Novo CPC

Exibição de documentos em caráter antecedente: o STJ aceita apenas uma via

Processo não é fim em si mesmo. Extinguir sem julgamento de mérito não resolve nada

Diretrizes Algorítmicas como possível revés aos ruídos decisórios
Crédito: Pixabay

A exibição de documentos, sob a égide do Código de 1973, dava-se por duas vias distintas. A primeira era a chamada “ação cautelar de exibição de documentos”, procedimento cautelar típico regulado pelo artigo 844, II. A segunda era o requerimento, formulado incidentalmente ao processo, com base nos artigos 355 e seguintes.

As duas técnicas tinham finalidades e requisitos distintos. A ação cautelar servia a aquele que pretendia obter documento, por si só, independentemente da necessidade de ajuizamento de ação futura. Muitas vezes, a avaliação quanto à pertinência de futura demanda principal dependia, exatamente, da prévia análise do conteúdo desse documento.

O requerimento incidental, por sua vez, justificava-se como meio de prova em demanda principal já proposta. A parte visava obter documento para demonstrar seu fato constitutivo (se autor) ou mesmo extintivo, impeditivo ou modificativo (se réu).

Apenas no requerimento incidental a negativa na apresentação do documento poderia gerar presunção, em favor da parte que requereu a exibição. Dizia o artigo 359: “Ao decidir o pedido, o juiz admitirá como verdadeiros os fatos que, por meio do documento ou da coisa, a parte pretendia provar: I – se o requerido não efetuar a exibição, nem fizer qualquer declaração no prazo do art. 357; II – se a recusa for havida por ilegítima”.

No Código vigente, a exibição incidental foi mantida, conforme redação do artigo 396 e seguintes.1 O requerimento incidental é feito na inicial ou no curso de processo pendente, e tem da finalidade de provar fato relevante para a causa, além de permitir a produção de presunções processuais contra aquele que se recusa indevidamente a apresentá-lo. Exatamente como antes.

Ocorre que a ação cautelar de exibição de documentos, como o processo, e toda e qualquer ação cautelar, desapareceu do regime do Código de Processo Civil de 2015. E mais gravemente, o Código, de modo expresso, trata apenas do requerimento incidental de exibição de documentos, sem prever especificamente nenhuma técnica destinada ao requerimento anterior ao surgimento do processo. Então, como fazê-lo?

A via da ação de produção antecipada de provas parece servir, para tanto, como uma luva.2 Há manifestação do Superior Tribunal de Justiça a este respeito, reconhecendo que a exibição de documentos, requerida de modo antecedente, deve seguir o procedimento do artigo 381 a 383 do vigente Código de Processo Civil.3

A finalidade meramente probatória, a impossibilidade de discussão do mérito da pretensão da parte, a simplificação do procedimento e do contraditório, relativas a este procedimento, mostram total adequação ao pleito de mera exibição de documentos.

Há indicativo de que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça pode seguir esse caminho. Ocorre que, aí, há um agravante: o risco de não se aceitar nenhuma outra via processual, senão a ação de produção antecipada de provas, para a exibição de documentos, em caráter antecedente (antes do eventual ajuizamento da demanda). Vejamos trecho decisório4:

No Código de Processo Civil anterior, a exibição de documentos era veiculada por meio de medida cautelar, no entanto, com o advento do Código de Processo Civil de 2015, a providência almejada pelo apelante deve ser deduzida nos termos dos artigos 381 a 383 cumulados com os artigos 396 a 404 de referido diploma legal. De fato, o Código de Processo Civil aboliu o procedimento cautelar autônomo para a exibição de documento ou coisa (arts. 844 e 845 do CPC/1973). Porém, ainda se revela possível a postulação da medida em caráter preparatório, observando-se o rito da produção antecipada da prova, previsto nos arts. 381 a 383, em conjunto, no que couber, com as disposições dos arts. 396 a 404, todos do CPC/2015. O art. 381, III, desse diploma permite a produção antecipada da prova nos casos em que o prévio conhecimento dos fatos possa justificar ou evitar o ajuizamento de ação. […]. Na hipótese dos autos, o que a apelante busca de fato é a produção antecipada da prova, consistente na entrega de documentos, para que posteriormente possa avaliar a estratégia que irá adotar em relação ao débito apontado pela apelada. Sob esse prisma, carece a autora, portanto, de interesse de agir, pois não verificada a necessidade da propositura da presente cautelar de exibição. Acrescente-se que a inadequação da via eleita não comporta retificação ou emenda por ser vício insanável. Com efeito, de rigor a extinção do processo sem resolução do mérito, por falta de interesse de agir, nos termos do artigo 485, inciso VI, do CPC.

O entendimento é perigoso. Não apenas ignora norma fundamental do CPC/2015, referente ao predomínio da análise de mérito (CPC, art. 6º e 317), como também a circunstância de o Código não ser expresso a respeito do tema.

Não há dúvidas de que a técnica referente ao procedimento da produção antecipada de provas se mostra adequado a suceder, na cronologia das técnicas processuais, a ação cautelar de exibição de documentos. No entanto, mostra-se exageradamente prematuro refutar a possibilidade de uso do procedimento comum para a tutela desse direito, tendo em vista a existência de julgados que admitem esta possibilidade.5

Em momentos de novas leis, e de dificuldades interpretativas, a pior das soluções é a formalista, aquela que nega a possibilidade de o outro se equivocar, ou mesmo de eventualmente poder ter razão, autodeclarando a sua via como a única correta, e negando a possibilidade de consertos ou revisão de caminhos. Fiquemos atentos aos julgados, mas fundamentalmente que nos mantenhamos críticos à desaplicação de uma das mais basilares premissas do Código: o processo não é fim em si mesmo, serve para resolver o problema das partes. E extinguir sem julgamento de mérito não resolve nada!

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1 Art. 397.  O pedido formulado pela parte conterá: I – a individuação, tão completa quanto possível, do documento ou da coisa; II – a finalidade da prova, indicando os fatos que se relacionam com o documento ou com a coisa; III – as circunstâncias em que se funda o requerente para afirmar que o documento ou a coisa existe e se acha em poder da parte contrária. Art. 398.  O requerido dará sua resposta nos 5 (cinco) dias subsequentes à sua intimação. Parágrafo único.  Se o requerido afirmar que não possui o documento ou a coisa, o juiz permitirá que o requerente prove, por qualquer meio, que a declaração não corresponde à verdade. Art. 399.  O juiz não admitirá a recusa se: I – o requerido tiver obrigação legal de exibir; II – o requerido tiver aludido ao documento ou à coisa, no processo, com o intuito de constituir prova; III – o documento, por seu conteúdo, for comum às partes. Art. 400. Ao decidir o pedido, o juiz admitirá como verdadeiros os fatos que, por meio do documento ou da coisa, a parte pretendia provar se: I – o requerido não efetuar a exibição nem fizer nenhuma declaração no prazo do art. 398; II – a recusa for havida por ilegítima. Parágrafo único.  Sendo necessário, o juiz pode adotar medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias para que o documento seja exibido. Art. 401.  Quando o documento ou a coisa estiver em poder de terceiro, o juiz ordenará sua citação para responder no prazo de 15 (quinze) dias. Art. 402.  Se o terceiro negar a obrigação de exibir ou a posse do documento ou da coisa, o juiz designará audiência especial, tomando-lhe o depoimento, bem como o das partes e, se necessário, o de testemunhas, e em seguida proferirá decisão. Art. 403.  Se o terceiro, sem justo motivo, se recusar a efetuar a exibição, o juiz ordenar-lhe-á que proceda ao respectivo depósito em cartório ou em outro lugar designado, no prazo de 5 (cinco) dias, impondo ao requerente que o ressarça pelas despesas que tiver. Parágrafo único.  Se o terceiro descumprir a ordem, o juiz expedirá mandado de apreensão, requisitando, se necessário, força policial, sem prejuízo da responsabilidade por crime de desobediência, pagamento de multa e outras medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar a efetivação da decisão. Art. 404.  A parte e o terceiro se escusam de exibir, em juízo, o documento ou a coisa se: I – concernente a negócios da própria vida da família; II – sua apresentação puder violar dever de honra; III – sua publicidade redundar em desonra à parte ou ao terceiro, bem como a seus parentes consanguíneos ou afins até o terceiro grau, ou lhes representar perigo de ação penal; IV – sua exibição acarretar a divulgação de fatos a cujo respeito, por estado ou profissão, devam guardar segredo; V – subsistirem outros motivos graves que, segundo o prudente arbítrio do juiz, justifiquem a recusa da exibição; VI – houver disposição legal que justifique a recusa da exibição. Parágrafo único.  Se os motivos de que tratam os incisos I a VI do caput disserem respeito a apenas uma parcela do documento, a parte ou o terceiro exibirá a outra em cartório, para dela ser extraída cópia reprográfica, de tudo sendo lavrado auto circunstanciado.

2 A este respeito, cf. Fredie Didier Jr., Paula Sarno e Rafael Alexandria de Oliveira, Curso de direito processual, vol. II, 11ª ed., p. 142.

3 STJ, Dec. Monocrática, Ag. em RESP 1.287.279, Relator Luis Felipe Salomão, j. 15.5.2018.

4 A este respeito a mesma decisão citada declara que, por se trata de vício insanável, o ajuizamento de ação de exibição justificaria a extinção imediata do processo, sem sequer possibilidade de intimação do requerente para emenda da inicial. Foi assim mantido o acórdão emanado do TJSP (Cf. TJSP, 38 C.D.P, Apelação nº 1002419-71.2016.8.26.0274, Relator Spencer Ferreira, j. 22.3.2017).

5 A divergência jurisprudencial é muito bem retratada por Elias Marques de M. Neto, André Pagani de Souza, Daniel Penteado de Castro, Rogerio Mollica, em Fim da ação de exibição de documentos, disponível em http://www.migalhas.com.br/CPCnaPratica/116,MI268839,41046-Fim+da+acao+de+exibicao+de+documentos , acesso em 28.5.2018.