Fabio de Almeida Braga

“Direct or administrative regulation, in contrast, relies much more heavily on public officials (the staff or the regulatory agency) and tries to prevent injuries from occurring in the first place rather than to compensate victims of injuries.” 
(Richard Posner in Economic Analysis of Law)
Termo que vem ganhando a cada dia maior utilização no léxico financeiro, “FINTECH” designa a fusão de meios e recursos ofertados pela indústria de infraestrutura cibernética aos mercados financeiros e de capitais mundo afora. São as chamadas financial technologies que são diariamente introduzidas no cotidiano de milhões de usuários de serviços e consumidores de produtos financeiros.
As Fintechs são organizadas como plataformas eletrônicas e vêm se multiplicando na oferta de uma infinidade de opções e criação de novos modelos de negócios caracterizados pela simplificação na experiência do relacionamento entre usuários, entidades e agentes tradicionais dos mercados financeiros e de capitais, além de todo o segmento securitário.
Seu espectro se estende das operações de mútuo às transações de seguros, incluindo plataformas de gestão financeira, passando pela facilitação na realização de investimentos e pela prestação de serviços de pagamentos e de investimento coletivo, como nos casos de investment-based crowdfunding e equity crowdfunding. Tudo sem se esquecer do grande papel que essas novas tecnologias exercem em áreas de data mining e criação de moedas virtuais.
As vantagens apresentadas por esse novo universo da junção entre tecnologia e finanças proporcionam fatores relevantes como a redução de custos e despesas operacionais, maior agilidade na consecução de operações, geração de inteligência de dados mediante métodos mais eficientes de gerenciamento do conhecimento coletivo, em claro proveito da crescente simplificação dos trâmites de negócios, ao tempo em que se amplia o número de usuários, até então alheados de qualquer sistema organizado.
As Fintechs vêm atraindo grande atenção de todos os agentes de mercado, usuários, assim como do aparelho oficial de fiscalização e supervisão. Por essa razão, é mesmo de se indagar se essa nova fase da revolução digital deve ou não ser acompanhada de um corpo normativo positivado que regule o funcionamento desses novos instrumentos de viabilização de negócios financeiros e oferta de produtos e serviços nesse setor. Mas até que ponto a conveniência de se realizarem operações mais fácil e rapidamente, com menor grau de complexidade documental e formal, com maior disponibilidade e total mobilidade supera a necessidade de prevenção e o gerenciamento dos riscos próprios do ambiente virtual, como as situações de ciber-crimes?
Certo, no entanto, é que muitas das atividades desenvolvidas por plataformas eletrônicas de empréstimos e de investimento participativo, por exemplo, tendem a se submeter à competência fiscalizatória do Banco Central. O BC exerce permanentemente  - por dever legal  - ampla vigilância nos mercados financeiros e de capitais sobre empresas que, direta ou indiretamente, interfiram nesses mercados e em relação às modalidades ou processos operacionais que utilizem.
É de notar-se que, embora a lei bancária não determine a obrigatoriedade de que empresas que operem plataformas eletrônicas, como as Fintechs, sejam previamente autorizadas a funcionar pelo Banco Central a não ser que atuem em esfera de atividades legalmente reservada a instituições financeiras, a sua sujeição à supervisão da autoridade bancária é evidente. Isso porque a depender da estruturação de suas operações e da extensão de seu escopo de negócios, sua atuação pode ensejar riscos de mercado de natureza e abrangência sistêmica.
No Brasil, a legislação não permite a constituição de qualquer empreendimento voltado à consecução de operações de mercado financeiro, de capitais ou mesmo do segmento securitário, sem a prévia autorização para constituição e funcionamento outorgada pela autoridade competente, quer se trate do Banco Central, da CVM, da SUSEP ou da PREVIC.
É o que se passa com relação às atividades de empréstimo realizadas por plataformas eletrônicas, nas modalidades conhecidas como peer-to-peer ou peer-to-business lending.
A todo rigor, a lei bancária estabelece que atividades financeiras caracterizadas pela coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, constitui-se atividade exclusivamente reservada a entidades autorizadas a funcionar pelo Banco Central como instituições financeiras, a elas se equiparando, inclusive, qualquer pessoa física que exerça qualquer das referidas atividades.
Assim é que qualquer atividade de intermediação financeira, que é elemento central nas operações de empréstimo P2P, por exemplo, somente pode ser legalmente implementada se estiver a plataforma eletrônica autorizada a funcionar como uma instituição financeira pelo Banco Central ou se a uma instituição financeira estiver vinculada, num arranjo operacional específico, cuja viabilização seja dada por modelos chancelados pela autoridade bancária, como é o caso da atuação das plataformas eletrônicas no mercado sob a forma de correspondentes bancários.
Consideramos serem essas as configurações possíveis e mais adequadas para que se desenvolvam regularmente as atividades de empréstimo realizadas por Fintechs dedicadas a serviços e produtos voltados à oferta pública de crédito.
Por outro lado, no que diz respeito a consultoria e a gestão financeira, embora a configuração legal não dependa de forma legalmente obrigatória nem autorização específica, as atividades desenvolvidas pelas plataformas devem ser integralmente pautadas pela regulação que versa sobre a coleta, o tratamento, a manutenção e a guarda de informações dos usuários. Assim, a compilação e o tratamento de informações cadastrais, pessoais e financeiras fornecidas pelos usuários das plataformas deverão estar em conformidade com as normas de proteção de dados dos usuários, embora não se trate de observância do dever de sigilo bancário, pois, no caso, de atividade privativa de instituição financeira não se cuida.
Peça central nesse contexto é o Marco Civil da Internet, que estabeleceu direitos e deveres na utilização da Internet no Brasil e reforçou a proteção à privacidade e à intimidade dos usuários e de suas informações. A captação de informações via Internet deve ser realizada em linha com a inviolabilidade da intimidade e da vida privada dos clientes e do sigilo do fluxo de comunicações realizadas e armazenadas pela Internet. Devem, nesse caso, as plataformas prestar aos usuários informações claras e completas sobre coleta, uso, armazenamento, tratamento e proteção de seus dados pessoais, que somente poderão ser utilizados para finalidades que justifiquem as atividades contratadas com a plataforma, como no caso de gestão financeira.
Já as atividades desenvolvidas por plataformas eletrônicas de investimento participativo ou coletivo vêm sendo acompanhadas atentamente pela CVM. A teor da Lei 6.385/76, a apresentação de oportunidades de investimento ao mercado, de forma indistinta, atingindo grande quantidade de destinatários, sob a oferta de retorno de remuneração ou de participação, como no caso de projetos e negócios, é atividade que se enquadra sob a competência regulatória e fiscalizatória da CVM. É por essa razão que a atuação de uma plataforma de investment-based crowdfunding ou de equity crowdfunding constitui oportunidades de investimento coletivo, caracterizando oferta pública de valores mobiliários.
Atualmente, porém, a CVM tem se valido da prerrogativa que lhe confere a própria Lei 6.385/76 para dispensar o registro tanto dos emissores quanto das próprias ofertas públicas de valores mobiliários, de empreendedores organizados como micro e pequenas empresas, com base nos arts. 5º, III e 7º da ICVM 400/03, observados, dentre outros requisitos, um limite anual de oferta de R$2.4 milhões e a prévia comunicação pelo emissor da intenção de valer-se da dispensa.
Sem perder de vista esse propósito de proporcionar a micro e pequenas empresas a facilitação de acesso ao mercado de capitas, mediante a redução das exigências formais, a CVM recentemente submeteu a audiência pública uma minuta de instrução, com o objetivo de dispor sobre a oferta pública de valores mobiliários de emissão de empreendedores de pequeno porte realizada por meio de Fintechs de investimento participativo.
Essa minuta de instrução, que permanece disponível para sugestões e comentários do mercado até 6 de novembro de 2016, traz inovações e aperfeiçoamentos em relação à regulamentação de dispensa de registro, no que tange às atividades de plataformas de investimento (tanto para emissão de dívida quanto de participações), a saber:
(a) definição de critérios de elegibilidade de emissores; (b) aumento do limite de captação anual de R$2.4 milhões para R$5 milhões; (c) procedimentos para a condução da oferta pública; (d) limites de valor de investimento; (e) padronização de informações da oferta; (f) concessão obrigatória de acesso às informações da oferta de modo equitativo; (g) requisitos para registro e funcionamento das plataformas; (h) regras de conduta e vedação de certas atividades; (i) vedação de material publicitário; (j) envio de informações periódicas à CVM sobre as atividades das plataformas e (k) possibilidade de cooferta por parte de sindicatos de investimento participativo, contando ou não com um investidor líder. 
É importante frisar que essa iniciativa regulatória da CVM acompanha os padrões e práticas mais recentes de reguladores e supervisores de mercados de capitais internacionais.
Entendemos, em conclusão, que a necessidade de regulação das Fintechs, no mercado brasileiro, considerados os mais variados segmentos em que vêm atuando, dependerá essencialmente do tipo de atividade em que se engajem. Assim, em se tratando de atividades que se qualifiquem como reservadas a instituições financeiras dedicadas a negócios típicos dos mercados financeiro e de capitais, não resta dúvida, em primeiro lugar, que as Fintechs deverão observar os preceitos legais e regulatórios desses mercados, sem embargo de aprimoramentos posteriores considerados necessários, como vimos em relação à citada instrução que a CVM submete ao exame e comentários públicos.

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JOTA

Nova fase da revolução digital deve ou não ser acompanhada de um corpo normativo 

As Fintechs e a necessidade de regulação

Nova fase da revolução digital deve ou não ser acompanhada de um corpo normativo