Ana Flávia Barros Moreira

Os tópicos discursivos envolvendo a temática de processos de insolvência, regulados pela <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.htm" target="_blank" rel="noopener noreferrer">Lei nº 11.101/2005</a> (LRF), para além do jargão popular que tomou para si as expressões de “quebra” ou “bancarrota” (ainda que se trate de recuperações judiciais), tem um condão, nem sempre perceptível a um primeiro olhar, de causar severos abalos nas estruturas gerais de mercado.
E, quando falamos no conceito econômico de escassez, dentro do parâmetro dos custos de transação invocados por <a href="https://services.bepress.com/cgi/viewcontent.cgi?article=1035&amp;context=lacjls">Ronald Coase</a>, o exemplo mais evidente que temos na estrutura jurídica é, sem dúvida, o da insolvência empresarial.
<a href="http://conteudo.jota.info/jota-pro-tributos"><img class="aligncenter wp-image-259015 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/07/cta-jota-pro-tributos.jpeg" alt="" width="1080" height="1080" /></a>
Com efeito, ao se falar em recuperações judiciais, busca-se no socorro judicial a possibilidade de, mediante negociação do devedor com os credores, encontrar uma solução para que a empresa economicamente viável possa retornar às atividades de mercado ao final do processo, sendo uma das alternativas a alienação dos ativos, isolados ou em bloco, mediante aprovação de um plano validado pelo credores reunidos em assembleia geral (excepcionando-se a regra homologatória do cram down e seus requisitos específicos).
Na outra ponta, o cenário falimentar, tendo como pano de fundo instaurar um concurso universal de credores com a finalidade de extirpar do mercado o agente econômico inviável, tem como premissa fundamental maximizar o valor dos ativos arrecadados pelo administrador judicial (art. 139 da LRF) para que seja feito o cumprimento das ordens de pagamentos previstas nos arts. 83 e 84 da LRF.
<blockquote class="jota-article__eye">Ou seja, não há, a priori, a necessidade de se atender ao (controverso, diga-se) princípio da preservação da empresa: vale, aqui, a regra de “vender melhor” para “pagar melhor” os credores.</blockquote>
Some-se a isso o fato de que maximizar os ativos para garantir a satisfação dos créditos, respeitando a par conditio creditorum, tem como impacto econômico a redução dos seus custos, transformando a tutela do processo falimentar como de evidente interesse público, cuja finalidade é equalizar o mercado e, em última análise, evitar crises alarmantes de liquidez que dificultarão ou mesmo impedirão o giro de negócios empresariais pela própria escassez do crédito, que tende a se tornar mais caro (a esse propósito, confira-se o levantamento periodicamente realizado pelo Serasa Experian sobre processos de insolvência, disponível <a href="https://www.serasaexperian.com.br/amplie-seus-conhecimentos/indicadores-economicos" target="_blank" rel="noopener noreferrer">aqui</a>).
Dentro desse cenário, a necessidade de se garantir segurança jurídica nas operações que envolvam alienação de ativos do falido tem um papel de extrema relevância, sobretudo considerando os efeitos jurídicos decorrentes desse ato, tanto para o adquirente quanto para os credores na falência.
Assim, do ponto de vista do adquirente, é necessário que, na aquisição do ativo do falido, ele esteja certo de que, de um lado, não haverá sucessão no tocante às responsabilidades fiscais e trabalhistas, o que é ponto convergente na jurisprudência (v.g. <a href="http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=2544041" target="_blank" rel="noopener noreferrer">ADI 3934/DF</a>) e, do outro, que o negócio celebrado pelo adquirente, sendo realizado dentro do procedimento previsto na LRF, não será alcançado por discussões jurídicas estabelecidas entre as partes no processo falimentar.
Já na perspectiva dos credores, o concurso universal instaurado pela falência deve, como visto, obedecer à ordem legalmente prevista. Não é à toa que a LRF apresenta uma rígida ordem de pagamento a ser obedecida, que não pode ser objeto de alteração, seja pelos próprios credores, pelo administrador judicial ou pelo juízo falimentar, pois é, também, matéria de ordem pública e, portanto, inafastável.
Logo, para atender à essa ordem de pagamentos, é necessário que a alienação dos ativos do falido alcance a sua melhor performance, do ponto de vista jurídico e econômico, de modo a garantir um retorno célere e eficaz do produto dessa venda para a amortização dos débitos concursais e extraconcursais.
Contudo, é interessante notar que, no Brasil, há ainda espaço na atuação jurisdicional que não permite, nem ao adquirente, nem aos próprios credores, a segurança necessária para a completa performance na alienação dos ativos. Caso recente e que ilustra bem a situação ocorreu na falência da Laginha Agroindustrial S/A, pertencente ao grupo empresarial do ex-deputado federal João Lyra, que tramita desde 2008 perante a 1ª Vara de Coruripe (Alagoas), e tem, atualmente, mais de 19 mil credores.
Em decisão proferida no âmbito de recurso interposto pela falida vinculado ao tumultuado processo falimentar, em 2019, decidiu-se, em caráter liminar, pela anulação das arrematações de duas usinas pertencentes à Laginha (Trialcool e Vale do Paranaíba) que já tinham sido realizadas dois anos antes e cujo produto da alienação, já perfectibilizada com o pagamento, pelos adquirentes, do valor de aproximadamente R$ 243 milhões, foi utilizado para amortizar as dívidas da falida com diversos credores trabalhistas.
Recentemente, a falida conseguiu decisão liminar, também em grau recursal, que, a um só tempo, ensejou a destituição do administrador judicial que vinha conduzindo o cargo e determinou a suspensão do pagamento de credores em decorrência da alienação de ativo da falida, sem nenhuma razão aparente e sem que houvesse pedido nesse sentido pelos próprios credores.
Diante do imbróglio, o comitê de juízes encarregado do processo falimentar nomeou novo administrador, que agora tem de se inteirar de um processo que se arrasta desde 2014.
Casos como esse geram insegurança jurídica, que, via de consequência, fazem os processos de falência entrarem em um verdadeiro looping de debates jurídicos e inconsistências nas decisões proferidas que, além de não atender à dinâmica da celeridade e economia processual (parágrafo único do art. 75 da LRF), coloca credores, adquirentes de ativos e terceiros (como é o caso do administrador judicial) em um cenário de imprevisibilidade, o que aumenta os riscos do negócio para todos os envolvidos, colocando os processos falimentares em uma “zona cinzenta” em que perdem todos pela falta de condução técnica e assertiva do litígio.
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Reais

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JOTA

Decisão que anula arrematações de bens da Usina Laginha (AL) coloca processos falimentares em 'zona cinzenta'

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