Paulo Henrique Teixeira Rage

Na última década, a América Latina evidenciou um crescimento das operações regionais, com estudos especializados<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> mostrando que as operações de fusões &amp; aquisições (M&amp;A) alcançaram um valor anual de USD 152 bilhões em 2019.
De acordo com esses estudos<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, a maioria das operações de M&amp;A na América Latina foi transregional (i.e. envolvendo mais de um país), tanto em valor quanto em volume. Elas tiveram Brasil, França e Estados Unidos como sendo os países que mais investiram, enquanto Brasil, Chile e México foram os principais países de destino.
<a href="https://www.jota.info/produtos/poder?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Poder_materias"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>Várias grandes empresas multinacionais e regionais expandiram suas operações para outros países vizinhos na região. Essas expansões tomaram a forma de (i) novos projetos (greenfield); ou (ii) de M&amp;A e formações de joint ventures (JV), por meio das quais empresas multinacionais e regionais adquiriram ou se uniram a players nacionais existentes em cada país.
Embora esse processo de crescimento tenha se acelerado na última década, a pandemia de Covid-19 começou em 2020 e afetou a esse fluxo na região. A pandemia não impediu esse movimento de expansão transregional, que tende a se manter, pois o modelo de consolidação de negócios continuará sendo uma tendência no mundo cada vez mais globalizado.
Porém, a pandemia teve um impacto negativo nos números de 2020<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a> e certamente trouxe vários desafios comerciais e jurídicos que precisam ser mitigados ou superados ao se realizar uma operação de M&amp;A transfronteiriça.
Assim, o objetivo deste artigo é analisar os potenciais desafios e impactos decorrentes da pandemia no processo de operações de M&amp;A transfronteiriças na região da América Latina.
<h3>Visão geral </h3>
Inicialmente, o processo de M&amp;A pode seguir a forma de (i) uma livre negociação entre as partes; ou, (ii) um processo competitivo, cujas etapas são definidas em um edital próprio. Um processo competitivo normalmente estabelece seu próprio rito e descreve os principais marcos e documentos legais exigidos.
Já a primeira forma, na qual focaremos neste artigo, não segue um processo rígido (e pode variar de operação para operação), mas existem algumas etapas e documentos comumente seguidos em negócios internacionais, os quais abordaremos aqui.
<blockquote class="jota-article__eye">Em suma, o processo de livre negociação começa com a fase de negociação comercial entre as partes. Em muitos casos, essa etapa inicial não envolve documentos jurídicos ou consultores, até certo ponto no qual as partes desejam formalizar por escrito a operação potencial.</blockquote>
Para formalizar a operação por escrito e garantir compromissos básicos entre as partes (como confidencialidade ou exclusividade), as partes podem assinar diversos documentos – desde cartas de intenção (LOI) mais simples a contratos de compra e venda (SPA) mais complexos – conforme o andamento das negociações.
Quando o documento principal que realmente formalizará os principais direitos envolvidos (ou seja, ativos ou ações sendo vendidas, partes sendo fundidas ou terceiros sendo incorporados) é assinado, temos a "Assinatura" (Signing). Embora o negócio seja firmado, ele só entrará em vigor após o cumprimento de várias obrigações e condições precedentes, e é nesse momento que ocorre o "Fechamento" (Closing) do negócio.
Neste ponto, o negócio pode ser considerado concluído, mas em muitos casos as partes ainda terão obrigações mútuas pós-Fechamento para os próximos anos. Durante todas essas etapas, a pandemia pode ocasionar desafios para as partes e seus consultores jurídicos.
<h3>Negociações</h3>
Inicialmente, antes mesmo de avançar com os documentos jurídicos e envolver os assessores jurídicos, as atuais restrições de viagens na região latino-americana (e globalmente) obrigaram todas as partes a se acostumarem com as negociações virtuais, por meio das novas tecnologias. Certamente, isso proporcionou mais agilidade e representou menos custos para esta fase inicial; mas, por outro lado, mudou várias táticas de negociação "na mesa", que vigoravam durante muitos anos.
Nessa fase inicial de negociações, além das reuniões orais e conversas informais, as partes acabarão por formalizar suas intenções por escrito. Normalmente, os documentos iniciais que elas trocam são LOIs, que são documentos básicos que declaram o compromisso preliminar de uma parte em fazer negócios com outra.
Algumas LOIs também resumem as intenções principais e aspectos muito básicos e fundamentais do negócio potencial (por exemplo, preço, termos e condições, estrutura do negócio, partes envolvidas, obrigações preliminares, processo a ser seguido, prazos, requisitos, etc.). As LOIs podem ser precedidas (mais comum), incluir ou ser seguidas por acordos de confidencialidade (NDA) e cláusulas de não solicitação, a fim de garantir a confidencialidade do processo.
Dependendo da complexidade do negócio, outros documentos adicionais podem ser negociados e assinados pelas partes, a fim de resumir e se chegar a acordos sobre aspectos fundamentais do negócio, antes de se prosseguir com a negociação dos contratos principais.
Esses documentos podem ter a forma de: (i) term sheet: documento inicial que estabelece a estrutura básica para uma parceria ou operação; (ii) heads of agreement (HOA): consiste em um contrato que descreve os termos e condições básicos de um documento principal da operação; ou, (iii) memorando de entendimentos (MOU), que é um acordo que expressa uma convergência de vontades entre as partes e indica uma linha de ação pretendida.
Esses documentos iniciais são normalmente de natureza não vinculativa, delineando os entendimentos preliminares entre duas ou mais partes, que pretendem posteriormente formalizar o acordo em um contrato juridicamente vinculativo.
No entanto, é importante observar que certas jurisdições latino-americanas e outras internacionais podem ter tratamentos diferentes sobre a sua natureza vinculativa ou não vinculativa.
Enquanto em algumas jurisdições tal natureza pode ser definida pelas partes contratualmente, em outras, ela pode ser definida por lei. Assim, é sempre aconselhável, especialmente considerando que muitas vezes o assessor jurídico não participa na negociação ou na elaboração dos documentos iniciais, que tal natureza e a legislação aplicável estejam expressamente estabelecidas nos mesmos.
Antes da pandemia, as partes costumavam a pensar com mais cuidado sobre as cláusulas que tratam de circunstâncias importantes e imprevisíveis/improváveis, como força maior (FM), apenas ao redigir os contratos principais e mais complexos. No entanto, desde a pandemia, tais cláusulas devem ser cuidadosamente analisadas e elaboradas desde os estágios iniciais do negócio.
Um exemplo são as cláusulas que tratam de qualquer mudança material adversa (MAC) para o negócio e os eventos que seriam considerados como de FM, bem como seus respectivos impactos sobre o negócio. Também é importante observar que as legislações latino-americanas podem diferir de outras jurisdições internacionais no que diz respeito às disposições estatutárias e/ou contratuais relacionadas a tais eventos.
Se as negociações progredirem com sucesso, uma auditoria legal (due diligence) será realizada pelo comprador (ou por ambas as partes, dependendo da natureza do negócio). Nesta fase, será realizada uma investigação, auditoria e/ou revisão dos documentos e informações de todas as partes para confirmar os fatos e detalhes do negócio em análise.
Durante a pandemia, muitas autoridades locais de várias jurisdições latino-americanas tiveram suas atividades reduzidas, permitindo apenas a emissão de certos documentos, o que tem causado atrasos frequentes nas devidas diligências. Antes da due diligence, uma parte pode muitas vezes emitir uma oferta não vinculativa, que pode ser confirmada por meio de outra oferta vinculativa, somente após a due diligence ser concluída.
<h3>Assinatura (Signing)</h3>
A próxima etapa é aquela na qual as partes negociarão e assinarão o contrato principal do negócio. A sua celebração pelas partes, concordando contratualmente com os termos e condições da operação, é considerada como sendo a "Assinatura" (Signing).
O tipo de contrato principal envolvido dependerá da estrutura do negócio (compra de ativos, compra de ações, aquisição, fusão, constituição de JV incorporada ou celebração de JV não incorporada, etc.).
Na prática, a maioria das transações de M&amp;A são, na realidade, compras de ativos ou ações pela parte A da parte B, ao invés de tecnicamente incorporações (a parte A incorpora B) ou fusões (as partes A e B se fundem para formar C).
Assim, os contratos de compra e venda (SPA) são o tipo mais comum de contrato principal a ser firmado. Normalmente, a referida Assinatura ainda não é a concretização do negócio, uma vez que sua efetividade ainda pode estar sujeita a condições precedentes, que são condições ou eventos que devem ser realizados para a efetivação do contrato.
<h3>Entre Assinatura e Fechamento </h3>
Durante a fase entre Assinatura e Fechamento, as partes trabalham juntas em um esforço mútuo para alcançar todas as condições precedentes ao negócio. Algumas das condições suspensivas dependem de (i) atos unilaterais de cada uma das partes; (ii) obtenção de novos acordos entre as partes; e/ou (iii) terceiros, sejam eles privados (como consentimentos contratuais) ou autoridades governamentais (como aprovações regulatórias e antitruste).
Assim, essa etapa merece atenção especial durante o período de pandemia, uma vez que muitas das autoridades governamentais envolvidas na América Latina podem ter reduzido significativamente suas atividades durante esse período e os respectivos processos de aprovação podem demorar ainda mais.
Quando tais condições precedentes são atingidas, o seu reconhecimento formal pelas partes é considerado como sendo o “Fechamento”; e, é neste ponto que a transação é considerada concluída/efetivada e a eventual transferência de propriedade dos ativos ou ações envolvidos ocorre.
<h3>Após o Fechamento (Closing)</h3>
Quando o Fechamento ocorre, o negócio geralmente pode ser considerado concluído. No entanto, em muitos casos, as partes ainda terão obrigações unilaterais ou mútuas pós-Fechamento para os próximos anos. Exemplos de tais obrigações pendentes são: a retenção de uma determinada percentagem do preço do negócio em contas garantia (escrow accounts) para garantir o cumprimento de todas as obrigações e/ou para compensar potenciais quebras contratuais e passivos futuros (mapeadas ou ainda não mapeadas na due diligence).
Essas obrigações pendentes podem não ser devidamente ou totalmente cumpridas como resultado direto ou indireto da pandemia. Por exemplo, obrigações de pagamento adicionais ou passivos inesperadas podem ser o resultado de efeitos econômicos causados ​​pela pandemia.
Nesses casos, as disposições definidas desde o início das negociações, como MAC e FM, podem ser invocadas ou contestadas pelas partes para possíveis litígios. Em tais casos, além de lidar com possíveis interpretações diferentes de tais cláusulas pelos tribunais da América Latina (i.e. diferentes interpretações em cada jurisdição envolvida), as partes devem estar preparadas para atrasos adicionais dos tribunais locais para resolver as questões ou para fazer cumprir as decisões de uma arbitragem.
A pandemia reduziu, momentaneamente, o movimento de expansão das operações de M&amp;A transfronteiriças que vinha caminhando de forma crescente na última década.
Porém, assim que as economias regionais latino-americanas começarem a se recuperar, é provável que tais operações voltem a crescer novamente, seguindo a tendência de globalização e consolidação dos mercados. A pandemia criou vários desafios comerciais e jurídicos aos processos de M&amp;A transfronteiriças, que precisam ser mitigados ou superados durante a elaboração, negociação e execução das operações.
Nesse sentido, atenção especial deve ser dada a algumas cláusulas, como MAC e FM. Além disso, é aconselhável definir claramente o processo a ser seguido; e, o estabelecimento dos efeitos e responsabilidades sobre o negócio, caso tais circunstâncias adversas se materializem em virtude de um eventual prolongamento ou agravamento da pandemia.
A escolha da lei que rege os contratos, bem como a análise de como essa lei vai interagir com as obrigações sob as leis locais dos países onde os ativos alvos estão localizados, é também crucial para antecipar e prever os efeitos jurídicos dos eventos extraordinários decorrentes da pandemia em vários países de a América Latina.
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}, 3000);
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<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> “M&amp;A in Latin America”, Deloitte, 2019 – available at: &lt;https://www2.deloitte.com/content/dam/Deloitte/global/Documents/Finance/m-and-a-in-latin-america-14-edition-oct-2019.pdf&gt;.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> “Deal Trends in Latin America”, S&amp;P Global, 2019 – available at: &lt;https://www.spglobal.com/marketintelligence/en/documents/deal-trends-latin-america-september-2019.pdf&gt;.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> "The COVID-19 impact on Latin America's FDI", BNA, 2021 – available at: &lt;https://app.bnamericas.com/article/section/all/content/xmchykveu-spotlight-the-status-of-fdi-across-latin-america-amid-pandemic&gt;.

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JOTA

A pandemia reduziu, momentaneamente, o movimento de expansão das operações de M&A transfronteiriças

Fusões e Aquisições transfronteiriças na América Latina em tempos de pandemia

A pandemia reduziu, momentaneamente, o movimento de expansão das operações de M&A transfronteiriças