAS. Code: Procedural Rules. 1 jan. 2021. Disponível em: &lt;https://www.tas-cas.org/en/arbitration/code-procedural-rules.html&gt;
TRANSFER MARKT. Eran Zahavi. Disponível em: &lt;https://www.transfermarkt.fr/eran-zahavi/profil/spieler/85093&gt;
ZHENG, Jinming; CHEN, Shushu. Exploring China’s success at the Olympic Games: A competitive advantage approach. Disponível em: &lt;https://core.ac.uk/download/pdf/227102308.pdf&gt;.
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Disponível em https://resources.fifa.com/image/upload/global-transfer-market-report-2017-men.pdf?cloudid=ei8vww6oeolwl2sxgn0p (acesso em 23 de abr. de 2021).
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Disponível em https://resources.fifa.com/image/upload/1714-covid-19-football-regulatory-issues.pdf?cloudid=x9q8h6zvyq8xjtfzmpy9 (acesso em 19 de abr. de 2021).
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Disponível em https://globoesporte.globo.com/pb/futebol/noticia/tiquinho-soares-rescinde-com-o-tianjin-teda-e-fala-em-voltar-a-jogar-no-brasil-tenho-vontade.ghtml (acesso em 16 de abr. de 2021).
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Disponível em https://resources.fifa.com/image/upload/status-and-transfer-february-2021-february-2021.pdf?cloudid=qdjmoxn91xciw41tojii (acesso em 23 de abr. de 2021).
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> Disponível em https://www.tas-cas.org/en/arbitration/code-procedural-rules.html (acesso em 23 de abr. de 2021).

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