Leticia Galdino Wanderley

Camila Biral

Marc Stalder

A <a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8668.htm">Lei 8.668</a>, que dispõe sobre a constituição e o regime tributário dos Fundos de Investimento Imobiliário (FII), completou 30 anos em junho deste ano, com seu escopo recentemente atualizado para incorporar às regras existentes disposições inovadoras relativas ao Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/fiagro">Fiagro</a>), por meio da edição da <a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/l14130.htm">Lei 14.130</a>, em 29 de março de 2021. Referida legislação identifica, de forma clara, a instituição administradora como responsável por gerir o patrimônio de fundos imobiliários e por adquirir os ativos que o integram em caráter fiduciário, além de atuar em sua representação ativa e passiva, de forma judicial ou extrajudicial.  
Além dos FII e Fiagro regidos por tal legislação específica, tivemos a edição da Lei de Liberdade Econômica (<a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/l13874.htm">Lei 13.874</a>, de 20 de setembro de 2019), que alterou o Código Civil Brasileiro para consolidar o entendimento a respeito da natureza jurídica e demais aspectos relativos aos fundos e ratificar as competências da Comissão de Valores Mobiliários (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/cvm">CVM</a>) em relação à regulação dos fundos de investimento. Entretanto, apesar de ter trazido inovações para a indústria, inclusive aspectos relativos à responsabilidade dos prestadores de serviços do fundo de investimento (dentre eles o administrador), ela não alterou a perspectiva relativa à representação dos fundos.  
Os fundos regidos pela Lei 8.668 funcionam, portanto, mediante representação de seu administrador, pessoa que empresta a sua personalidade jurídica ao FII e ao Fiagro e que detém o seu patrimônio em caráter fiduciário.  
Essa afirmação encontra respaldo, fundamentalmente, nos artigos 6º e 7º da Lei 8.668, os quais estabelecem que o patrimônio de um FII ou Fiagro será constituído pelos bens e direitos adquiridos pela sua instituição administradora, em caráter fiduciário, não se comunicando o patrimônio dos respectivos fundos com o de seu administrador – observadas as restrições que representam consequência lógica dessa atuação fiduciária do administrador, tais como, que esse patrimônio do fundo de investimento não integra o ativo do administrador, não responde por suas obrigações e não são passíveis de serem onerados, dentre outras.  
O mencionado artigo 7º é complementado com os esclarecimentos de que no título aquisitivo dos imóveis, a instituição administradora fará constar as restrições da lei e destacará que o bem adquirido constitui patrimônio do fundo de investimento, assim como, coerentemente, de que no registro de imóveis serão averbados as restrições e o destaque em relação ao fato de que o bem é do fundo e não de seu administrador.  
Nesse sentido e correntemente com esse entendimento, a Lei 8.668 vai além e deixa claro que o administrador fica dispensado da apresentação de certidão negativa de débitos tributários e previdenciários, quando alienar imóveis integrantes do patrimônio do fundo de investimento – afinal, o bem não é seu, é do fundo de investimento.   
Para reforçar que existe boa literatura, não podemos deixar de mencionar o ensinamento do admirável advogado e professor Melhim Namem Chalhub, que nos ensina que “No caso dos fundos de investimento imobiliário, os imóveis que constituirão a carteira de investimento são adquiridos pela instituição administradora em seu próprio nome, mas em caráter fiduciário; tornando-se proprietária fiduciária dos imóveis assim adquiridos, a instituição administradora poderá exercer os poderes típicos de proprietária, mas somente em proveito dos quotistas do fundo, e esses poderes estão limitados pelo que dispuser o regulamento do fundo, que é o ato delimitador do exercício do direito de propriedade de natureza fiduciária para esse fim, bem como pelo título aquisitivo, do qual deverão constar, obrigatoriamente, as restrições a que está sujeita a instituição administradora". [1]
Esses dispositivos legais autoexplicativos são suficientes para estabelecer o tema de maneira pacífica, sem que pairem dúvidas a respeito de tudo que dele decorre. Ou seja, se um administrador é destituído ou, por qualquer razão, é substituído, o registro imobiliário de tal alteração não depende de recolhimento do imposto de transmissão, pois não houve transmissão de propriedade propriamente dita, que continua sendo do fundo de investimento, mas apenas em caráter fiduciário, de um administrador para outro. Aliás, para um eventual locatário de um imóvel de um fundo de investimento, não há suporte algum para um eventual direito de preferência em tal hipótese, visto que não se trata de ato de alienação.   
Se uma ação renovatória de locação, ou qualquer outra ação, vier a ser proposta contra um fundo de investimento enquanto tem ele um administrador e, no curso da ação, por qualquer motivo, esse é alterado, não há que se falar em inaplicabilidade dos efeitos da decisão judicial por não ser o novo administrador parte na ação. Da mesma forma, uma ação de despejo proposta por um fundo de investimento enquanto administrado por um administrador que, no curso da ação passe a ser administrado por outro, não há que se falar em substituição processual.  
Em todos os casos, em última análise, estamos falando de um bem que integra o patrimônio do fundo de investimento, e não do administrador, que apenas adquire e administra tal ativo em propriedade fiduciária em benefício do fundo. Sobre esse ponto, dispõe o artigo 8º da Lei 8.668 que “O fiduciário administrará os bens adquiridos em fidúcia e deles disporá na forma e para os fins estabelecidos no regulamento do fundo ou em assembleia de quotistas, respondendo em caso de má gestão, gestão temerária, conflito de interesses, descumprimento do regulamento do fundo ou de determinação da assembleia de quotistas”.  
Nesse contexto, a existência de discussões a respeito que ainda permanecem e aquelas que teimam em surgir por conta de precedentes equivocados talvez se explique não pela falta de literatura, mas pela falta de leitores sobre o assunto.  
Gostaríamos de chamar a atenção para a troca do administrador do FII, que também se estende ao Fiagro, conforme o caso, a qual segue uma liturgia própria na CVM e pode repercutir no registro imobiliário, uma vez que tais fundos de investimento admitem em seu patrimônio a aquisição de imóveis e direitos a eles relativos.   
A redação do artigo 11 da Lei 8.668 é clara, ao estabelecer que nas hipóteses de renúncia da instituição administradora, seu descredenciamento pela CVM, destituição pela assembleia de quotistas ou sua sujeição ao regime de liquidação judicial ou extrajudicial, a ata da assembleia de quotistas que eleger nova instituição administradora para substituí-la, devidamente aprovada e registrada na CVM, constitui documento hábil para averbação, no registro de imóveis, da sucessão da propriedade fiduciária dos bens imóveis integrantes do patrimônio do fundo.   
É importante verificar que, para fins de eficácia, a alteração do administrador de um FII ou Fiagro deve ser recebida no registro imobiliário como suficiente para a sucessão da propriedade fiduciária dos bens imóveis do respectivo fundo, depreendendo-se da redação do acima citado artigo 11 que o registro na CVM atribui ao ato a condição de validade, inclusive perante o registro imobiliário. À semelhança de uma escritura, então, entendemos que uma vez aprovada e registrada na CVM a substituição, nos termos da regulação aplicável, nada impediria que o novo administrador exerça os atos que lhe incumbem para gerir o patrimônio do fundo. No entanto, como condição de eficácia e oponibilidade em relação aos imóveis, o assento no registro imobiliário é fundamental.  
Exemplo da utilização equivocada de precedentes mal interpretados são comuns e não faltam.  
Em um de muitos casos concretos, o administrador X de um FII foi substituído pelo administrador Y, que passou a agir como tal. Momentos depois da averbação da substituição, foi proposta ação renovatória indicando X como administrador do FII. Nesse caso, decidiu-se que os efeitos da sentença proferida na ação renovatória proposta contra quem já não mais figurava na relação locatícia (administrador X), na condição de locadora, nos termos do artigo 472 do Código de Processo Civil/1973, não atingem o novo administrador de imóvel pertencente ao FII constituído antes da existência de litigiosidade sobre o bem.  
Aqui está a confusão que não pode persistir. De todo o exposto, administrador, seja X ou Y, não é parte propriamente dita na ação por apenas emprestar a sua personalidade jurídica ao FII perante o registro imobiliário e deter o bem em caráter fiduciário. É o fundo de investimento que, sem dúvidas, se manteve na posição de titular do imóvel em questão, afastando qualquer elocubração em relação à legitimidade de parte ou sujeito a sofrer os efeitos da sentença.  
Ainda em matéria de legitimidade, notamos casos em que os aspectos formais da condução do processo acabam se sobressaindo à materialidade da matéria, em especial situações em que o administrador X age como representante dos interesses do fundo para obter tutela de determinado direito e os efeitos da respectiva decisão não são transferidos ao novo administrador Y do fundo. Exemplo seria a hipótese em que um mandado de segurança impetrado inicialmente pelo administrador X (em favor de um fundo e atuando na qualidade de seu representante) e que é substituído posteriormente pelo administrador Y, situação na qual, dado o caráter personalíssimo do remédio constitucional, de rito especial, não se admitiu a sucessão processual na fase de conhecimento, impondo-se, nesse caso, a extinção do feito sem resolução de mérito, em decorrência da troca do administrador.   
A crítica inafastável ao entendimento que emana deste precedente do mandado de segurança diz respeito ao que nos parece ser o equívoco em relação à extinção do feito na hipótese de substituição do administrador do fundo. Afinal, o mandado de segurança busca a segurança em relação ao direito líquido e certo do fundo, relativo a matérias pertinentes ao seu funcionamento e/ou a seus ativos, que meramente estão sob administração e/ou propriedade fiduciária do administrador.   
O aspecto personalíssimo, aqui, deveria ser relativo ao fundo, beneficiário da tutela concedida e em relação ao qual o respectivo direito é exercido, e não ao administrador que meramente o representa ou que concretiza tal direito, até porque tal administrador não está exclusivamente vinculado a esse fundo, podendo assumir esse papel de fiduciário também em relação a outros fundos e os respectivos patrimônios.  
Diante dos precedentes comentados, a recomendação é que a escolha correta da composição dos polos processuais e a representação dos fundos seja pensada de forma estratégica para evitar decisões que, por mera formalidade, deixem de conferir a tutela pretendida pela parte interessada, que permanecem com o fundo independentemente de eventual sucessão de seus administradores e gestores.  
Vale destacar que esse artigo trata especificamente das hipóteses de ações judiciais envolvendo matéria relativa a direito ou patrimônio do fundo, em que o administrador age meramente como seu representante, em linha com o previsto no artigo 14 da Lei 8.668, sem prejuízo de outras ações judiciais envolvendo atos próprios do administrador, como abuso de posição e/ou desvio da função, por exemplo, em que há responsabilização específica do administrador, inclusive perante o fundo e seus cotistas, conforme o caso, situação na qual as impressões aqui apresentadas não se aplicam, por se tratar de caso em que o administrador tem seus próprios atos discutidos na seara judicial.
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[1] Negócio fiduciário. 4. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, págs. 112-113.

iss fundos de investimento

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JOTA

A confusão que não poderia persistir, mas persiste

Fundos de investimentos e seus administradores

Clareza da legislação sobre o papel dos administradores dos fundos de investimento ainda não se traduz em certos casos concretos