Flávio de Leão Bastos Pereira

O governo que se despede aprovou, há cerca de quinze dias de seu término, decreto que flexibiliza a exploração da madeira em terras indígenas, inclusive por “não-indígenas”. A justificativa é de que os próprios indígenas desejavam tal disciplinamento legal para fomentar suas economias, ganhando assim maior autonomia e a possibilidade de aumentarem sua renda de forma “sustentável”, justificativas absolutamente questionáveis. 
Sob o eufemismo da expressão “manejo florestal sustentável”, a medida foi assinada pelos presidentes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e da Fundação Nacional do Índio (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/funai">Funai</a>).  
A norma aprovada autoriza a exploração por organizações de composição mista (entidades com a participação de não-indígenas), passando a vigorar em trinta dias de sua aprovação. 
Em que pese a possibilidade do governo que assume em 1º de janeiro poder revogar esta, dentre outras medidas normativas anti-indígenas aprovadas nos últimos quatro anos, cabe destacar, à luz do Direito Constitucional, mais esta medida que afronta normas internacionais e normas brasileiras, fundamentais. 
O sistema constitucional brasileiro estruturou como espinha dorsal para as políticas públicas indigenistas o reconhecimento da multiculturalidade como premissa para a concepção das referidas políticas. 
Poderíamos ter avançado mais durante a Constituinte.  
Durante os debates, propôs-se mesmo que a “multiculturalidade” compusesse o rol de fundamentos da República brasileira, constantes do artigo 1º da Constituição Federal de 1988, afinal rejeitada tal proposição sob um infundado receio de criação de territórios reconhecidos para além-fronteiras brasileiras e como ameaça à soberania do país, ainda hoje argumento estapafúrdio, mas utilizado por correntes anti-indígenas. 
Entretanto, referida consagração do reconhecimento das culturas indígenas e de outras componentes do processo civilizatório brasileiro restou inserida no texto de 1988 no §1° do artigo 215 da Constituição, bem como por força do conjunto de garantias e prerrogativas presentes no artigo 231 da mesma Constituição. 
Some-se a tal estruturação fundamental a constatação de que o sistema constitucional brasileiro é marcadamente “aberto”, vale dizer, dialoga com outras fontes, como, por exemplo, os tratados internacionais de direitos humanos aos quais tenha aderido. Sob tal contexto, exemplificamos com a Convenção n° 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que vigora como norma supralegal e, a considerar a vigência do princípio pro-homine, em nosso entender (minoritário, é verdade), como norma que pode prevalecer em âmbito constitucional. 
Diante dos argumentos acima, a aprovação da regularização de exploração de madeira em terras indígenas, inclusive por entidades não-indígenas, viola claramente a Constituição da República de 1988, nos artigos mencionados, uma vez que é nulo de pleno direito qualquer ato de disposição de terras indígenas (alienação; arrendamento; apossamento etc.), inclusive por violar a posse e o usufruto perenes, garantias das quais se revestem as Terras Indígenas, ao que se soma o fato de que a decisão governamental sob comento padece de outro vício insanável, já que não consultou previamente os próprios povos originários diretamente impactados pela aprovação da mencionada norma.  
O artigo 6º da Convenção n° 169 da OIT determina que os governos deverão consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados e, particularmente, através de suas instituições representativas, cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente. E, não basta a consulta, sendo também necessária a concordância por parte de tais povos.  
Recorde-se que são nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, o que não existe no caso presente. 
Do ponto de vista da sustentabilidade, referida normas amplia os riscos de destruição dos biomas brasileiros, melhor preservados quando se trata de povos indígenas, seus verdadeiros guardiões. 
Portanto, o novo governo poderá revogar tal decisão, por meio de Decreto, até por sua flagrante inconstitucionalidade e inconvencionalidade. 
A preservação das terras indígenas constitui base fundamental para preservação das culturas originárias e ancestrais do Brasil, bem como para a preservação das florestas e biomas brasileiros.

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JOTA

A preservação das terras indígenas constitui base fundamental para preservação das culturas originárias

Exploração de madeira em terras indígenas &#8211; inconstitucionalidade e inconvencionalidade

Exploração de madeira em terras indígenas - inconstitucionalidade e inconvencionalidade

A preservação das terras indígenas constitui base fundamental para preservação das culturas originárias e ancestrais do Brasil