André Gribel de Castro Minervino

Os clubes de futebol, em sua esmagadora maioria, acumulam dívidas e prejuízos para montar equipes imbatíveis, mas, “acabam colecionando títulos protestados em cartório”<a class="sdfootnoteanc" href="#sdfootnote1sym" name="sdfootnote1anc">1</a>.
Soma-se a isso que esta situação gera desequilíbrio desportivo, uma vez que se contratam atletas com recursos que deveriam ser destinados ao abatimento de dívidas trabalhistas, tributárias e previdenciárias.
A título de exemplo, o Professor Álvaro Melo Filho relata que “nos últimos 5 anos, os principais 24 clubes do Brasil tiveram seu faturamento acrescido em 122% e, no mesmo período, acumularam prejuízos de 1,5 bilhão. A equação tem, de um lado, o aumento de receitas, e, do outro, aumento bem maior de despesas dos clubes, pois gastam bem acima do que as receitas permitem”<a class="sdfootnoteanc" href="#sdfootnote2sym" name="sdfootnote2anc">2</a>.
Nesse cenário, vê-se como recomendável a implantação de normatividade que busque reestabelecer o equilíbrio financeiro e a igualdade de oportunidades desportivas, o que reverbera diretamente na paridade de armas da competição e na credibilidade da disputa futebolística. Trata- se de ferramenta que garante que as agremiações gastem racionalmente o que têm e que vivam dos seus próprios meios, sem lançarem mão de recursos futuros, como o adiantamento de cotas de TV.
Busca-se o surgimento de novos paradigmas gerenciais do futebol, possibilitando um modelo de governança responsável que reduza os riscos e incertezas da atividade. Nesse sentido, apresentam-se algumas modalidades de fair play financeiro.
O salary cap, aplicado pela National Basketball Association – NBA, trata-se de limitação do montante que pode ser gasto com salários com o fito de inibir grande disparidade técnica entre os disputantes.
No futebol, esse modelo é aplicado na Segunda Divisão Italiana. Lá, o regulamento da competição limitou, em 2013, o salário bruto do atleta a cento e cinquenta mil euros por temporada, aí incluídos valores com exploração de imagem, publicidade e quaisquer outros acordos. Escapam do escopo da norma os prêmios por desempenho desportivo, contratos anteriores ao novo regramento e aqueles de clubes promovidos ou rebaixados à Série B, em seu ano de entrada na divisão. A expectativa é que o salary cap resulte na economia de 25% das despesas correntes dos clubes italianos<a class="sdfootnoteanc" href="#sdfootnote3sym" name="sdfootnote3anc">3</a>.
Extrai-se daí que este instituto assegura a viabilidade e sustentabilidade financeira das equipes e impede o abuso de posições competitivas dominantes que afetam a incerteza dos resultados desportivos, elemento que atrai público e recursos financeiros.
A título de exemplo, quando o Sport Club Corinthians Paulista foi rebaixado para a Série B, em 2007, seu orçamento era comprometido em 85% com a sua equipe profissional de futebol. Enxugando sua folha de pagamento e ampliando a entrada de receitas com marketing, em 2012, as despesas com o time passaram a 63% do orçamento e, em campo, o clube foi campeão tanto da Libertadores da América quanto do Mundial de Clubes FIFA. Isso prova ser possível caminharem lado a lado os sucessos financeiro e desportivo<a class="sdfootnoteanc" href="#sdfootnote4sym" name="sdfootnote4anc">4</a>.
Outra importante ferramenta de fair play financeiro é o impedimento de contratação de novos atletas se o clube estiver com salários atrasados. Além de coibir o gasto desarrazoado, e descompromissado, com grandes estrelas do esporte, pretende-se evitar que atletas se encontrem em posição vulnerável à corrupção e à manipulação de resultados com o recebimento de “malas brancas e pretas”.
Nesse contexto, propõe-se a proibição de novos contratos para os clubes que, no ano imediatamente anterior, não tenham quitado todos débitos com seus jogadores e treinadores. Para alcançar esse fim, sugere-se a inserção de novo dispositivo na Lei Pelé, ou, em regulamento da competição nos seguintes termos:
Art. 90-H – Sem prejuízo de outras penalidades, somente poderá registrar novos contratos de trabalho desportivo profissional a entidade de prática desportiva que perante a respectiva entidade da administração comprove ter satisfeito ou garantido, integralmente, a quitação das remunerações e respectivos encargos decorrentes dos vigentes contratos de trabalho desportivo com seus atletas e treinadores, ou, daqueles concluídos na temporada imediatamente anterior<a class="sdfootnoteanc" href="#sdfootnote5sym" name="sdfootnote5anc">5</a>.
O Projeto de Lei 7.560/14, que pretende regular a profissão de treinador, apresenta no parágrafo 6º do artigo 6º previsão similar ao enunciar que “em caso de demissão de um treinador, outro treinador somente poderá ter seu contrato registrado na entidade de administração do esporte, caso tenha sido paga a cláusula de rompimento ou efetuado acordo neste sentido”.
Finalmente, de maneira mais incisiva, sugerem-se penalidades desportivas, uma vez que multas pecuniárias e execuções tem menor poder de influenciar na mudança de mentalidade da administração de clubes.
Penalidades desportivas colocam gestões indevidas como vidraça da mídia especializada e de torcedores, grupos que movimentam o espetáculo. O risco de perder pontos na competição, de rebaixar de divisão ou até mesmo de ser proibido de participar de torneios provocaria uma conduta mais proba dos dirigentes de clubes. Consequentemente, trocar-se-iam desequilíbrios financeiros por controle de gastos e austeridade.
Nessa linha, a Lei Zico, vigente até a promulgação da Lei Pelé, previa em seu artigo 30 que “o empregador ou associação desportiva que estiver com o pagamento de salários dos atletas em atraso, por período superior a 3 (três) meses, não poderá participar de qualquer competição oficial ou amistosa”.
Atualmente, o PL 7.650/14 enuncia no inciso IV de seu artigo 34 que, antes do início de cada temporada, “os clubes deverão comprovar à entidade de administração desportiva e às entidades de representação de cada categoria, o pagamento de toda a remuneração dos contratados, inclusive as verbas de exploração de imagem, do ano anterior, sob pena de rebaixamento de divisão em todas as competições que venha participar”.
Esse artigo se inspira na experiência da Federação Paulista de Futebol – FPF que introduziu, em seu regulamento, a previsão de perda de pontos ou rebaixamento pelo descumprimento de compromissos financeiros com seus atletas<a class="sdfootnoteanc" href="#sdfootnote6sym" name="sdfootnote6anc">6</a>.
O artigo 40 do Profut, num primeiro momento, alterou o Estatuto de Torcedor (Lei 10.671/03), prevendo como requisitos à participação em competições princípios e práticas de responsabilidade financeira, transparência e democracia de gestão para entidades desportivas profissionais de futebol.
Contudo, o Ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal – STF, lançando mão do artigo 217 da Carta Magna, concedeu liminar na ADI 5450, proposta pelo Partido Humanista da Solidariedade e pelo Sindicato Nacional das Associações de Futebol Profissional, para suspender os dispositivos que condicionavam a participação de times em campeonatos à comprovação de regularidade fiscal e trabalhista<a class="sdfootnoteanc" href="#sdfootnote7sym" name="sdfootnote7anc">7</a>.
Na Europa, a UEFA passou a impor o fair play financeiro em 2011. Lá, as equipes que se classificam para competições por ela organizadas têm de provar não terem dívidas em atraso em relação a clubes, jogadores ou governo local. A título de exemplo, o Málaga ficou proibido de participar de competições organizadas pela UEFA, por conta de dívidas e salários atrasados de jogadores, entre 2013 e 2017<a class="sdfootnoteanc" href="#sdfootnote8sym" name="sdfootnote8anc">8</a>.
Ademais, em 2013, incrementou-se o instituto com a criação do break-even, que impede que os clubes gastem mais do que ganham. Destaca-se que, na eventualidade de um proprietário injetar dinheiro no clube através de patrocínio com alguma empresa sua, a UEFA pode interferir para ajustar as receitas de patrocínio aos preços praticados em média por outros patrocinadores<a class="sdfootnoteanc" href="#sdfootnote9sym" name="sdfootnote9anc">9</a>.
Verifica-se assim que o intuito das várias ferramentas de fair play financeiro é propiciar gestões economicamente saudáveis e o equilíbrio competitivo, assim como a incerteza do resultado, necessários ao esporte.
Em respeito ao artigo 217 da Constituição Federal, a proposta de uma modalidade ou outra de fair play financeiro deve partir das entidades desportivas, as quais devem internalizar que quanto melhor o espetáculo (alta competitividade, incerteza do resultado e trabalhadores motivados) mais dinheiro arrecadarão e maiores prestígios terão.
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<div id="sdfootnote1">
<a class="sdfootnotesym" href="#sdfootnote1anc" name="sdfootnote1sym">1</a>MELO FILHO, Álvaro. Fair Play Financeiro e Relações de Trabalho Desportivo. In: Direito do Trabalho e Desporto. Leonardo Andreotti Paulo de Oliveira (Coord.). São Paulo; Quartier Latin, 2014, p. 27.
</div>
<div id="sdfootnote2">
<a class="sdfootnotesym" href="#sdfootnote2anc" name="sdfootnote2sym">2</a>Op. cit. p. 29.
</div>
<div id="sdfootnote3">
<a class="sdfootnotesym" href="#sdfootnote3anc" name="sdfootnote3sym">3</a>Op. cit. p. 36
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<div id="sdfootnote4">
<a class="sdfootnotesym" href="#sdfootnote4anc" name="sdfootnote4sym">4</a>Op cit. p. 37
</div>
<div id="sdfootnote5">
<a class="sdfootnotesym" href="#sdfootnote5anc" name="sdfootnote5sym">5</a>Op cit. p. 39
</div>
<div id="sdfootnote6">
<a class="sdfootnotesym" href="#sdfootnote6anc" name="sdfootnote6sym">6</a>http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=17B81EC1F0B9B629DA5E38C72EC4FB7E.proposicoesWebExterno2?codteor=1253187&amp;filename=PL+7560/2014, Acesso em 18.12.17
</div>
<div id="sdfootnote7">
<a class="sdfootnotesym" href="#sdfootnote7anc" name="sdfootnote7sym">7</a>http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=356015&amp;caixaBusca=N, Acesso em 18.12.17
</div>
<div id="sdfootnote8">
<a class="sdfootnotesym" href="#sdfootnote8anc" name="sdfootnote8sym">8</a>http://espn.uol.com.br/noticia/300113_uefa-poe-fair-play-financeiro-para-funcionar-e-exclui-malaga-e-outros-cinco-clubes-de-competicoes-europeias, Acesso em 18.12.17
</div>
<div id="sdfootnote9">
<a class="sdfootnotesym" href="#sdfootnote9anc" name="sdfootnote9sym">9</a>http://pt.uefa.com/community/news/newsid=2065454.html, Acesso em 18.12.17
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JOTA

Intuito das várias ferramentas de fair play financeiro é propiciar gestões economicamente saudáveis

Fair play financeiro no futebol

Intuito das várias ferramentas de fair play financeiro é propiciar gestões economicamente saudáveis