Carlos Affonso Souza

“Por que fiscais podem retirar propagandas do meio das ruas, faixas e cartazes, e nós não podemos combater as fake news? Que desânimo é esse?” – <a href="https://epocanegocios.globo.com/Brasil/noticia/2018/06/tse-negocia-acordo-com-facebook-e-google-para-retirada-de-fake-news-diz-fux.html" target="_blank" rel="noopener">perguntou</a> o ministro Luiz Fux, presidente do TSE, em seminário ocorrido na semana passada.
O pronunciamento veio em uma semana em que o próprio ministro já havia <a href="https://oglobo.globo.com/brasil/tse-negocia-acordo-com-facebook-google-para-retirada-de-fake-news-diz-fux-22805933" target="_blank" rel="noopener">declarado</a> que o Tribunal está mantendo conversas com algumas das principais plataformas online, como Google e Facebook, para celebrar um acordo visando à remoção facilitada de conteúdo ilícito. “Nossa negociação é se isso ocorreria somente com decisão judicial ou se também com o poder de polícia da Justiça Eleitoral.” – afirmou.
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Essa dúvida pode significar muito para o futuro dos debates que tomarão as redes sociais no período eleitoral. De um lado, está a hipótese de um acordo entre a Justiça Eleitoral e os provedores através do qual os mesmos se comprometam a cumprir as decisões, decorrentes de processos judicias, que venham a ordenar a remoção de conteúdos publicados por seus usuários.
De outro lado, por meio da aplicação do poder de polícia, está uma situação que pode gerar mais controvérsias do que soluções: trata-se da implementação na Internet da mesma dinâmica que permite que fiscais, ao encontrarem faixas, cartazes e outras formas de propaganda irregular na rua, possam determinar a sua remoção. A imagem foi inclusive aludida pelo próprio ministro.
A definição legal geralmente lembrada sobre o que seria o poder de polícia é aquela constante do artigo 78 do Código Tributário Nacional. Segundo o referido dispositivo do CTN: “Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.”
Essa característica tão peculiar da atuação da Administração Pública encontra limites. É justamente nessa direção que o parágrafo único do mesmo artigo 78 do CTN logo vem esclarecer que: “Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder.”
Como esse poder é então exercido pela Justiça Eleitoral? Se, por um lado, a imagem de um fiscal retirando “propagandas do meio da rua” parece ser de fácil compreensão, a equação complica quando se trata de conteúdos que expressam ideias e opiniões. Como saber se o conteúdo é realmente ilícito e agir com a celeridade necessária para evitar danos?
É aqui que o exercício do poder de polícia da Justiça Eleitoral entra em cena no combate às chamadas notícias falsas (ou fake news) na Internet. Estaria o TSE caminhando para a celebração de um acordo com as plataformas cujos termos permitiriam que fiscais pudessem solicitar a remoção de conteúdos da rede como se fossem cartazes irregulares no meio da rua?
No Congresso Brasileiro de Direito Eleitoral, <a href="https://oglobo.globo.com/brasil/tse-exercera-poder-de-policia-contra-fake-news-diz-fux-22786652" target="_blank" rel="noopener">afirmou</a> o ministro que “na tutela legal muito expressiva, que é a punição por propaganda sabidamente inverídica, o TSE não vai agir só no plano judicial, vamos exercer poder de polícia no caso de notícias sabidamente inverídicas que causam dano irreparável a alguma candidatura.”
A <a href="http://www.justicaeleitoral.jus.br/arquivos/resolucao-23551-nova" target="_blank" rel="noopener">Resolução</a> nº 23.551, do TSE, ao dispor sobre propaganda e condutas ilícitas na campanha eleitoral, determina em seu artigo 103 que: “A propaganda exercida nos termos da legislação eleitoral não poderá ser objeto de multa nem cerceada sob alegação do exercício do poder de polícia ou de violação de postura municipal, casos em que se deve proceder na forma prevista no art. 40 da Lei nº 9.504/1997 (Lei nº 9.504/1997, art. 41, caput).”
O parágrafo segundo do mesmo dispositivo alerta para o fato de que: “O poder de polícia se restringe às providências necessárias para inibir práticas ilegais, vedada a censura prévia sobre o teor dos programas e matérias jornalísticas a serem exibidos na televisão, no rádio, na internet e na imprensa escrita (Lei nº 9.504/1997, art. 41, § 2º).”
Dessa forma, a própria Resolução do TSE proíbe que o exercício do poder de polícia seja convertido em mecanismo de censura prévia sobre conteúdo jornalístico divulgado na Internet. Além do debate sobre o que seriam “programas” e “matérias jornalísticas”, existe uma preocupação genuína sobre como o Tribunal poderia atuar com o poder de polícia para remover conteúdos que ele apontasse como sendo fake news.
Se mesmo a recente decisão judicial que determinou a exclusão de notícias sobre a pré-candidata Marina Silva não passou isenta de <a href="https://www.jota.info/coberturas-especiais/liberdade-de-expressao/eleicoes-batalha-para-remover-conteudo-negativo-da-internet-ja-comecou-21062018" target="_blank" rel="noopener">controvérsias</a>, é possível imaginar os debates que o manejo direto do poder de polícia não poderia ocasionar no combate contra as reputadas notícias falsas.
Pode-se concordar ou não com os termos da <a href="https://www.jota.info/eleicoes-2018/tse-determina-exclusao-fake-news-marina-silva-07062018" target="_blank" rel="noopener">decisão</a> do ministro Sérgio Banhos, do TSE, ao determinar a remoção dos conteúdos sobre a pré-candidata, mas a sua fundamentação é por todos conhecida, ponderando sobre os pedidos feitos pela parte autora (julgando alguns procedentes e outros não), e assim sujeitando-se ao regime de transparência que pauta a atuação da Justiça Eleitoral.
Será que um acordo entre TSE e provedores para o exercício do poder de polícia conseguiria garantir transparência sobre o que se imputou como sendo notícia falsa, ao mesmo tempo em que permitiria equilíbrio com os demais direitos envolvidos, sobretudo com a liberdade de expressão?
Como esse acordo seria implementado? Teria o TSE um status especial no contato direto com as plataformas para notificar conteúdos como sendo notícias falsas? Assim que receber a notificação especial do TSE deveriam os provedores remover de imediato o conteúdo? Esse mecanismo se por um lado parece conferir agilidade ao combate contra as supostas notícias falsas, por outro pode representar uma grave fragilização da transparência e do respeito a outros direitos fundamentais.
Vale lembrar que, ao se debruçar sobre o tema da remoção de conteúdos na Internet, o próprio TSE aprovou na Resolução nº 23.551 um procedimento que permite conferir agilidade na exclusão de materiais ilícitos quando determinado pela Justiça Eleitoral. Segundo o artigo 33 da referida Resolução:
“Art. 33. A atuação da Justiça Eleitoral em relação a conteúdos divulgados na internet deve ser realizada com a menor interferência possível no debate democrático (Lei no 9.504/1997, art. 57-J). 
§ 1° Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, as ordens judiciais de remoção de conteúdo divulgado na internet serão limitadas às hipóteses em que, mediante decisão fundamentada, sejam constatadas violações às regras eleitorais ou ofensas a direitos de pessoas que participam do processo eleitoral. 
(...) § 3° A ordem judicial que determinar a remoção de conteúdo divulgado na internet fixará prazo razoável para o cumprimento, não inferior a 24 (vinte e quatro) horas, e deverá conter, sob pena de nulidade, a URL do conteúdo específico. 
§ 4° Em circunstâncias excepcionais devidamente justificadas, o prazo de que trata o parágrafo anterior poderá ser reduzido. 
§ 5° O provedor responsável pela aplicação de internet em que hospedado o material deverá promover a sua remoção dentro do prazo razoável assinalado, sob pena de arcar com as sanções aplicáveis à espécie. 
§ 6° Findo o período eleitoral, as ordens judiciais de remoção de conteúdo da internet deixarão de produzir efeitos, cabendo à parte interessada requerer a remoção do conteúdo por meio de ação judicial autônoma perante a Justiça Comum.”
Essa dinâmica prevista na Resolução em muito se assemelha àquela disposta no artigo 19 do Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014), com as adaptações devidas ao processo eleitoral.
Dessa forma, fica aqui a ponderação sobre a oportunidade de se celebrar um acordo entre TSE e provedores de aplicações (como Google e Facebook) para instrumentalizar o poder de polícia no combate às notícias falsas na Internet. A tutela da liberdade de expressão e a maior transparência dos atos do Poder Público podem sofrer um revés ao se criar um canal privilegiado e menos transparente para a remoção de conteúdos tão sensíveis e controvertidos como as chamadas fake news.
Não se nega a importância do combate às notícias falsas. Todavia, a urgência em se criar soluções novas nessa frente parece reproduzir a insistência de alguns em se aprovar uma legislação que criminalize a criação e a difusão de fake news. Como se sabe, o Código Eleitoral, em seu artigo 323, já criminaliza a prática de “divulgar, na propaganda, fatos que sabe inverídicos, em relação a partidos ou candidatos e capazes de exercerem influência perante o eleitorado.” E os artigos a seguir já tratam de calúnia, difamação e injúria na campanha eleitoral. Eles poderiam servir para apenar quem cria e difunde notícias falsas, conforme o próprio Ministro Fux já <a href="https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/fux-diz-que-justica-vai-remover-imediatamente-fake-news.ghtml" target="_blank" rel="noopener">indicou</a>.
Ainda que se compreenda as peculiaridades do poder de polícia, que demanda rapidez na remoção de conteúdos apontados irregulares, parece melhor apostar na dinâmica constante da própria Resolução nº 23.551, que foi fruto de consultas e audiências públicas, e parece direcionar melhor a ponderação entre direitos envolvidos no debate sobre conteúdos ilícitos (sejam eles quais forem, inclusive as chamadas notícias falsas).
A criação de novo mecanismo, em acordo com os provedores, criaria uma excepcionalidade repleta de controvérsias às vésperas de começar aquela que será, com certeza, a mais digital das eleições.

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JOTA

Como seria um acordo entre TSE e provedores para o exercício do poder de polícia?

Fake news e o poder de polícia da Justiça Eleitoral

Como seria um acordo entre TSE e provedores para o exercício do poder de polícia?