Ileana Neiva Mousinho

Com o arrefecimento da transmissão do novo coronavírus, após a onda de infecções que assolou o país, especialmente de janeiro a abril de 2022, estados e municípios passaram a desobrigar a população do uso das máscaras de proteção respiratória. Naquele momento, o <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/mpt">Ministério Público do Trabalho</a> já se manifestava contra a aplicação imediata dos decretos sanitários, nas relações de trabalho, alertando para a necessidade de as empresas realizarem a correta análise dos riscos nos locais de trabalho, considerando a proximidades das pessoas nos ambientes de trabalho e a realização do labor em locais fechados e com ar-condicionado.
Diante do fato de que o SARS-CoV-2 continua circulando e que há o dever das empresas de reduzir os riscos nos ambientes de trabalho (art. 7º, XXII, da Constituição Federal), a questão que se impõe, neste momento, é verificar, à luz do ordenamento jurídico e das ciências de engenharia de segurança do trabalho e medicina do trabalho, se a retirada da obrigação do uso de máscaras nos ambientes de trabalho emerge, imediatamente, dos decretos sanitários, ou é necessário que seja observado um “itinerário”, ou “passo a passo” de gerenciamento de riscos, previsto na legislação trabalhista, em especial nas Normas Regulamentadoras (NRs) nº 1 e 7, do <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/ministerio-do-trabalho-e-previdencia">Ministério do Trabalho e Previdência</a>.
Essas NRs se influenciam reciprocamente, pois a NR 1 prevê o modelo de gerenciamento de riscos e a NR 7 determina que o médico do trabalho deve subsidiar o responsável pelo Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR), o engenheiro de segurança ou técnico de segurança do trabalho, de dados estatísticos e epidemiológicos dos empregados da empresa — e não, apenas, dados epidemiológicos da comunidade — para orientá-los na tomada de medidas que evitem o adoecimento.
O “itinerário” de gerenciamento de riscos, previsto na NR 1, deve ser seguido pelos profissionais de segurança do trabalho, que têm responsabilidade técnica pelas medidas de segurança do PGR.
Sob a ótica jurídica, retirar as máscaras, na constância da circulação de um vírus, afronta o art. 7º, XXII, da Constituição Federal, que impõe às empresas o dever de reduzir os riscos no ambiente de trabalho, mediante a adoção de normas de saúde e segurança do trabalho (art. 7º, XXII).
Há, no Brasil, um sistema jurídico de saúde e segurança do trabalho, composto pelo plexo de normas regulamentadoras publicadas pelo Ministério do Trabalho e Previdência e pelas normas editadas pelas autoridades sanitárias. Todas elas têm que se vergar às normas da natureza, isto é, à forma como os perigos, quando não são eliminados ou controlados, transformam-se em riscos físicos, químicos, biológicos e psicossociais, que podem ocasionar danos aos trabalhadores.
Há um dever jurídico das empresas de implementar um correto gerenciamento dos riscos existentes no ambiente de trabalho, com vistas a prevenir os agravos à saúde dos trabalhadores. Devem partir do conteúdo mínimo das NRs e complementá-las com outras normas, como as sanitárias, diante da necessidade do caso concreto, e desde que estas prescrevam uma proteção superior às NRs, o que não se evidencia no atual momento brasileiro.
É dever das empresas identificar todos os perigos que possam afetar a saúde dos seus empregados. Não importa se os riscos se originaram na empresa, por opção gerencial ou pelo tipo de atividade, como a compra de uma máquina ruidosa ou o uso de um produto químico. Os perigos externos, ainda que não originados na empresa, mas que nela ingressam, como um vendaval ou um vírus devem ser previstos no seu programa de gerenciamento de riscos.
Diante das incertezas científicas, a empresa e o profissional de saúde e segurança do trabalho devem aplicar o princípio da precaução, previsto na Constituição Federal, e densificado no <a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/decreto/D9571.htm">Decreto nº 9.571/2018</a>, que estabelece Diretrizes Nacionais sobre Empresas e Direitos Humanos, o qual prevê que as empresas deverão “adotar medidas de prevenção e precaução, para evitar ou minimizar os impactos adversos que as suas atividades podem causar direta ou indiretamente sobre os direitos humanos, a saúde e a segurança de seus empregados” (art. 7º, VI) e “a inexistência de certeza científica absoluta não será invocada como argumento para adiar a adoção de medidas para evitar violações aos direitos humanos, à saúde e à segurança dos empregados” (§1º), em toda a cadeia de produção (§º 2).
Um PGR que não contenha a identificação de todos os perigos que podem afetar a saúde dos trabalhadores — embora externos, mas que podem se internalizar e converter-se em riscos relacionados ao trabalho — é um programa equivocado e, portanto, incapaz de fazer prova em favor das empresas em ações judiciais ou cumprir os fins a que se destina: promover proteção e evitar danos à saúde do trabalhador, com consequente absenteísmo ou incapacidade laboral.
Portanto, nesse cenário, retirar uma medida de proteção simples, barata e eficiente, com base em um período (previsível, dadas as regras da natureza) de redução da transmissão, é muito açodado, pois os estudos científicos sobre o comportamento dos vírus demonstram que há períodos de queda da transmissão, que não representam sua extinção.
É notório que a taxa de transmissão do novo coronavírus nunca foi zero. Por isso, há sempre uma probabilidade de transmissão viral e infecção dos trabalhadores, além de haver número de mortes diária na casa de centenas. Logo, o critério legal “probabilidade do dano à saúde do trabalhador” contraindica a retirada da obrigatoriedade do uso de máscaras. Mas, para além desse critério, isoladamente, a NR 1 estabelece que o nível de risco ocupacional é determinado pela combinação, ou seja, soma de dois fatores: a probabilidade e a severidade.
A mesma NR 1 explica que a severidade de um risco é medida pela magnitude dos efeitos que causa e pelo número de trabalhadores que podem vir a ser atingidos. Por conseguinte, a queda da taxa de transmissão não repercute na magnitude da lesão à saúde, possível de ocorrer com a infecção pelo novo coronavírus (morte), e tampouco impede que, ocorrendo um surto, muitos trabalhadores sejam infectados e haja até transmissão do surto para empresas vizinhas e comunidades inteiras.
Além disso, de nada adianta as empresas apenas se basearem nos decretos sanitários, em seus programas de saúde e segurança, e afastar o uso das máscaras como se o ambiente laboral fosse igual ao ambiente comunitário, desconstituindo uma cultura de prevenção.
Os decretos sanitários contêm normas que se somam às NRs, quando aumentam o espectro de proteção à saúde, mas não podem ser aplicados imediatamente, sem que as empresas demonstrem, tecnicamente: a) a eliminação do perigo (o vírus); b) a classificação do risco biológico e se há conclusão de ausência de severidade do vírus e ínfima probabilidade de ocorrência do dano; c) adoção de medidas administrativas ou de proteção coletiva que sejam totalmente eficientes, a ponto de justificar a desnecessidade de EPI, tais como o teletrabalho e um Plano de Manutenção, Operação e Controle de Ar-condicionado, com renovação do ar.
É óbvio que os fatores “a” e “b” não estão demonstrados no curso da <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/covid-19">pandemia da Covid-19</a>, e agora da Monkeypox, e o fator “c” deve ser demonstrado no caso concreto. Portanto, não há justificativa técnica para a flexibilização da obrigatoriedade do uso de máscaras de proteção respiratória nos ambientes de trabalho tão somente com base em decretos sanitários.
Com certeza, há um cansaço da população, mas cansaço não é um estado que deva influenciar a economia e a prevenção. Enquanto o vírus não for erradicado, a retirada da máscara, essa eficiente e econômica medida de prevenção, é açodada, inclusive porque comportamentos sanitários necessitam de um tempo para serem incorporados, e, quando retirados precocemente, a reintrodução apresenta novamente as dificuldades de adaptação iniciais.

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JOTA

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