Thiago Ferreira Almeida

O Sistema Financeiro Internacional contemporâneo foi instituído ao final da 2ª Guerra Mundial, estabelecendo o padrão monetário das trocas financeiras, as estruturas de cooperação financeira e as regras básicas do comércio internacional, constituindo à época o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (International Bank for Reconstruction and Development - IBRD) e o Acordo Provisório de Tarifas e Comércio (GATT).
Ambos o FMI e o IBRD foram criados pelo Acordo de Bretton Woods de 1944, possuem 189 Estados-membros cada e, por terem sido fundados conjuntamente, são conhecidos como as Instituições Irmãs.
<a href="https://www.jota.info/produtos/tributos?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Tributos_materias" rel="attachment wp-att-291213"><img class="size-medium wp-image-291213 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-tributos-v2.jpg" alt="" width="300" height="300" /></a>Somente em 1944, com o Acordo de Marraqueche, foi constituída a Organização Mundial do Comércio - OMC (World Trade Organization - WTO), esta caracterizada como organização internacional, para fins do Direito Internacional Público. As regras do GATT de 1947 foram, portanto, inseridas no conjunto das regras vigentes da OMC.
Centrando-se no FMI, este se constitui como uma organização internacional para o Direito Internacional, ao apresentar personalidade jurídica internacional, tratado constitutivo (Acordo de Bretton Woods de 1944), sede própria e órgãos de deliberação e execução de suas decisões, a partir dos resultados das votações dos Estados-membros
Para as organizações internacionais de cooperação financeira, a estrutura de votação é diferente do padrão um voto-um Estado, vigente na Assembleia Geral das Nações Unidas. O poder de voto é percentual a um determinado número de quotas. Cada Estado-membro do FMI possui um percentual de quota que reflete a sua posição no sistema financeiro internacional. Por sua vez, a sua categorização é resultado da influência política, do posicionamento nas relações internacionais e do seu desenvolvimento econômico.
Analisando o contexto histórico da criação do FMI, no final da 2ª Guerra Mundial, era do interesse dos Estados Unidos, então maior potência capitalista vitoriosa, a criação de uma instituição a definir um padrão único de trocas cambiais e de estabilidade financeira às demais nações. Durante o período de 1944 a 1971, perdurou o padrão dólar-ouro, em que somente a moeda norte-americana era equivalente a uma determinada quantidade de ouro. As demais moedas nacionais deveriam estabelecer um valor fixo em relação ao dólar.
Essa estrutura alterava o histórico padrão libra-ouro desde o século XIX e demonstrou a mudança do eixo financeiro e político no mundo à época: os Estados Unidos substituíram o continente europeu. O padrão fixo dólar-ouro foi unilateralmente abandonado pelos Estados Unidos em virtude das altas desvalorizações da moeda, fruto dos profundos gastos nacionais com a Guerra do Vietnã. Desde 1971, portanto, vigora o sistema dólar-dólar, em que a moeda norte-americana possui lastro na credibilidade financeira do país. Atualmente, outras moedas também participam em trocas financeiras internacionais, como a libra esterlina, o yen, o euro e o renminbi (China).
Quanto ao poder de voto, os Estados Unidos respondem por 16,51% do total das quotas, seguido pelo Japão com 6,15%, correspondendo aos dois países com maiores percentuais no Fundo. Esses valores são essenciais para compreender como as decisões de maior importância são tomadas. Por exemplo, para o fundo aprovar grandes empréstimos para recuperação econômica de países em crises fiscais, é necessário uma maioria de 85% das quotas. Como somente os Estados Unidos detêm um valor superior a 15%, é o único Estado-membro a exercer o poder de veto na instituição.<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>
Com a crise financeira de 2008 nos Estados Unidos, os países emergentes, como China, Índia e Brasil, coordenados via G20 Financeiro, participaram ativamente na criação de uma solução multilateral a reverter os seus efeitos negativos. Em contrapartida, os emergentes demandaram maior participação nas instâncias internacionais de decisão financeira, principalmente no FMI e Banco Mundial (IBRD).
Em 2010, o Conselho Executivo do FMI aprovou a maior redistribuição de quotas de sua história, com aumento do percentual para os Estados emergentes,<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a> principalmente para os países do BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China). Observa-se que os membros do BRIC assumiram a posição dos 10 maiores detentores de quotas no FMI, tendo a China assumido a terceira posição. Essa decisão ocorreu na 14ª Revisão Geral das Quotas do Fundo.<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>
Apesar da aprovação da reforma das divisão das quotas percentuais do FMI ocorrer em 2010, no contexto da crise de 2008, somente em 2016 que foram efetivadas, após a aprovação do Congresso dos Estados Unidos.
Com a reforma, a China torna-se o terceiro maior país com poder de voto, sendo que todos os países do BRIC inserem-se dentre os dez maiores membros com poder de voto. A China aumentou o seu percentual de voto de 3,8% a 6,08%, enquanto que o Brasil alcançou o percentual de 2,22%, a Índia, 2,63% e a Rússia, 2,59%.
<blockquote class="jota-article__eye">A reforma significou um crescimento do papel das economias emergentes, principalmente da China. Juntos, os BRIC somam 13,52% dos votos. Incluindo o percentual do poder de voto da África do Sul no FMI (0,64%), apesar de não ter sido contemplado com aumento na reforma de 2010, os BRICS correspondem a 14,16%.</blockquote>
Na reforma de 2010, os Estados Unidos reduziram o seu percentual de 16,7% a 16,5%, mantendo ainda uma cota superior a qualquer outro país membro do Fundo e poder de veto em decisões importantes do FMI, que exigem 85% dos percentuais de voto.
Por outro lado, a pressão dos emergentes em exigir maior participação nas quotas do FMI não foi duradoura. O Conselho Executivo do Fundo apresentou relatório, em 16 de janeiro de 2020, pelo adiamento de novas redistribuições das quotas.<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>
Observa-se, portanto, uma manifesta ausência de vontade política das economias desenvolvidas, detentoras dos maiores percentuais de quotas no Fundo (principalmente pelos Estados Unidos, que detêm 16,51%) em buscar um maior equilíbrio no núcleo de decisão do Fundo, que se constitui como importante organização internacional a regular a estabilidade econômica global.
A atual divisão do FMI e de outras instituições que ainda não realizaram os devidos remanejamentos, como o IBRD, demonstra a persistência de um domínio de poder concentrado nas economias desenvolvidas, cujos percentuais não correspondem às participações no produto interno bruto global. Apesar da China contribuir com maior percentual no PIB global que todos os países da União Europeia e Reino Unido, ainda apresenta um percentual de quotas bem abaixo deles.
A negativa de novas redistribuições omite o reconhecimento da nova conjuntura econômica marcada pelo reposicionamento dos países emergentes no cenário global.
Visto que a redivisão dos percentuais das quotas ocorreu devido à forte pressão dos emergentes, capitaneados pelo BRICS, questiona-se se uma eventual aprovação somente ocorreria quando as economias desenvolvidas ocidentais (Estados Unidos e Europa) se encontrarem novamente em situação de fragilidade financeira.
Inclusive, é observado que a resposta do FMI na crise financeira de 2008 foi mais abrangente que a sua atuação durante a atual pandemia do COVID-19.<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>
Por fim, é necessário que o tradicional sistema financeiro internacional seja reformado a incorporar a sua contemporânea constituição, marcado por uma maior participação dos países emergentes na economia e no Direito Internacional.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> INTERNATIONAL MONETARY FUND - IMF. Articles of agreement of the International Monetary Fund. Adopted at the United Nations Monetary and Financial Conference, Bretton Woods, New Hampshire, July 22, 1944; amended effective January 26, 2016 by the modifications approved by the Board of Governors in Resolution No. 66–2, adopted December 15, 2010. Disponível em: https://www.imf.org/external/pubs/ft/aa/pdf/aa.pdf. Acesso em: 18 abr. 2021.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Conforme a nota de imprensa do FMI (nº 10/418): “‘This historic agreement is the most fundamental governance overhaul in the Fund’s 65-year history and the biggest ever shift of influence in favor of emerging market and developing countries to recognize their growing role in the global economy,' IMF Managing Director Dominique Strauss-Kahn said after the Executive Board’s decision.” (INTERNATIONAL MONETARY FUND - IMF. IMF Executive Board Approves Major Overhaul of Quotas and Governance. Press Release. nº 10/418. 5 de novembro de 2010. Disponível em: www.imf.org/en/News/Articles/2015/09/14/01/49/pr10418. Acesso em: 29 mar. 2021).
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> INTERNATIONAL MONETARY FUND. IMF Member’s Quotas and Voting power, and IMF Board of Governors. Disponível em: www.imf.org/external/np/sec/memdir/members.aspx. Acesso em: 29 mar. 2021.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> INTERNATIONAL MONETARY FUND - IMF. Fifteenth and Sixteenth General Reviews of Quotas—Report of the Executive Board to the Board of Governors. February 13, 2020. Disponível em: https://www.imf.org/en/Publications/Policy-Papers/Issues/2020/02/13/Fifteenth-and-Sixteenth-General-Reviews-of-Quotas-Report-of-the-Executive-Board-to-the-Board-49049. Acesso em: 25 fev. 2021.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> THE ECONOMIST. How has the IMF fared during the pandemic? 3 de abril de 2021. Disponível em: https://www.economist.com/finance-and-economics/2021/04/03/how-has-the-imf-fared-during-the-pandemic. Acesso em: 3 abr. 2021.

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JOTA

O regime de quotas no poder de voto dos Estados-membros

Quem decide no Fundo Monetário Internacional?

Quem decide no Fundo Monetário Internacional? Uma análise sobre o regime de quotas no poder de voto dos Estados-membros