Mário Augusto Silva Araújo

O sucessivo aumento no preço dos combustíveis, cuja carga tributária possui a incidência do <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/icms">Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços</a> (ICMS), de competência estadual, nos termos do art. 155, inciso II e regulamentado pela Lei Complementar nº 87/1996 (Lei Kandir), resultou em intervenção legislativa nos termos da Lei Complementar 194/2022.
Em suma, o objetivo daquele novo normativo é estabelecer o limite de 17% do ICMS sobre combustíveis, gás natural, energia elétrica e serviços de telecomunicações e de transporte coletivo, e, notadamente “diminuir os preços dos combustíveis para o consumidor final e ajudar no controle da inflação<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>”.
Característica da função extrafiscal do tributo, a tentativa de controlar o comportamento da economia pelo legislador federal, embora legítima, merece uma ponderação correlata ao Direito Financeiro por causa da estrutura do federalismo fiscal no que diz respeito à repartição de receitas.
Isso porque a União atua em duas frentes de protagonismo: a formal, em termos de iniciativa legislativa; e a material e de fundamental importância: o planejamento fiscal por causa do impacto que a matriz de incidência tributária possui na arrecadação de receitas dos entes subnacionais.
A estrutura do federalismo fiscal brasileiro possui ênfase no aspecto cooperativo com o objetivo de assegurar autonomia dos entes subnacionais e como ensina José Maurício Conti: “As múltiplas formas de assegurar a indispensável autonomia financeira dos entes federados, em uma Federação que abrange milhares de unidades, entre Municípios, Estados e a União, com uma extremamente complexa rede de distribuição de competências arrecadatórias e partilhas de receitas, bem como divisão de atribuições, e operacionalização de políticas públicas interfederativas, não é nada simples. E fazem do federalismo cooperativo brasileiro um desafio permanente para manter-se em funcionamento e em busca de um modelo ideal<a href="#_ftn2" name="_ftnref2"></a>”<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
Por causa de sua simbiose em relação às receitas derivadas, a administração pública brasileira possui forte dependência da atividade tributária, que é a chave do cofre para o financiamento das políticas públicas e o ICMS é um peso orçamentário para os estados de grande valia.
A limitação de alíquota em 17% impacta os cofres públicos daqueles entes e em decorrência disso o Distrito Federal já teve a iniciativa de contingenciar R$ 500 milhões de seu atual orçamento, nos termos do Decreto nº 43.449/2022<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>.
Pelo estudo de impacto fiscal feito por aquele ente federado, a estimativa é de que a Lei Complementar nº 194/2022 ocasione perda de arrecadação entre R$ 1,4 bilão e R$ 2 bilhões<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>, ao passo que a estimativa do estado de São Paulo, por sua vez, é que os efeitos daquele normativo impactem R$ 4,4 bilhões em seu orçamento<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>.
Como se vê, aquela lei, por um lado controla o preço dos combustíveis, mas por outro compromete o custeio de algumas atividades, como é o caso da educação básica, fiel “cliente orçamentária” de qualquer ente federado.
A propósito, o financiamento da educação brasileira possui uma fonte de receitas específica: o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), positivado pela Emenda Constitucional nº 108/2020 e regulamentado nos termos da <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/L14113.htm">Lei 14.113/2020</a>.
Composto por uma “cesta de receitas” definidas pelo art. 3º da Lei 14.113/2020, o Fundeb possui como principal fonte de recursos o ICMS e a desoneração da alíquota trazida pela Lei Complementar 194/2022 impacta diretamente no financiamento da educação básica brasileira, o que implica na necessidade de governadores e prefeitos promoverem um arranjo institucional de modo a amenizar os efeitos fiscais daquela lei.
Assim, a iminente implosão no custeio de direitos educacionais deve resultar em uma reflexão estruturante no que diz respeito ao planejamento do gasto público no sentido de que a administração pública educacional pesquise estratégias institucionais aptas a amenizarem o impacto daquela medida legislativa.
Nesse cenário, uma das alternativas que se tem é uma fórmula já pronta, prevista expressamente no art. 241 da Constituição Federal e regulamentada nos termos da <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11107.htm">Lei 11.107/2005</a>: a criação de consórcios públicos.
A gestão associada de serviços públicos é estratégia apta a amenizar o problema trazido pela tensão dialética que há entre a obrigatoriedade em custear direitos e a limitação orçamentária para isso, assunto estudado pela jurisprudência do <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/stf">Supremo Tribunal Federal</a> por intermédio da “teoria das escolhas trágicas”, que se concretiza no seguinte pensamento: “Os recursos estatais são, por excelência, escassos, de modo que há, no mais das vezes, um descompasso entre as demandas da sociedade e as correspondentes capacidades jurídico-administrativas do Estado. Consectariamente, na impossibilidade fática de aplicar recursos ótimos em todas as áreas deficitárias, o gestor público deve realizar escolhas alocativas trágicas”<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>.
A asfixia orçamentária da cesta do Fundeb a partir da <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/LCP/Lcp194.htm">Lei Complementar 194/2022</a> lembra uma pergunta trazida por Élida Grazianne Pinto, em sua obra sobre custeio da educação e da saúde: “como assegurar eficácia aos direitos à saúde e à educação, sem concomitantemente garantir estabilidade — e até mesmo — progressividade de custeio às ações governamentais que lhe dão consecução?”<a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a>
Mas há uma alternativa: é que o projeto aprovado pelo Parlamento previa uma compensação de receitas para os estados em decorrência da perda arrecadatória do ICMS, vetada pelo Executivo.
Resta esperar se o Congresso vai derrubar o veto. Caso contrário, espera-se um ajuste das velas para os ventos de escassez orçamentária que soprarão a partir de agora, cuja bússola proposta é a gestão consorciada de políticas públicas, solução jurídica intrínseca ao federalismo cooperativo brasileiro.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> https://www12.senado.leg.br/noticias/videos/2022/06/senado-aprova-reducao-de-impostos-para-diminuir-preco-de-combustiveis-e-destaque acesso em 24/06/2022
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> CONTI, José Maurício. Federalismo fiscal e (m) crise. Revista digital JOTA. Disponível em https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-fiscal/federalismo-fiscal-em-crise-21052020 . Acesso em 27/06/2022
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> https://dodf.df.gov.br/index/visualizar-arquivo/?pasta=2022|06_Junho|DODF%20050%2015-06-2022%20EDICAO%20EXTRA%20A|&amp;arquivo=DODF%20050%2015-06-2022%20EDICAO%20EXTRA%20A.pdf acesso em 27/06/2022
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> https://www.economia.df.gov.br/gdf-contingencia-r-500-milhoes-do-orcamento-apos-aprovacao-do-plp-18-2022/ acesso em 27/06/2012
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> https://www.saopaulo.sp.gov.br/spnoticias/governo-de-sp-reduz-icms-da-gasolina-para-18-2/ acesso em 27/06/2022
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> Informativo 975. Publicado em 30/04/2020.
<a href="#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> Pinto, Élida Grazianne. Financiamento dos direitos à saúde e à educação. Uma perspectiva constitucional. Editora Fórum. Belo Horizonte/MG: 2017, p.23
BRASIL, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, Informativo 975
CONTI, José Maurício. Federalismo fiscal e (m) crise. Revista digital JOTA. Disponível em <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-fiscal/federalismo-fiscal-em-crise-21052020">https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-fiscal/federalismo-fiscal-em-crise-21052020</a> .
DISTRITO FEDERAL, <a href="https://dodf.df.gov.br/index/visualizar-arquivo/?pasta=2022|06_Junho|DODF%20050%2015-06-2022%20EDICAO%20EXTRA%20A|&amp;arquivo=DODF%20050%2015-06-2022%20EDICAO%20EXTRA%20A.pdf">https://dodf.df.gov.br/index/visualizar-arquivo/?pasta=2022|06_Junho|DODF%20050%2015-06-2022%20EDICAO%20EXTRA%20A|&amp;arquivo=DODF%20050%2015-06-2022%20EDICAO%20EXTRA%20A.pdf</a>
https://www.economia.df.gov.br/gdf-contingencia-r-500-milhoes-do-orcamento-apos-aprovacao-do-plp-18-2022/
PINTO, Élida Grazianne. Financiamento dos direitos à saúde e à educação. Uma perspectiva constitucional. Editora Fórum. Belo Horizonte/MG: 2017
SÃO PAULO, https://www.saopaulo.sp.gov.br/spnoticias/governo-de-sp-reduz-icms-da-gasolina-para-18-2<a href="#_ftnref1" name="_ftn1"></a>

escola

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Iminente implosão no custeio de direitos educacionais deve resultar em reflexão sobre planejamento do gasto público

Federalismo fiscal, ICMS e o financiamento da educação básica brasileira

Fundeb possui como principal fonte de recursos o ICMS. Clique aqui para saber mais sobre o impacto da desoneração da alíquota.