Marcelo Cosac

Luis Bellini

Laura Martins

A Lei nº 13.986/2020, sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro no dia 7 de abril de 2020, consolidou a conhecida MP do Agro (Medida Provisória nº 897/19), além de trazer diversas inovações e ajustes em relação ao texto originalmente proposto na medida provisória.
Este conjunto de medidas representa um verdadeiro marco regulatório no setor do agronegócio e surgiu em um momento de extrema importância para a economia brasileira, tendo em vista que visa melhorar a tomada de crédito e o financiamento à cadeia produtiva do setor.
<a href="https://conteudo.jota.info/risco-politico"><img class="aligncenter wp-image-244336 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/04/cta-risco-politico.png" alt="" width="1080" height="1080" /></a>
Sob a ótica do mercado de capitais, a lei trouxe inovações que merecem destaque:
(i) a possibilidade de existência de títulos do agronegócio escriturais; e
(ii) a utilização das formas previstas em legislação específica sobre assinatura em documentos eletrônicos, como senha eletrônica, biometria e código de autenticação emitido por dispositivo pessoal e intransferível, inclusive para fins de validade, eficácia e executividade dos títulos formalizados por estes meios.
São novidades relevantes para o processo de formalização dos títulos não apenas por garantir a segurança jurídica, mas também por tornar o procedimento de formalização destes títulos mais célere.
A possibilidade de emissão de títulos escriturais, que deverá ser regulamentada, dar-se-á por meio de sistema eletrônico de escrituração dos títulos de crédito autorizado a funcionar pelo Banco Central do Brasil, e deverá fazer constar os requisitos essenciais do título, o endosso e a cadeia de endossos, se houver, os aditamentos, as ratificações ou retificações, se houver, e a inclusão de notificações, de cláusulas contratuais e de outras informações. Ademais, gravames e ônus também deverão ser informados no sistema eletrônico.
Em um país tão diverso e de dimensões continentais como o Brasil, essas mudanças são de uma importância sem precedentes e surgiram num momento crucial da economia, uma vez que têm o objetivo de facilitar a todos os participantes do agronegócio a formalização de suas operações financeiras de forma mais simples e efetiva, o que, pelo menos na teoria, pode impactar de forma bastante positiva a concessão de crédito no principal setor de nossa economia em todos os cantos do Brasil.
Além da possibilidade de escrituração e de fazer uso da assinatura eletrônica, que já eram previstas na medida provisória, outra inovação importante trazida pela nova lei foi a criação do Fundo Garantidor Solidário (FGS), que na medida provisória era denominado de Fundo de Aval Fraterno. Esse é um pleito antigo dos produtores rurais, principalmente para viabilizar a renegociação de dívidas com a outorga de garantias adicionais, tornando esse processo mais atrativo aos credores e menos custoso para os produtores.
O FGS não teve a sua natureza jurídica claramente definida na Lei 13.986/2020, mas pelas características trazidas por referida lei, podemos identificar alguns pontos importantes. O primeiro deles é que o FGS, apesar de conter a expressão “fundo” em seu nome, não é um fundo de investimento tradicional regulamentado pela Comissão de Valores Mobiliários.
Ademais, tendo em vista a ausência de características empresariais no FGS, este não se enquadra nas diversas formas de sociedades empresárias e semelhantes consideradas em nosso ordenamento. Desta forma, podemos depreender que este se aproxima mais da natureza jurídica de uma associação e, portanto, em teoria poderiam ser aplicáveis ao FGS os preceitos legais constantes nos artigos 53 e seguintes do Código Civil.
Outra característica relevante do FGS – e sobre a qual a medida provisória também não tratava – é que um Estatuto irá dispor sobre sua forma de constituição e sua administração, a remuneração do administrador, a utilização de recursos e sua forma de atualização, a representação ativa e passiva, entre outras disposições necessárias ao seu devido funcionamento.
Isso – e pode-se dizer que todo o restante da lei – reflete a intenção do legislador de dar liberdade ao setor privado para que ouse e aja da forma que melhor lhe convier, sempre respeitando os parâmetros mínimos estipulados na legislação. A intenção é estimular a independência em relação ao Estado regulador.
Trata-se, conforme elucidado acima, de um instituto constituído com base na autonomia da vontade dos agentes privados, que devem prever no Estatuo do FGS todas as suas características, desde a sua forma de constituição e administração, passando pelo meio pelo qual o pagamento das obrigações garantidas por este fundo será realizado, até os aspectos mais operacionais de seu funcionamento, como a forma e administração dos recursos integrantes de seu patrimônio.
A falta de definições específicas em relação ao funcionamento do FGS tem duas vertentes bastante claras e antagônicas. Se, por um lado, o ponto de deixar a cargo dos participantes do FGS o seu integral regramento pode ser visto como algo importante e flexível a ponto de se acomodar no FGS as especificidades de cada operação garantida, esse ponto também pode ser visto como uma porta aberta para a insegurança jurídica.
Isso se dá basicamente pela imprevisibilidade acerca de pontos cruciais para o entendimento correto acerca da administração e funcionalidade do FGS, tais como, a forma na qual este será administrado, as responsabilidades do administrador frente aos demais participantes do fundo, onde os recursos captados por este fundo serão depositados e como se dará a sua efetiva aplicação, questões tributárias referentes aos tributos devidos pelo fundo, dentre outros pontos.
O FGS funcionará como uma garantia complementar em favor de credores, a fim de facilitar a concessão de garantias aos produtores rurais, e deverá ser composto por, no mínimo, dois devedores, um credor e um garantidor.
Ademais, tal qual um fundo tradicional, será preenchido com recursos dos participantes, respeitando um esquema de quotas de, no mínimo, 4% sobre o valor do débito renegociado de responsabilidade dos devedores, mais 4% sobre o valor do débito renegociado de responsabilidade dos credores, ou, na hipótese de consolidação, dos credores originais, e mais 2% sobre o valor do débito renegociado da instituição financeira garantidora.
<blockquote class="jota-article__eye">O FGS é um mecanismo que permite que, mediante uma determinada contribuição, produtores rurais, com a participação de credores e eventuais garantidores, se reúnam com o propósito de oferecer uma garantia às operações de crédito de que façam parte.</blockquote>
Em outros termos, por meio do FGS, operações de crédito realizadas por produtores rurais, incluídas as resultantes de consolidação de dívidas, e financiamentos para implantação e operação de infraestrutura de conectividade rural são garantidas por recursos integralizados pelos seus próprios participantes.
Tais recursos serão direcionados apenas ao propósito do FGS, ou seja, não responderão por outras dividas ou obrigações presentes ou futuras dos participantes, independentemente da natureza da dívida ou obrigação.
O objetivo da criação do FGS é facilitar a concessão de garantias aos credores e tornar os produtores rurais aptos a ampliar seus leques de empréstimos bancários. Ou seja, a intenção é que, juntos, os produtores rurais formem um fundo financeiro apto a garantir novos empréstimos bancários. Em outros termos, nada mais é do que mais um bom e necessário estímulo para o setor do agronegócio.
Apesar da possibilidade de larga utilização deste instituto, entende-se que a necessária participação de credores para a formação do FGS pode ser um empecilho para a sua utilização em larga escala.
Isso se deve pelo fato de que credores, inclusive de operações já vencidas, teriam que aportar novos recursos para a constituição deste fundo, para que possam utilizá-lo como garantia. Importante analisarmos o desenvolvimento do mercado neste sentido e o efetivo apetite dos credores para a constituição do FGS.
Importante destacar que não há um número máximo de devedores, apenas um número mínimo de dois, mas o Poder Executivo tem a liberdade de limitar esse número máximo quando entender ser pertinente. Essa é outra alteração em relação à medida provisória, que estabelecia o máximo de 10 devedores por FGS.
Ainda no tocante à distribuição das quotas, os 4% de responsabilidade dos devedores correspondem à quota primária, enquanto que os outros 4% de responsabilidade dos credores (ou, em havendo consolidação, dos credores originais) correspondem à quota secundária, e os 2% restantes, de responsabilidade do garantidor, correspondem à quota terciária.
Nesta última hipótese, que também era prevista na medida provisória, o garantidor poderá ter sua cota integralizada através da redução do saldo devedor do credor garantido pelo FGS.
Neste sentido, entendemos que a lei inovou ao prever que os citados percentuais de cada quota poderão ser majorados, desde que se mantenha a proporção entre as quotas de mesma categoria. É uma inovação positiva, uma vez que preserva o caráter liberal e flexível da lei, deixando às partes o critério que melhor lhes convier para estabelecer o percentual.
Tal distribuição é relevante no momento de ressarcimento ao credor (ou, na hipótese de consolidação, à instituição consolidadora) após o vencimento e o não pagamento da parcela da operação, o que ocorrerá por meio da utilização dos recursos do FGS e obedecendo a seguinte ordem: primeiramente, a quota primária, seguida da quota secundária e, por fim, a quota terciária.
No tocante ao ressarcimento ao credor, a medida provisória previa, primeiramente, o esgotamento das garantias reais ou pessoais oferecidas pelo devedor individual para, somente então, o devedor fazer uso dos recursos do fundo.
Com o advento da lei e, consequentemente, do FGS, não há mais esse benefício de ordem, ou seja, os recursos existentes no FGS podem ser utilizados a qualquer momento quando da existência de algum inadimplemento, independentemente da existência de outra garantia na operação. Tal mecanismo foi adotado como mais uma medida que visa ampliar o acesso, pelo produtor, ao crédito, atitude esta bastante condizente com o cenário econômico atual.
Outra característica relevante é que os recursos integralizados, enquanto não quitadas todas as obrigações garantidas pelo FGS, não responderão por outras dívidas ou obrigações, presentes ou futuras, contraídas pelos participantes. Após a quitação de todas as dívidas por ele garantidas ou após o exaurimento dos seus recursos, o FGS será extinto.
Na hipótese de extinção do FGS pela quitação das dívidas, os recursos remanescentes serão devolvidos aos quotistas de modo a repor os valores inicialmente aportados, considerada a proporção do aporte de recursos efetuado por cada um deles, na seguinte ordem: primeiramente, as quotas terciárias; após, as secundárias; e, por último, as primárias.
Esse racional visa a proteger de forma ainda mais clara os credores e incentivar a participação adicional de garantidores, uma vez que estes receberão de volta os recursos antes do devedor, muito parecido com o que ocorre em fundos de investimento tradicionais, que têm as suas cotas dividas em classes, onde há a subordinação entre as diversas classes de cotas dos fundos de investimento, o que implica, na prática, em preferência de recebimento de valores por uma classe em detrimento de outra.
Importante destacar que a extinção do FGS pela quitação das dívidas e a não utilização dos recursos aportados no FGS para a quitação de dividas em atraso é a única hipótese, também trazida como novidade pela lei, em que o FGS pagará rendimentos aos seus quotistas, sendo que, nos demais casos, não há que se falar em pagamento de rendimentos.
Trata-se de uma medida razoável, uma vez que o propósito do FGS não é gerar lucros aos seus quotistas, e sim garantir o adimplemento da dívida, facilitando a tomada de crédito. Todo esse procedimento visa facilitar a renegociação de dívidas e dar garantias extras aos credores, de modo a tornar o crédito agrícola mais acessível e barato, expandindo os recursos à disposição dos participantes do setor agropecuário e reduzindo a taxa de juros.
Há quem considere muito ampla a liberdade dada pela lei para a iniciativa privada, ou seja, aos participantes que criam cada FGS, mas é patente que as inovações trazidas pela lei representam uma verdadeira transformação no cenário do agronegócio, uma vez que estimulam avanços, devem atrair mais investimentos nacionais e estrangeiros e modernizar o setor do agronegócio. Neste sentido, diante do desestímulo e resultados de emissões de dívida abaixo do esperado dos últimos anos, a lei deve ser considerada como positiva e, além disso, necessária à cadeia produtiva do setor do agronegócio.

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JOTA

A Lei 13.986/20 estimula avanços, ao atrair mais investimentos nacionais e estrangeiros e modernizar o setor

Fundo Garantidor Solidário e simplificação dos títulos de crédito do agronegócio

A Lei 13.986/20 estimula avanços, ao atrair mais investimentos nacionais e estrangeiros e modernizar o setor