Davi Eduardo Depiné Filho
Defensor Público-Geral de SP.
Na quinta-feira, dia 17 de outubro, o Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou o julgamento talvez mais esperado dos últimos três anos. As Ações Diretas de Constitucionalidade números 43 e 44 foram propostas em maio de 2016, respectivamente, pelo Partido Ecológico Nacional (atual Patriotas), e pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Posteriormente, em abril de 2018, veio a ADC 54, proposta pelo Partido Comunista do Brasil.
Em suma, as ações pretendem ver declarada a constitucionalidade do art. 283 do Código de Processo Penal, e sua conformidade com o art. 5º, LVII, da Constituição Federal, que consagra o princípio da presunção de inocência.
Iniciado o julgamento definitivo do mérito das três ações, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo, habilitada como amicus curiae nas Ações 44 e 54, formulou sustentação oral e apresentou argumentos, dados e casos concretos que, no seu entender, implicam na total procedência das ações.
Nesse breve artigo pretendemos esmiuçar os dados e alguns dos argumentos apresentados oralmente.
Conforme mencionado durante o julgamento, no entender da Defensoria Pública, a decretação de uma única prisão injusta com base no acórdão de segundo grau e, posteriormente, modificada nas instâncias superiores, já justificaria a espera pela definitividade da condenação com o seu trânsito em julgado, conforme estabelecido pelo art. 5º, LVII, da Constituição Federal.
Todavia, pelo amor à argumentação, entendemos importante demonstrar os relevantes índices de reforma nas condenações que obtemos tanto no Superior Tribunal de Justiça quanto no Supremo Tribunal Federal.
Durante esses últimos 10 anos, a Defensoria Pública de São Paulo colheu dados dos resultados das impetrações de habeas corpus no STJ e no STF.
Incluindo as concessões de ordem totais e parciais, no STJ o índice de algum êxito oscilou no intervalo entre 45%, o menor, em 2014, e 75%, o maior, em 2010. A média dos dez anos ficou em 54,5% de concessão total ou parcial.
Em 2016, obtivemos um índice de concessão de ordem de 49% das impetrações no STJ e, justamente em razão do ajuizamento das ações declaratórias, fizemos uma pesquisa mais detalhada dessas decisões concessivas. Para tanto, analisamos 770 decisões de mérito concedidas.
Dessas, 5 decisões concederam substituição de penas privativa de liberdade por restritivas de direitos, 11 decisões afastaram o argumento da hediondez do crime para fixação do regime fechado e permitiram a alteração do regime, 4 decisões diminuíram a pena aplicada em razão da ausência de fundamentação idônea para o aumento aplicado, 19 decisões compensaram a atenuante da confissão com a agravante da reincidência implicando em diminuição de pena, 44 decisões alteraram pena e/ou regime em casos de condenações por tráfico de entorpecentes e 4 decisões absolveram o paciente em razão da aplicação do princípio da insignificância. Número expressivo de liminares - 117 - foram concedidas para alteração de regime inicial de cumprimento de pena com base nas súmulas 440/STJ e 718 e 719/STF.
Em recursos especiais e agravos, realizamos a análise de 591 decisões editadas entre fevereiro e abril de 2015. Foram 240 decisões com deferimento total ou parcial, e 21 ordens de habeas corpus concedidas de ofício no bojo dos recursos. O total foi de 44 % de algum sucesso.
No STF, em 2016, analisamos 282 decisões em habeas corpus. Foram 32 decisões concessivas de ordem, total ou parcial, ou 11%. Concessões com base nas súmulas 718 e 719/STF foram 10. Ainda, 4 decisões reconheceram a ocorrência de privilégio no crime de tráfico de drogas com impacto significativo na pena e regime fixado, e 3 decisões diminuíram a pena aplicada ao paciente.
Em 2017, analisamos 10.040 decisões de mérito em habeas corpus impetrados no STJ. Dessas, 5.250 foram decisões concessivas total ou parcialmente da ordem, correspondente a 50,48%.
No STF, analisamos 494 decisões de mérito em habeas corpus impetrados em 2017. Dessas, 43 foram decisões concessivas total ou parcialmente da ordem, correspondente a 8,7% de algum sucesso. Em 71 impetrações foi pedida a aplicação das súmulas 718 e 719/STF, dessas, 11 foram concedidas. No geral, foram 19 concessões para alteração de regime inicial, 2 decisões de redução de pena e 4 decisões reconhecendo a atipicidade da conduta pelo princípio da insignificância e a consequente absolvição do paciente.
Em 2018, analisamos 9.731 decisões de mérito em habeas corpus impetrados no STJ. Dessas, 6.068 foram concessivas da ordem total ou parcialmente, correspondente a 61,84%.
No STF, analisamos 262 decisões de mérito em habeas corpus impetrados em 2018. Dessas, 41 foram decisões concessivas total ou parcialmente, correspondente a 15,6% de algum sucesso. Em 60 impetrações foi pedida a aplicação das súmulas 718 e 719/STF, das quais 9 foram concedidas. No total foram 17 decisões alterando o regime inicial. Ainda, tivemos mais 3 concessões para alteração de regime inicial sem menção de súmulas, 2 decisões reconhecendo o privilégio no crime de tráfico de drogas, 2 decisões de redução da pena aplicada e 7 decisões reconhecendo a atipicidade da conduta pelo princípio da insignificância e por ausência de lesão ao bem jurídico.
As análises demonstram que, efetivamente, obtemos alterações das condenações impostas em acórdãos de segundo grau, tanto no STJ quanto no STF. Seja para diminuir a pena, alterar o regime ou mesmo absolver o réu, muitas resultando na soltura imediata do paciente.
É certo que a maioria das decisões obtidas se deram via impetração de habeas corpus. Remédio jurídico que se mostra eficiente para corrigir decisões injustas. Todavia, não é porque se tem o remédio que se pode perpetuar a doença. Ademais, mesmo com o uso do habeas corpus, nota-se um tempo mínimo de 6 meses entre a edição do acórdão em segundo grau e a concessão da ordem pelo STF.
Em conclusão, os significativos índices de alterações nas condenações em segundo grau operadas pelo STJ e pelo STF demonstram a importância de se observar a literalidade do texto constitucional, evitando a indesejada ocorrência de prisões injustas e indevidas, quando ausentes os pressupostos que teriam autorizado, se o caso, uma prisão preventiva.
A execução antecipada da pena e o tratamento do trânsito em julgado como um elemento dispensável no exercício do poder punitivo estatal, ao invés de evitarem impunidade, estariam a caracterizar uma profecia que se autocumpre, pois os dados ora elencados evidenciam que as injustiças inevitavelmente ocorrerão.