
Dentre pensadoras e pensadores que refletiram acerca da prática da mentira, especialmente no âmbito da política, Matthews ressaltou o aspecto subjetivo da mencionada conduta ao se referir ao trabalho de Santo Agostinho e que ressaltava a necessidade da constatação da presença da intenção em se produzir uma informação não verdadeira.
Assim, registrou o teólogo e filósofo nascido na África em 354 d.C. em seu texto “De Mendacio”, 395 d.C (Da Mentira) que a mentira se caracteriza como uma falsa declaração com desejo de enganar, conforme comentado por Gareth Matthews em sua obra “Santo Agostinho: A vida e as ideias de um filósofo adiante de seu tempo” (Ed. Zahar, 1ª ed., 2007).
A categorização da desinformação segundo a intenção buscada é objeto de análises em todo o planeta. Apenas a título de exemplo, podemos mencionar a proposição de Wardle & Derakhshan, que a classificam em mis-information, dis-information e mal-information, muito embora não utilizemos traduções exatas para cada termo no idioma português. Assim, propõem os estudiosos que:
Há também uma categoria sugerida de “distúrbio de informação”, que inclui a distinção útil entre três tipos de informação: mis-information é quando informações falsas são compartilhadas, mas não há intenção de causar danos, dis-information é quando informações falsas são conscientemente compartilhadas para causar danos, e mal-information é quando informações genuínas são compartilhadas para causar danos” (Wardle & Derakhshan, 2017: 5).
(DUKANOVIĆ, Anđela. Limitations on Freedom of Expression in Practice of the European Court of Human Rights and the Notion of Disinformation. Disponível em https://www.aseestant.ceon.rs/index.php/nabepo/article/view/33404/18826)
O cenário atual no Brasil, bem como em grande parte dos países ao menos formalmente democráticos, parece comprovar a cada dia a importância do elemento subjetivo, intencional, que efetivamente permite a distinção entre uma mentira, ainda que lesiva a terceiros, das fake news propriamente ditas e a extensão de suas consequências sobre o regime democrático em geral e, em especial, sobre o sistema eleitoral de um país.
Se a história, em especial do século 20, apresenta bases que ajudam a compreender o fenômeno da manipulação da verdade com finalidades políticas, o advento da tecnologia digital potencializou de maneira dramática a proporção dos riscos e perigos para toda a sociedade, para a democracia e para a vida das pessoas.
Sabe-se que direitos e garantias como privacidade, intimidade, imagem etc. tornaram-se alvos cotidianos nas redes. Mas a propagação financiada de noticias falsas com o objetivo de influenciar a vontade do eleitorado no momento do voto, ganhou contornos de gravidade jamais antes pensados, com grande capacidade destrutiva e desarticuladora do tecido social.
O entendimento sobre os objetivos políticos, em relação à capacidade para promover rupturas e impactos coletivos, das fake news, hoje no Brasil, é essencial.
Fake news, no contexto político atual, não são “meras mentiras”, como ressaltado acima. São instrumentos hoje usados por extremistas com o intuito de alterar ou negar a verdade, muitas vezes por meio da propagação do pânico coletivo e com alta eficiência para manipular a vontade da sociedade em virtude do medo cuidadosamente implantado e direcionado aos valores e sentimentos mais caros às populações. Têm por objetivo a destruição do regime democrático e seu financiamento é ilícito e ocultado.
Quem propaga fake news com finalidades políticas é corresponsável pela destruição da democracia.
O ambiente de violência extrema é normalmente viabilizado por determinadas etapas, dentre as quais, a construção de um estado mental coletivo cultivado de modo constante pela introjeção direta ou subliminar, das falsas informações. Não sem razão, genocídios que marcaram a história tiveram no reconhecimento da profusão de mentiras e complôs imaginados o combustível necessário para manipular o ódio coletivo contra minorias étnicas, raciais, religiosas, nacionais ou por orientação sexual.
Considerando o ensinamento de Jean Paul Sartre de que podemos interpretar o passado segundo nossos interesses e objetivos, mas que em dado momento ele se impõe e nos devora, é sempre aconselhável que, em momentos como o atual vivido pelo Brasil, sejam lembrados casos históricos, como a publicação do antissemita, apócrifo e falso “Protocolos dos Sábios de Sião”, publicado em série pela primeira vez em 1903 pelo jornal russo Znamya (A Bandeira), ainda na Rússia czarista e que narrava um fantasioso complô judaico para dominar o mundo; o jornal de Munique Der Stürmer (O Atacante), que propagava o ódio contra a comunidade judaica da Alemanha durante o Terceiro Reich ou a rádio ruandesa Radio Télévision Libre des Mille Collines (RTLM), que também estimulava a população hutu a perseguir e exterminar seus concidadãos tutsis.
Em todos os casos exemplificados, a implantação do medo em relação aos grupos-alvos era o veículo essencial para a consolidação do ódio e o cometimento dos respectivos genocídios.
No que se refere à possibilidade de propagação da mentira e do ódio contra grupos sociais ou adversários políticos considerados inimigos a serem extirpados da sociedade, o mundo atual se tornou, certamente, mais perigoso e, ao mesmo tempo, aparentemente incapaz de se proteger da velocidade com que o terrorismo digital atinge novas capilaridades ideológicas e conspiratórias, entre as populações.
Se a tecnologia impacta a civilização, ao mesmo tempo o faz sobre antigos amálgamas que preservam decrépitos sentimentos discriminatórios e de ódio, hoje, porém escamoteados sob o véu dos algoritmos, que pavimentam o encontro virtual entre redes extremistas sob velocidade de difícil monitoramento pelas autoridades.
Em tribunais e decisões internacionais, empresas de comunicação já foram responsabilizadas pela propagação do discurso de ódio por meio de Fake News, hoje instrumentos do terrorismo político digital.
Desde os julgamentos pelo Tribunal Militar de Nuremberg (MNT), passando pelos Tribunais Criminais Internacionais para Ruanda e ex-Iugoslávia (ICTR e ICTY), as fake news letais foram consideradas causas para os colapsos civilizacionais que se seguiram e como tal foram tratadas, na esfera do Direito Penal Internacional.
Também no âmbito do Direito Internacional dos Direitos Humanos, importantes decisões foram consagradas, por exemplo, pela União Europeia e sua Corte de Direitos Humanos. Assim, foi adotado em 2018 o Código sobre Práticas de Desinformação, firmado por empresas como Facebook, Google, Twitter e Mozilla, além da Microsoft e a da plataforma TikTok (Comissão Europeia, 2018b), ao que se somam esforços do Conselho da Europa para o combate às denominadas anomalias da rede.
Assim, a liberdade de expressão não é absoluta e o seu exercício implica deveres e responsabilidades.
Nos termos do artigo 10º, n.º 2, da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (CEDH), a liberdade de expressão pode ser sujeita às formalidades, condições, restrições ou sanções previstas na lei, necessárias em uma sociedade democrática, no interesse da segurança nacional, integridade territorial ou segurança pública, para a prevenção da desordem ou crime, para a proteção da saúde ou da moral, para a proteção da reputação ou dos direitos de outros, para prevenir a divulgação de informações recebidas em sigilo, ou para manter a autoridade e imparcialidade do Poder Judiciário.
No mesmo sentido, o artigo 19, n°3, do Pacto sobre Direitos Civis e Políticos estabelece também exceção à liberdade de buscar, receber e difundir informações e ideias de todos os tipos. O artigo 11.º da Carta Europeia dos Direitos Fundamentais é consagrado à liberdade de expressão e de informação. No artigo 52, n°2, foi expressamente determinado que os direitos reconhecidos pela Carta devem ser exercidos conforme as condições e os limites nela definidos. Também o artigo 54 da mesma Carta estabelece limites ao exercício dos direitos previstos.
A Corte Europeia de Direitos Humanos já se manifestou algumas vezes sobre as limitações à liberdade de expressão previstas em suas normas, como no famoso caso Perinçek v. Suíça.
Assim, a Corte analisou a possibilidade de justificação da condenação criminal de Perinçek pelo artigo 10, parágrafo 2º, da Convenção (possibilidade de limitação à liberdade de expressão). No caso, os juízes decidiram, baseados na jurisprudência própria da Corte, que qualquer limitação ao direito de liberdade de expressão deve observar três requisitos essenciais: previsão pela lei do país; utilização com o objetivo de proteger um dos interesses legítimos enumerados pelo parágrafo 2º, além da presença da sua necessidade em uma “sociedade democrática”, para proteger tais interesses. (BARSOUMIAN, Amanda Pilon; PEREIRA, Flávio de Leão Bastos. European Court of Human Rights and the Recent Decision on the Case “Perinçek v. Switzerland”. 168.am – News and Analysis. Disponível em https://en.168.am/2015/10/29/1915.html).
A possibilidade de limitação ao exercício da liberdade de expressão em suas distintas vias de projeção é também reconhecida por Cortes nacionais quando a falsidade e também a negação de fatos verdadeiros (negacionismo) são propagados com comprometimento da democracia e desvirtuamento dos escopos sociais e econômicos inerentes ao exercício de tais prerrogativas individuais fundamentais.
Neste sentido, manifestou-se em decisão o Tribunal Federal Constitucional da Alemanha (Bundesverfassungsgerichts – BVerfGE), no sentido de que:
A proteção da asserção dos fatos termina no ponto em que deixam de contribuir com qualquer coisa para a formação da opinião que é o que pressupõe o Direito Constitucional. Deste ponto de vista, informação incorreta não é interesse merecedor de proteção. A Corte Constitucional…tem consistentemente afirmado que a asserção de fato conhecido ou provado como incorreto não está coberto pela proteção da liberdade de opinião. (Decisão 90.241 – Caso Auschwitzlüge, traduzido por LAFER, Celso. A Internacionalização dos Direitos Humanos, p.118. Barueri/SP: Manole, 20050.) (Grifamos)
Finalmente, já tivemos a oportunidade de afirmar que:
A liberdade de expressão, de pensamento e de informação são também direitos consagrados, reconhecidos pela maioria das nações (Artigos 10 e 11 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Européia; Artigo XIX da Declaração Universal dos Direitos Humanos; Artigo 13, nº1 da Convenção Americana Sobre Direitos Humanos, entre outros). Contudo, entendemos que tal direito não pode ser considerado absoluto se, em contraposição, encontra-se sob risco o direito humano à não discriminação racial, étnica, nacional etc., não menos fundamental. Ora, como já dito, a propagação de idéias racistas constitui um dos passos principais rumo à prática de crimes contra a humanidade, de genocídio etc. Aliás, os Pactos Internacionais bem ressaltam a limitação ao direito de expressão e de informação ao impor que as leis devem proibir toda apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitação à discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência, como verificamos pelo item 5 do artigo 13 da Convenção Americana Sobre Direitos Humanos (San Jose da Costa Rica, 22.11.1969); artigo 20, nº 2 do Pacto Internacional Sobre Direitos Civis e Políticos (New York, 16.12.1966), entre outros.
(PEREIRA, Flávio de Leão Bastos. O PROTOCOLO ADICIONAL DE ESTRASBURGO À CONVENÇÃO SOBRE CRIMES CIBERNÉTICOS DA UNIÃO EUROPÉIA E SUA ADOÇÃO NAS AMÉRICAS, p.9. Palestra proferida na XLV Conferência da Federação Interamericana de Advogados, Nassau/Bahamas entre 30.6 e 4.7.2009, Comissão de Direitos Humanos. Disponível em https://diversitas.fflch.usp.br/sites/diversitas.fflch.usp.br/files/o%20protocolo%20adic%20de%20estrasburgo%20a%20conv%20sobre%20crimes%20ciber%20da%20uni%20europeia%20e%20sua%20adoc%20nas%20americas.pdf).
O exercício da liberdade de pensamento e de suas decorrentes projeções, pode ser limitado, portanto.
O Direito Eleitoral brasileiro e a falsa informação
O conjunto de fatos diariamente noticiados durante a campanha eleitoral no Brasil em 2022 conduz a duas searas de considerações: a primeira, relacionada ao problema das fake news propriamente dito; a segunda via de discussão, relacionado ao cerceamento do direito de fazer veicular notícias e informações a partir de decisões da justiça eleitoral.
No primeiro plano, já propusemos acima que não estamos lidando apenas com a veiculação de informações inverídicas, intencionais ou não, com ou sem potencial lesivo. O país enfrenta o grave problema do financiamento ilícito da propagação veloz e massiva de informações não apenas falsas, mas capazes de desestruturar e romper o tecido político-social-democrático, seja por meio da difusão do ódio a grupos sociais (v.g., grupos políticos adversários ou religiões de matriz afro e mesmo contra clérigos católicos) e às instituições (como o Supremo Tribunal Federal, por exemplo).
Tais ações compõem o cardápio da extrema-direita hoje considerada por alguns países como a grande ameaça ao regime democrático, ao liberalismo e aos direitos humanos fundamentais, em suas distintas facetas (trumpismo; putinismo; bolsonarismo; neonazismo; fascismo etc.), caracterizadas pelo reacionarismo racista, anti-indígena, homofóbico, misógino e antissemita (Ver, por exemplo, Deutsche Welle)
É preciso que a sociedade e as instituições tenham, com clareza, do que se trata: uma máquina, bem financiada, articulada em distintos continentes, de propagação de mentiras e de ódio, em quantidades inimagináveis, a cada dia, a cada hora, a cada minuto, tornando ainda mais improvável o bloqueio em curto tempo, de seus disparos de fake news.
Neste sentido, entendemos como bem-vindas e necessárias as recentes medidas adotadas pela Justiça Eleitoral brasileira, para combate ao terrorismo digital praticado pelos propagadores de fake news.
A aprovação, pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), da Resolução n° 23.714, de 20 de outubro de 2022, que dispõe sobre o enfrentamento à desinformação que atinja a integridade do processo eleitoral, é medida essencial para a preservação do sistema eleitoral brasileiro, sob ataque extremista desde, ao menos, 2018. E, sua proteção equivale à preservação da própria ordem constitucional, que tem na soberania popular, no voto direto, secreto, universal e periódico e nos direitos e garantias individuais e sociais, fundamentos da República e Cláusula Pétrea (artigos 1º, parágrafo único e 60, §4°, II e IV, todos da Constituição Federal de 1988).
A Resolução n° 23.714/2022 tem por escopo conferir maior rapidez no enfrentamento das fake news difundidas durante as campanhas eleitorais, uma vez que a demora, em termos de horas, torna impossível a restauração da integridade do processo eleitoral e da igualdade de armas entre os candidatos.
Por tal razão, a resolução sob comento veda a divulgação ou o compartilhamento de fatos inverídicos ou gravemente descontextualizados que atinjam a integridade do processo eleitoral e autoriza o TSE a determinar às plataformas digitais a remoção imediata (em até duas horas) do conteúdo, sob pena de multa de R$ 100 mil a R$ 150 mil por hora de descumprimento. Estabelece também que, após decisão colegiada que determine a retirada de conteúdo de desinformação, a Presidência do TSE poderá estender essa decisão a conteúdos idênticos republicados (STF. Plenário mantém resolução do TSE sobre combate à desinformação)
A mencionada Resolução aprovada pelo TSE foi atacada pela Procuradoria-Geral da República por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 7261, de 21 de outubro de 2022.
Porém, o STF já formou maioria, até a data da redação deste artigo, para manutenção da resolução atacada, especialmente sob os seguintes argumentos propostos pelo relator ministro Edson Fachin:
- O TSE atuou dentro de sua competência constitucional, nos limites de sua missão institucional e de seu poder de polícia;
- O TSE deve ter sua competência assegurada para o enfrentamento do complexo problema representado pelas fake news;
- A resolução atacada como inconstitucional não impõe restrição a nenhum meio de comunicação ou a linha editorial da mídia impressa e eletrônica;
- A resolução está direcionada apenas a conteúdos que, em razão de sua falsidade patente, do descontrole e da circulação massiva, atingem gravemente o processo eleitoral;
- E, finalmente, o controle judicial previsto na resolução é exercido posteriormente ao evento, sendo sua aplicação restrita ao período eleitoral, não se podendo aventar a hipótese de “censura”.
Os argumentos nos parecem lógicos, juridicamente sólidos e correspondentes às expectativas da sociedade em relação às suas instituições, especialmente a Justiça Eleitoral que, em sua razão de ser, possui missão que vai além de apenas exercer a jurisdição, uma vez que deve supervisionar, aperfeiçoar, regular e fiscalizar o sistema eleitoral brasileiro.
Abuso do poder econômico em campanha eleitoral e o caso Jovem Pan
Finalmente, algumas reflexões são pertinentes, diante do exposto, sobre fenômeno comum ao longo da campanha eleitoral de 2022.
Um dos princípios básicos para um sistema eleitoral democrático é a garantia de igualdade de condições para que os candidatos e candidatas possam competir sob parâmetros justos, aos cargos eletivos, uma vez que tratamos de direitos políticos, portanto, fundamentais (Capítulo IV, Título II, da Constituição Federal de 1988).
Por tal motivo, combate-se o abuso do poder econômico (por exemplo, proibindo doações ilegais e a mobilizações de estruturas a favor de um dado candidato) e o abuso do poder político (como ocorre quando um candidato que busca a reeleição usa o cargo exercido e a máquina do Estado, em sua campanha).
O caso Jovem Pan é significativo. Embora se cuide de tradicional empresa de comunicação, é público e notório que decidiu posicionar-se de forma clara a favor de um dos candidatos, não apenas pelo teor de seus conteúdos produzidos, mas pela própria ausência de diversidade de opinião política entre seus profissionais que comentam sobre a política brasileira.
Tal fato não constitui novidade. Qualquer empresa de comunicação pode aderir a linhas políticas e de pensamento que desejar. Casos conhecidos podem ser lembrados, em sentidos opostos, como a conservadora Fox News e, de outro lado, o The New York Times, mais progressista, ambos nos Estados Unidos.
A violação à lei eleitoral ocorre na medida em que a estrutura é colocada à disposição da campanha de uma candidatura qualquer, ainda que informalmente, reproduzindo informações falsas que possuem o condão de impactar sobre a livre decisão do eleitorado.
A menção, a título de exemplo, às alegações de que um dos candidatos é corrupto e não é inocente pela prática de tal crime, quando se sabe que seus processos foram anulados pela Suprema Corte do país exatamente porque sua condenação não foi proferida por um julgador imparcial mas, ao contrário, por ex-magistrado que pouco tempo após a citada condenação passou a exercer cargo político no governo opositor, inclusive assumindo posição de coach do candidato opositor durante debate transmitido em cadeia nacional, não pode ser admitida pela lei eleitoral, uma vez que, além de inverídica, possui o claro objetivo de manipular a vontade dos eleitores, com base em fatos inverídicos, dentre outros exemplos.
Assim, as imposições à empresa Jovem Pan não nos parecem exemplo de censura, uma vez que as determinações pela Justiça Eleitoral foram decididas após a ocorrência das veiculações para o público.
Poderia ser considerada censura caso fosse imposto previamente à empresa a proibição de veicular e debater temas determinados, pressupondo-se que a lei seria violada pela empresa, o que não é o caso.
A própria Constituição brasileira impõe a não admissibilidade de abuso de poder econômico ou político, em campanhas eleitorais. O abuso do poder econômico é caraterizado pela mobilização excessiva de recursos financeiros, econômicos ou patrimoniais, antes ou durante a campanha eleitoral, com o intuito de beneficiar certo candidato, partido ou coligação e, com isso, manipular a normalidade e a legitimidade das eleições.
O emprego de dinheiro pode também configurar abuso de poder econômico, ainda que por meio de distintas técnicas, como o auxílio financeiro direto a partidos políticos e candidaturas, ao que se soma a manipulação da opinião pública, da vontade dos eleitores mediante utilização de propagandas subliminares.
Na medida em que uma empresa de comunicação passa a atuar em favor de determinada candidatura com violação a tais regras, durante uma campanha eleitoral, passa a ocupar a posição de instrumento efetivo de propaganda eleitoral em prol de seu candidato de preferência, configurando violação às regras constitucionais e legais, afastando-se de suas finalidades legais e institucionais.
Não há, assim, que se falar em censura.
Na realidade, cuida-se de jurisprudência já conhecida, da Justiça Eleitoral que define o abuso do poder econômico como aquele que, em matéria eleitoral, se refere à utilização excessiva, antes ou durante a campanha eleitoral, de recursos materiais ou humanos que representem valor econômico, buscando beneficiar candidato, partido ou coligação, afetando assim a normalidade e a legitimidade das eleições. (AgRgRESPE nº 25.906, de 09.08.2007 e AgRgRESPE nº 25.652, de 31.10.2006).
O voto direto, secreto, universal e periódico é direito humano fundamental sagrado para o regime democrático, não se admitindo sua manipulação, conquista secular do povo brasileiro por meio de seu sistema eleitoral, hoje indiscutivelmente o melhor do mundo.