Redação JOTA

A polêmica política mais quente deste verão na França é o combate às “fake news”, com base em legislação que o presidente Emmanuel Macron pretende ver aprovada pela Assembleia Nacional, ainda no mês de julho, com o apoio do seu partido majoritário, o LREM (La République em Marche). Há duas semanas, noite adentro, começaram a ser debatidas algumas das mais de duas centenas de emendas propostas aos dois projetos de lei.
Os dispositivos legais em questão não tratam propriamente de “informação falsa”, mas sim de “manipulação da informação”, assim considerada “toda alegação ou imputação de um fato desprovido de elementos verificáveis de modo a torná-la verossímil” (“toute allégation ou imputation d'un fait dépourvue d'éléments verifiables de nature à la rendre vraisemblable”).
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As proposições em debate no parlamento francês referem-se, principalmente, à disseminação das chamadas “fake news” nos períodos de eleições (presidencial, legislativas, senatoriais) e em referendos nacionais. E dispõem que candidatos, partidos e associações poderão acionar o “juge des referés” para que faça cessar a difusão de notícias falsificadas durante os três meses que precedem tais pleitos.
O “juge des referés” - um juiz de primeiro grau competente para decidir em caráter liminar – poderá, num prazo de 48 horas, exigir a retirada ou o bloqueio do conteúdo considerado ilícito pelos provedores e fornecedores de acesso à internet. Todos os conteúdos estariam sujeitos a exame judicial, à exceção dos de caráter humorístico ou satírico. Aos responsabilizados pela disseminação de “fake news” seriam cominadas penas de um ano de prisão e de multa de 75 mil euros.
No site En Marche, do partido do presidente Macron, tido como conservador-liberal, lê-se uma defesa da legislação anti-“fake news” como necessária para “impedir a difusão massiva (maciça em bom português) de notícias falsas propagadas pelas plataformas digitais, antes e durante as eleições, visando a influenciar os seus resultados”. Além de assumirem uma “obrigação de transparência”, as plataformas como Google, Facebook e Twitter “deverão assinalar os conteúdos patrocinados, publicando os nomes dos autores e as somas pagas”.
Quanto à qualificação pelo juiz da fausse nouvelle, deverão ser respeitados três critérios básicos: “A notícia falsa deve ser manifesta; difundida massivamente (maciçamente), de maneira artificial; e prejudicial à paz pública ou à sinceridade de um escrutínio”.
O partido do presidente da França não esconde a sua preocupação com a proliferação de “fake news” que possam gerar graves prejuízos no plano das políticas interna e externa: “Durante a campanha presidencial francesa de 2017 pudemos ler ou ouvir um grande número de informações falsas, visando a descredibilizar os candidatos à eleição. Sites de extrema direita divulgaram a informação segundo a qual Emmanuel Macron estaria até propenso a instaurar a 'charia' (lei canônica islâmica) em Mayotte (departamento insular francês no oceano Índico). Viu-se o mesmo fenômeno perturbar escrutínios tão importantes como a eleição americana, o referendo britânico sobre o Brexit, assim como o referendo catalão”.
Mas o presidente Macron e o seu partido majoritário estão sofrendo um cerrado contra-ataque não só por parte dos órgãos mais representativos da imprensa (Le Monde, Le Figaro), mas também dos partidos mais extremados, tanto à gauche como à droite.
Para Marine Le Pen, líder da chamada extrema direita, o projeto de lei é “liberticida”. Christian Jacob, presidente do grupo Les Republicains, fala de uma tentativa de se instaurar a “polícia do pensamento, aquilo que Macron considera como sendo o bem ou o mal”. A líder dos comunistas, deputada Elsa Faucillon, considera a proposta do LREM uma tentativa de se “instaurar a idéia de uma verdade oficial”. O líder dos Insoumis (partido também à esquerda), Jean-Luc Mélenchon, tacha a iniciativa de Macron de “grosseira tentativa de controle da informação”.
Mas há ainda a considerar avaliações de intelectuais, fora das arenas políticas, que analisam a questão das “fake news” com distanciamento e sem paixão. Muito pelo contrário.
E este é o caso de Sebastian Dieguez, especialista em neuropsicologia no Laboratório das Ciências Cognitivas e Neurológicas da Universidade de Friburgo, Suíça. E é dele o trecho que se segue, de um artigo publicado pelo jornal Le Monde (7/6/2018):
“Para melhor compreender o que esta lei revela no contexto francês, é útil que se tenha um pouco de distanciamento, e se veja como os suíços, esses vizinhos tão discretos, têm lutado contra a desinformação deliberada. A questão foi posta, pela primeira vez, em 9 de outubro de 2013, quando se tratou de discutir um 'quadro jurídico para as mídias sociais'.
Um relatório adotado pelo Conselho Federal concluiu então que não se sabia ainda o suficiente para regulamentar a questão. Três anos e meio depois, em 10 de maio de 2017, um novo relatório foi então apresentado. Sua conclusão? Nada.
Este segundo relatório anotou, no entanto, a proliferação internacional de 'fake news', sua automatização constante e o seu 'risco de influência' (…) sobre a formação democrática da opinião'. Mas concluiu, novamente, que 'por falta de perspectiva, não é possível afirmar-se, no momento, em que medida uma regulamentação estatal é necessária”.
Voltando à França, é nesta linha que se posiciona Dominque Reynié, professor de ciência política e diretor-geral da Fondation pour L'Innovation Politique (Fondapol). Depois de lembrar que o delito de “notícia falsa” já está na legislação penal comum francesa, desde o século XIX (1881), ele afirma: “Já existe uma profissão, a dos jornalistas, cujo trabalho é, precisamente, invalidar as falsas notícias. Não é ao Estado que cabe a decisão sobre o que é ou não falso”.

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JOTA

Para professor de ciência política, não é ao Estado que cabe a decisão sobre o que é ou não falso

Fake news, a polêmica quente do verão na França

Para professor de ciência política, não é ao Estado que cabe a decisão sobre o que é ou não falso