Mathias Oliveira Campos Santos

Nos últimos dias, o caso da deputada federal Flordelis (PSD-RJ) teve notória repercussão midiática. O Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ), por meio do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECO/RJ), denunciou a congressista, seus filhos (Adriano, Flávio e Simone) e mais sete pessoas. Os delitos imputados aos denunciados, em síntese, são o de associação criminosa majorada e o de homicídio qualificado de Anderson do Carmo, então cônjuge da parlamentar. 
A inicial acusatória narra que “a denunciada FLORDELIS DOS SANTOS DE SOUZA, agindo livre e conscientemente, em comunhão de ações e desígnios com o executor do crime e com os demais partícipes denunciados, concorreu de forma eficaz para o crime de homicídio contra a vítima ANDERSON DO CARMO DE SOUZA, eis que arquitetou toda a empreitada criminosa, arregimentou, incentivou e convenceu o executor direto e demais denunciados a participarem do homicídio contra a vítima ANDERSON DO CARMO DE SOUZA”.
Com efeito, a partir da leitura deste enxerto da denúncia é possível realizar importantes reflexões sobre o concurso de agentes na prática jurídica brasileira, sobretudo, esclarecimentos dogmáticos sobre a figura do agente que se limita a organizar o delito.
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Em primeiro lugar, sublinhe-se que a linguagem utilizada pelos integrantes do GAECO é típica de um modelo que diferencia a autoria da participação. Veja bem, é usado o termo “executor direto”, sinônimo de autoria imediata para a maioria das teorias que pressupõem um conceito restritivo de autoria, inclusive, a do domínio do fato de Roxin.
 Também foi utilizado o termo “partícipes”, ao qual se refere de modo geral a cumplicidade, o induzimento e a instigação. Além de outras nomenclaturas as quais fazem referência a uma diferenciação das condutas dos concorrentes, como “incentivo”, “convencimento”, especialmente, “arquitetou”. Não obstante, o uso desta terminologia está, em alguma medida, em descompasso com o que dispõe o artigo 29, caput, do Código Penal.
O artigo 29 do Código Penal adota justamente o modelo contrário ao utilizado pelos promotores do MPRJ, isto é, um sistema jurídico unitário ao qual não diferencia no plano do injusto a natureza das contribuições do autor e do partícipe. Em outras palavras, são considerados autores todos que concorrem, de qualquer modo, para o crime. 
Entretanto, ainda que haja a equivalência conceitual, na dosimetria da pena o juiz deve valorar individualmente a culpabilidade de cada um dos concorrentes. Paradoxalmente, isso significa que ainda que não haja uma diferenciação no plano do injusto há de ser feita uma distinção subjacente entre autoria e participação na dosagem da pena, à qual usualmente é negligenciada no Brasil pela implícita política da pena mínima, conforme denunciado por Nucci<a class="sdfootnoteanc" href="#sdfootnote1sym" name="sdfootnote1anc">[1]</a>. Logo, deve ser vista com bons olhos a diferenciação procedida pelo MPRJ já no oferecimento da denúncia. 
De qualquer modo, há no artigo 62 do Código Penal agravantes para os casos de concurso de pessoas. Nesse sentido, confirmada a narrativa existente na denúncia ofertada pelo MPRJ, a pena da deputada Flordelis há de ser agravada pela promoção, organização e cooperação no crime, bem como a direção da atividade dos demais concorrentes (art. 62, I, CP). 
Este dispositivo legal, segundo respeitada parcela da doutrina brasileira, prevê a figura do “autor intelectual”<a class="sdfootnoteanc" href="#sdfootnote2sym" name="sdfootnote2anc">[2]</a> ou “organizador”<a class="sdfootnoteanc" href="#sdfootnote3sym" name="sdfootnote3anc">[3]</a>. Damásio de Jesus usava a consagrada expressão “mandante”<a class="sdfootnoteanc" href="#sdfootnote4sym" name="sdfootnote4anc">[4]</a> – presente até no texto constitucional (artigo 5º, XLIII, CF) – apesar de que tecnicamente seu uso se limitaria ao verbo “promover” o crime, ou seja, mandar. Nessa linha, para os promotores do MPRJ, a parlamentar foi a “arquiteta” da empreitada criminosa.
Embora os termos citados estejam enraizados no imaginário popular brasileiro, e por isso, são didáticos e explicam com excelência como o agente contribuiu para o crime, não são conceitos jurídicos-dogmáticos. Senão devem se limitar aos noticiários com fins jornalísticos aos quais não têm nenhuma necessidade de se pautar pelo rigor dogmático imposto ao jurista. 
Não se trata de preciosismo tecnicista, o ponto é que os conceitos jurídicos pressupõem critérios e requisitos claros, de modo a orientar à aplicação no caso concreto. Logo, é suficiente a fala de um jornalista que informa ao seu público que a deputada Flordelis é acusada de ser mandante ou organizadora do delito. Entretanto, é insuficiente ao jurista porque são termos tecnicamente imprecisos.
Com efeito, subjacente à concepção presente nas noções mínimas de “autor intelectual”, “organizador” e “mandante” está a ideia do individuo que não pratica o delito com as próprias mãos, senão conserva alguma distância física dos atos executórios, embora não seja impossível sua concreta intervenção. Neste grupo de casos, partindo de um conceito restritivo de autor, a contribuição ao resultado típico pode ser considerada, a depender das circunstâncias fáticas, como instigação, autoria mediata ou até coautoria.
Nesse sentido, pode se falar de autoria mediata em três situações: a coação moral irresistível, o erro e o domínio por organização. Na primeira, o delito só é praticado pelo agente em razão da coação realizada pelo homem de trás. Na segunda, o agente que executa o fato criminoso foi enganado, fática ou normativamente, por outro indivíduo.
 A última hipótese pressupõe um poder de mando de um aparato organizado de poder desvinculado da ordem jurídica, cujos membros executores sejam fungíveis. O exemplo clássico é o do regime nazista ou das máfias, quando a ordem ilícita do líder da organização tem alta probabilidade de ser cumprida em razão da fungibilidade de seus integrantes.
Excluídas as hipóteses de autoria mediata, é possível que o “mandante” ou “autor intelectual” seja, na verdade, um instigador, isto é, um partícipe. Segundo ensina a professora Beatriz Côrrea Camargo, a instigação é uma forma de participar no delito à qual o homem de trás se limita a oferecer ao homem da frente uma razão operativa à produção do resultado tipico. De qualquer modo, o instigador depende da vontade autônoma do instigado. É o caso do agente que contrata um assassino profissional para ceifar a vida de seu inimigo, mas o mercenário pode se recusar a matar a vítima. 
Mas não é só, sob o rótulo de “organizador” ou “autor intelectual” pode estar escondido um coautor. A partir da perspectiva de domínio funcional do fato de Claus Roxin, o coautor não precisa necessariamente praticar um dos verbos do tipo penal. Basta, na verdade, que exista uma resolução comum para o fato e que o agente tenha uma contribuição relevante nos atos de execução. 
Nesse sentido, o aporte do coautor não precisa sequer ser no local em que o crime está sendo praticado, é viável que oriente e direcione a prática do delito por telefone, até mesmo em país diverso àquele no qual o fato é praticado. Logo, para o professor alemão é imprescindível a noção de divisão de tarefas e funções.
Assim, segundo o Ministério Público, a deputada Flordelis foi coautora dos crimes descritos na denúncia, inclusive, com pena agravada nos termos do art. 62, I, CP. Isso porque a inicial acusatória narra que a parlamentar arquitetou a empreitada criminosa, bem como controlou a conduta dos demais acusados desde os atos preparativos até a consumação do homicídio.
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Podcast: SEM PRECEDENTES analisa coerência entre discurso de posse e o histórico de Fux. E o que o discurso aponta para os dois anos de gestão do novo presidente do Supremo Tribunal Federal:
https://www.youtube.com/watch?v=beVL41uZhk4&amp;feature=emb_title
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<a class="sdfootnotesym" style="font-family: inherit; font-style: inherit; font-variant-ligatures: inherit; font-variant-caps: inherit;" href="#sdfootnote1anc" name="sdfootnote1sym">[1] </a>NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da Pena. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2013. P. 286.
<a class="sdfootnotesym" href="#sdfootnote2anc" name="sdfootnote2sym">[2] </a>Por todos: BRANDÃO, Cláudio. Teoria jurídica do crime. 4. Ed. São Paulo. Atlas. 2015. P. 188.
<a class="sdfootnotesym" href="#sdfootnote3anc" name="sdfootnote3sym">[3]</a> BATISTA, Nilo. Concurso de agentes: uma investigação sobre os problemas da autoria e da participação no direito penal brasileiro.4ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. P. 106. PACELLI, Eugênio; CALLEGARI, André. Manual de direito penal: parte geral. 3. Ed. rev. Atual e ampl. – São Paulo: Atlas, 2017. P. 363.
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<a class="sdfootnotesym" href="#sdfootnote4anc" name="sdfootnote4sym">[4]</a> JESUS, Damásio E. de. Teoria do domínio do fato no concurso de pessoas. São Paulo: Saraiva, 2002.
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JOTA

Uma breve análise da denúncia do MPRJ no caso Flordelis 

O organizador do delito e a teoria da autoria e participação

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