Roger Stiefelmann Leal

<h3>Unidos legalmente</h3>
Consoante o disposto no § 1° do art. 4° da Resolução 23.670/2021, após o deferimento do registro pelo <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/tse">TSE</a> e as devidas anotações no Sistema de Gestão de Informações Partidárias (SGIP), “os partidos que compõem a federação passarão a atuar, em todos os níveis, de forma unificada”. Trata-se de disposição normativa que, regulamentando a <a href="https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n-14.208-de-28-de-setembro-de-2021-348249890">Lei 14.208/2021</a>, especifica o momento em que passam as federações a ter pleno funcionamento como se fossem “uma única agremiação partidária”.
Tal preceito foi utilizado como fundamento normativo pelo TSE para reconhecer a ilegitimidade ativa de partido que integra federação para mover, individual e isoladamente, representação no âmbito da Justiça Eleitoral. A esse propósito, já formalizada sua participação na <a href="https://www.jota.info/eleicoes/federacao-partidaria-entenda-o-que-e-como-sera-usada-02022022">federação partidária</a>, faleceria ao partido o direito de oferecer representação em nome próprio. Consoante a fundamentação adotada, com “seu respectivo registro por este Tribunal Superior – e a partir desse momento específico – esse novo ente, qual seja, a federação partidária, passa a atuar de forma unificada em nome de todas as agremiações que a compõem, como se um novo partido fosse” <a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
<h3>Separados constitucionalmente</h3>
Solução distinta, porém, foi empregada em relação à reserva de vagas para candidaturas femininas, introduzida a partir da Lei 12.034/2009. Ainda que a Lei 14.208/2021 tenha exigido atuação unificada dos partidos e determine a aplicação às federações de “todas as normas que regem as atividades dos partidos políticos no que diz respeito às eleições, inclusive no que se refere à escolha e registro de candidatos para as eleições majoritárias e proporcionais”, definiu-se para elas regra própria e distinta quanto à chamada cota de gênero.
Obstou-se, assim, que o mínimo de 30% de candidaturas femininas para eleições proporcionais fosse considerado – como ocorre com os partidos – apenas na lista final de candidatos da federação. Nesse caso, “o percentual mínimo de candidaturas por gênero deverá ser atendido tanto globalmente, na lista da federação, quanto por cada partido, nas indicações que fizer para compor a lista” (art. 12, parágrafo único, I, da Resolução TSE nº 23.670/2021). Não exibem, portanto, as federações a mesma autonomia que os partidos para compor sua nominata de candidatos às eleições proporcionais. Não funcionam, nesse aspecto, como se fossem “uma única agremiação partidária”.
De forma a justificar tal determinação quanto às federações, aludiu-se expressamente à Emenda Constitucional 117/2022 como base normativa que orienta a interpretação da Lei 12.034/2009 para exigir a cota de gênero também dos próprios partidos que as integram<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
Em estreita consonância com a reserva legal de vagas a candidaturas femininas, determinou a Emenda que, no mínimo, 30% dos recursos oriundos dos fundos dedicados ao financiamento de campanhas e do tempo de propaganda em rádio e televisão devem ser distribuídos pelos partidos políticos às suas candidatas de forma proporcional. Nesse particular, a referência normativa recai sobre os partidos políticos, como instituto jurídico de estatura e significado constitucional.
Entre as razões utilizadas no âmbito do TSE a esse propósito, assinalou-se que o “ordenamento jurídico vigente não permite qualquer interpretação que possibilite ao partido político esvaziar a determinação constitucional que visa diminuir a disparidade de gênero no cenário político-eleitoral brasileiro”<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>. Ou seja, em face do texto constitucional, a reserva do percentual mínimo para candidaturas femininas cabe a cada partido. Da observância desta regra separadamente por todas as entidades partidárias que se agruparam na forma da Lei 14.208/2021 decorre, consequentemente, o cumprimento global pela própria federação.
A confrontação desses parâmetros insinua adoção de critério específico de distinção (distinguishing) para interpretar a forma unificada de atuação das federações. Como regra geral, os partidos reunidos em federação devem atuar como se fossem “uma única agremiação partidária”. Assim, ficam impedidos de ajuizar, de forma isolada, representações eleitorais. Somente em conjunto, por meio da federação, admite-se sua legitimidade processual. Havendo, porém, disposição que estabeleça em sede constitucional dever, ônus ou prerrogativa a partido político – como as reservas protetivas das candidaturas femininas – cumpre dar-lhe aplicação a cada entidade integrante da federação.
<h3>A Constituição segundo a lei?</h3>
No último dia 13 de outubro, o TSE <a href="https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2022/Outubro/apenas-12-entes-politicos-receberao-recursos-do-fundo-partidario-em-2023">divulgou</a> em seu portal – <a href="https://www.cnnbrasil.com.br/politica/tse-diz-que-12-dos-28-partidos-receberao-recursos-do-fundo-partidario-em-2023/">com ampla repercussão</a> em importantes veículos de imprensa – informação sobre o cumprimento da chamada cláusula de desempenho eleitoral. Noticiou que “as federações FE Brasil (PT/PCdoB/PV), PSDB-Cidadania e PSOL-Rede (...) elegeram deputados federais ou obtiveram votos suficientes para continuar recebendo recursos do Fundo Partidário”.
Tal divulgação levou em consideração o disposto no art. 4º, § 2º, da Resolução TSE nº 23.670/2021 (para fins de aferição da cláusula de desempenho prevista no § 3º do art. 17 da Constituição e no art. 3º da EC nº 97/2017, será considerada a soma da votação e da representação dos partidos que integram a federação).
Impende observar, todavia, que, nos exatos termos da Constituição (art. 17, § 3º), “somente terão direito a recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão, na forma da lei, os partidos políticos (...)”. Estatui, ainda, que “terão acesso aos recursos do fundo partidário e à propaganda gratuita no rádio e na televisão os partidos políticos que, na legislatura seguinte às eleições de 2022”, alcançarem os limites eleitorais mínimos que consubstanciam a cláusula de desempenho (art. 3º, II, da EC nº 97/2017).
Nesse caso, portanto, a referida Resolução acabou por considerar a federação “como se fosse uma única agremiação partidária” também para fins constitucionais. Expandiu, nesse particular, a noção constitucional de partido político. Interpretou a Emenda Constitucional 97/2017 de forma semelhante à adotada no caso da ilegitimidade processual para ajuizar representação eleitoral.
Ao se impor aos partidos reservas mínimas para candidaturas femininas, considerou-se que a Constituição não é devidamente observada se a cota for aplicada apenas à lista global de candidatos da federação. Exigiu-se que cada partido integrante da federação também assegure individualmente o mínimo percentual, tendo em vista a Emenda 117/2022. De forma diametralmente oposta, tomou-se a cláusula de desempenho – constante da Emenda nº 97/2017 – como cumprida apenas pela aferição da votação global da federação. Não importa se, isoladamente, os partidos que a compõem não superaram os índices eleitorais estabelecidos.
Trata-se de divergência conceitual que suscita preocupante sensação de insegurança e casuísmo. Passou-se a contemplar os partidos políticos como figura de conteúdo jurídico variável, que assume significados diferentes a cada disposição constitucional em que é mencionada. No caso das candidaturas femininas, alcança-se separadamente cada partido que integra a federação. Em relação à cláusula de desempenho, a solução é outra, considerando somente a federação como um todo. Convém que tal disparidade seja revista, estabelecendo interpretação harmônica e coerente ao regime constitucional dos partidos políticos.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Recurso na Representação nº 0600557-60/DF, Red. p/ acórdão Min. Ricardo Lewandowski, Publicado em Sessão, em 01/09/2022.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Consulta n° 0600251-91, Rel. Min Mauro Campbell Marques, DJ de 23/08/2022.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Consulta n° 0600251-91, Rel. Min Mauro Campbell Marques, DJ de 23/08/2022.

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JOTA

Variações interpretativas na primeira experiência eleitoral sob a vigência da Lei 14.208/2021

Federações partidárias como partidos políticos

Variações interpretativas sob a vigência da Lei n° 14.208/2021 que passa a tratar federações como agremiações únicas