Felipe Recondo

Há um ano, o professor de Direito Civil e advogado Luiz Edson Fachin assumia o cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Seu nome foi indicado pela presidente Dilma Rousseff no mais longo processo de indicação e, certamente, um dos mais conturbados da história do Supremo. Mas sua verdadeira prova de fogo aconteceria no final do ano, mais precisamente no dia 16 de dezembro de 2015.
Fachin não era um candidato de primeira viagem. Seu nome foi lembrado em outros momentos – tanto no governo Lula, quanto na gestão Dilma Rousseff –, mas só passou pelo funil no ano passado. E foi o último nome a ser indicado pela presidente Dilma – o Congresso aprovaria depois da PEC da Bengala, aumentando para 75 anos a aposentadoria compulsória e, com isso, adiando em cinco anos as aposentadorias iminentes dos ministros Celso de Mello e Marco Aurélio Mello.
Dilma Rousseff demorou mais de nove meses para escolher Fachin. A vaga foi aberta no início de agosto de 2014, com a precoce aposentadoria do ministro Joaquim Barbosa. A indicação de Fachin não foi recebida com a passividade comum do Congresso neste processo. Seu nome foi enviado ao Senado por Dilma depois de um processo eleitoral conturbado do qual a petista saiu vencedora por pequena margem. O clima político, portanto, era de forte divisão. E Fachin havia pedido publicamente voto para Dilma Rousseff em 2010.
E o fato de o indicado trabalhar como procurador de Estado e ao mesmo tempo atuar na advocacia privada foi o pretexto para a ameaça real à indicação. Fachin recorreu às redes sociais e gravou vídeos para rebater as críticas à sua escolha, algo inédito neste processo que sempre foi de discrição e comedimento absoluto. No final das contas, fosse pelas explicações de Fachin, pela força do novo governo no Congresso, pelo receio de senadores de se indispor com um potencial ministro do Supremo ou pelo certo movimento inercial (cada vez menor) do Senado nos processos de indicação, o nome foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) – por 20 votos a 7 – e depois pelo plenário – 52 votos a 27.
Leia mais sobre a sabatina de Fachin: <a href="https://www.jota.info/leia-a-integra-da-exposicao-de-luiz-edson-fachin">A exposição de Fachin para o Senado</a>, <a href="https://www.google.com.br/url?sa=t&amp;rct=j&amp;q=&amp;esrc=s&amp;source=web&amp;cd=3&amp;cad=rja&amp;uact=8&amp;ved=0ahUKEwjr0oOww6zNAhXMMyYKHWxLBT4QFggnMAI&amp;url=http%3A%2F%2Fjota.info%2Facompanhe-a-sabatina-de-fachin-para-o-stf-na-ccj-do-senado&amp;usg=AFQjCNHmajvhOiF-fzPFp5uFM4wOpdb4RQ&amp;bvm=bv.124272578,d.eWE">Veja como foi a sabatina de Fachin na CCJ - JOTA</a>, <a href="https://www.google.com.br/url?sa=t&amp;rct=j&amp;q=&amp;esrc=s&amp;source=web&amp;cd=1&amp;cad=rja&amp;uact=8&amp;ved=0ahUKEwjB2JSDxKzNAhUDTSYKHdpMC00QFggcMAA&amp;url=http%3A%2F%2Fjota.info%2Ffachin-visto-por-um-de-seus-alunos&amp;usg=AFQjCNGWr6hG-sVJMnDDeCWbinah6EStHA&amp;bvm=bv.124272578,d.eWE">Fachin, visto por um de seus alunos - JOTA</a>.
Impeachment
O verdadeiro teste para Fachin chegou ao seu gabinete no dia 3 de dezembro do ano passado. A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 378 foi protocolada no STF pelo PC do B e contestava o rito do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff.
A legenda contestava as regras definidas pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e que provocaram a derrota do governo na eleição para a comissão especial do impeachment. A decisão do Supremo poderia embaraçar o processo de impedimento da presidente Dilma Rousseff ou pavimentar o caminho para seu afastamento.
Fachin pediu voto para Dilma em 2010, foi por ela indicada para o Supremo Tribunal Federal e agora o destino do governo estava em suas mãos. Era o que se imaginava naquele momento. Um pensamento comum, mas que, via de regra, tomba frente aos fatos.
Cinco dias depois de receber o processo, Fachin suspendeu o trâmite do impeachment até que o Supremo julgasse o pedido de liminar feito pelo PC do B. Despacho que foi interpretado por muitos, inclusive por ministros do STF, como interferência indevida do STF no processo político-jurídico do impeachment ou numa decisão interna corporis.
“Com o objetivo de (i) evitar a prática de atos que eventualmente poderão ser invalidados pelo Supremo Tribunal Federal, (ii) obstar aumento de instabilidade jurídica com profusão de medidas judiciais posteriores e pontuais, e (iii) apresentar respostas céleres aos questionamentos suscitados, impende promover, de imediato, debate e deliberação pelo Tribunal Pleno, determinando, nesse curto interregno, a suspensão da formação e a não instalação da Comissão Especial, bem como a suspensão dos eventuais prazos, inclusive aqueles, em tese, em curso, preservando-se, ao menos até a decisão do Supremo Tribunal Federal prevista para 16/12/2015, todos os atos até este momento praticados”, decidiu.
Depois dessa decisão, Fachin afirmou que, em seu voto, definiria um rito para o processo de impeachment. Indicava, com isso, que poderia fazer alterações no que foi estipulado pelo presidente da Câmara.
"Eu vou propor, em relação ao exame da constitucionalidade, e da recepção, no todo ou em parte, da lei de 1950, um rito que vai do começo até o final do julgamento do Senado. É isso que trarei na proposta de voto na quarta-feira", afirmou.
Emissários do governo e partes envolvidas no processo despacharam com Fachin. Levaram argumentos a favor da ADPF e saíram das conversas, inclusive em Curitiba, com a nítida sensação de que o ministro votaria favoravelmente aos interesses do governo. Porém, no dia 16 de dezembro, para surpresa de integrantes do governo Dilma, Fachin votou por indeferir os pedidos feitos pelo PC do B, mantendo basicamente o rito do impeachment definido por Eduardo Cunha.
A sessão de julgamento foi suspensa após seu voto e seria retomada apenas no dia seguinte. Nesse ínterim, o governo buscou argumentos extrajurídicos (psicológicos, talvez) para tentar desqualificar a posição de Fachin e amenizar a surpresa com o voto. Disseram que o ministro rendeu-se à pressão da opinião pública (houve, por exemplo, manifestações no Paraná contra a decisão que suspendeu o processo de impeachment). Outros afirmaram que o ministro, com aquele voto, buscava seu “grito de independência”, uma forma de deixar claro que não devia favores à presidente que o indicou.
No dia seguinte, o ministro Luís Roberto Barroso abriu a divergência e foi seguido pela maioria do plenário da Corte. O impeachment dava um passo atrás. E Cunha teria de seguir o rito do processo definido pelo STF com base no procedimento seguido no julgamento do ex-presidente Fernando Collor, em 1992.
Fachinês
Ao menos quatro características são perceptíveis na atuação de Fachin neste primeiro ano. A primeira delas é a deferência do ministro à jurisprudência da Corte. Já na sua sabatina na CCJ do Senado, Fachin havia dito que trabalharia sempre em prol da estabilização da jurisprudência da Corte.
Também é perceptível a preocupação do ministro  – e ele disse isso antes mesmo de assumir o cargo – de levar a plenário casos que saíssem do eixo tradicional de poder e cuidassem de temas que afetavam a vida de agricultoras do interior do País. Como no RE 718.874, em que o tribunal discutirá se é inconstitucional a contribuição social (Funrural) recolhida pelo empregador rural (pessoa física) incidente sobre a receita bruta proveniente da comercialização de sua produção.
Outro ponto perceptível na forma de atuação de Fachin é a disposição em ouvir as partes numa espécie de audiência prévia. Foi o que promoveu quando recebeu para relatar a disputa sobre a repactuação de dívidas dos estados com a União. Não é precisamente uma audiência pública, convocada por outros ministros para ouvir diversas partes interessadas no tema e que, em vários casos, acaba servindo para postergar o julgamento do caso.
O ministro Fachin reuniu os governadores dos estados e o ministro da Fazenda para ouvir os argumentos de lado a lado. Somente depois levou o processo a plenário. Nesse mesmo sentido, demonstrou que não se encastela para decidir este ou aquele tema técnico. Depois de conceder liminar monocrática, autorizando a distribuição da chamada pílula do câncer, Fachin recebeu especialistas em seu gabinete para ouvir opiniões técnicas. E defendeu que a Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa), Ministério da Saúde e sociedade civil chegassem a um consenso. “Nós precisamos dialogar com eles em temas controvertidos e multidisciplinares como esse”, disse Fachin na época.
E um terceiro fator – já ironizado pelo próprio ministro em plenário – é o linguajar rebuscado que usa em seus votos, as ordens indiretas, frases intercaladas e palavras nem sempre usuais de que se vale em seus votos. Uma língua própria, já disseram alguns ministros, o Fachinês.
Em alguns casos, como ocorreu no julgamento sobre as dívidas dos estados, o voto de Fachin deixou mais dúvidas do que respostas e confundiu alguns integrantes da Corte.
Casos
A chegada de Fachin ao Supremo permitiria a retomada do julgamento dos planos econômicos e correção a menor das cadernetas de poupança. Com três ministros suspeitos de julgar o caso – Cármen Lúcia, Luiz Fux e Luís Roberto Barroso –, Fachin daria quórum para a decisão dos processos de maior repercussão no STF (aproximadamente 973 mil processos sobre este mesmo assunto aguardam a posição definitiva do Supremo). Entretanto, ele também se declarou suspeito, o que deixou o Supremo novamente sem solução regimental.
Desde então, alguns movimentos podem solucionar esse imbróglio. O pai da ministra Cármen Lúcia, que tinha processo da Justiça e que era a justificativa da ministra para não participar do julgamento, desistiu da ação. O escritório do advogado Sérgio Bermudes deixou formalmente o caso, o que poderia permitir que Luiz Fux julgasse os recursos.
Leia alguns dos votos proferidos pelo ministro ao longo de um ano:
- Votou pela descriminalização do porte de maconha (e por enquanto somente de maconha) para consumo pessoal: <a href="%22">https://www.jota.info/leia-a-integra-do-voto-do-ministro-fachin-sobre-descriminalizacao-das-drogas</a>
- Votou pela revogação das liminares concedidas aos estados e que permitiram aos governos locais recalcularem as dívidas que tinham com a união (MS 34.023, 34.110, 34.122): <a href="https://www.jota.info/stf-suspende-julgamento-sobre-divida-dos-estados-por-60-dias">STF suspende julgamento sobre dívida dos estados por 60 dias</a>
- Votou pela manutenção do rito definido pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha, para o impeachment da presidente Dilma Rousseff: <a href="https://www.jota.info/leia-a-integra-do-voto-de-fachin-no-processo-de-impeachment-contra-dilma">Leia a íntegra do voto de Fachin no processo de impeachment contra Dilma</a>
- Votou pela constitucionalidade das normas do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015) que estabelecem a obrigatoriedade de escolas privadas matricularem - sem custos adicionais - crianças com deficiência no ensino regular: <a href="https://www.jota.info/fachin-vota-pela-constitucionalidade-estatuto-da-pessoa-com-deficiencia">Fachin vota pela constitucionalidade do Estatuto da Pessoa com Deficiência</a>
- Votou pela possibilidade de execução da pena após condenação em segunda instância, decisão reforçada em decisão desta semana. <a href="http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoPeca.asp?id=309736774&amp;tipoApp=.pdf">Decisão monocrática</a>

Fachin

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JOTA

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