Hoje, sexta-feira, é dia de mais um capítulo do projeto “Dúvida Trabalhista? Pergunte ao Professor!” dedicado a responder às perguntas dos leitores do JOTA, sob a coordenação acadêmica do professor de Direito do Trabalho e coordenador trabalhista da Editora Mizuno, Dr. Ricardo Calcini.
O projeto tem periodicidade quinzenal, cujas publicações são veiculadas sempre às sextas-feiras. E a você leitor(a) que deseja ter acesso completo às dúvidas respondidas até aqui pelos professores, basta acessar o portal com a # pergunte ao professor.
Neste episódio de nº 76 da série, a dúvida a ser respondida é a seguinte:
Pergunta ► Exames toxicológicos podem ser exigidos pelas empresas?
Resposta ► Com a palavra, o professor Rodrigo Borges Nicolau[1].
Antes de responder diretamente à questão que se coloca, consideramos necessário dar um passo atrás para analisarmos os limites da subordinação jurídica nas relações de emprego.
É da leitura dos artigos 2º e 3º da CLT que identificamos os elementos que compõe o conceito jurídico de empregado (habitualidade, onerosidade, pessoalidade e subordinação jurídica). Merece destaque a análise da subordinação jurídica que, para muitos, é o elemento distintivo do conceito de relação de emprego.
Compreender o conceito de subordinação jurídica e seus limites nos ajudará a pensar sobre a exigibilidade de exames toxicológicos pelas empresas.
Maurício Godinho Delgado ensina que “a subordinação corresponde ao polo antitético e combinado do poder de direção existente no contexto da relação de emprego. Consiste, assim, na situação jurídica derivada do contrato de trabalho, pela qual o empregado compromete-se a acolher o poder de direção empresarial no modo de realização de sua prestação de serviços.”[2]
Homero Batista, por sua vez, define subordinação jurídica como “o conjunto de ordens emitidas pelo empregador e que devem ser respeitadas pelo empregado, mantidos os padrões civilizatórios da dignidade e da decência, alusivas à organização e aos métodos de determinado ambiente de trabalho, quer se trate de uma atividade econômica, quer se trate de uma atividade não econômica – lares, entes públicos, instituições religiosas, sindicatos e outros.”[3]
Da leitura de tais definições, podemos perceber que no curso do contrato de emprego estaremos diante de um constante conflito envolvendo, de um lado, o poder diretivo do empregador e, do outro, os limites da subordinação jurídica.
Com a formalização da relação de emprego, advém ao cidadão, que agora é um empregado, determinadas condições jurídicas e protetivas são inerentes à figura do empregado. O empregado, para além dos direitos que lhes são garantidos pela legislação protetiva do trabalho, continua no pleno gozo de seus direitos individuais, como a garantia da intimidade, a proteção de seu nome, da sua honra, entre outros.
Paulo Eduardo de Oliveira consigna que “o princípio básico é: empregado e empregador devem, reciprocamente, em todas as fases do contrato, incluída a preliminar, respeitar direitos e deveres individuais e coletivos elencados no art. 5º da Constituição Federal (…). Desta forma, têm empregado e empregador direito à intimidade, à liberdade de pensamento e expressão, de consciência e crença religiosa, de associação, de acesso a informações e de consciência, de convicção política ou filosófica, além de outras.”[4]
Portanto, é da identificação dos limites da subordinação jurídica que partiremos para só então responder se as empresas podem ou não submeter seus empregados à realização de exames toxicológicos.
Nesse sentido, se fossemos responder à questão do título deste artigo de forma direta e com base nos limites da subordinação jurídica, considerando-se também que ao empregado são garantidos todos os direitos inerentes ao cidadão, a resposta seria NÃO. Inviável, portanto, ao empregador exigir do empregado a realização de exames toxicológicos, sob pena de afronta aos direitos do empregado-cidadão. Contudo, no Direito, nada é assim tão simples e objetivo.
Exames toxicológicos, em síntese, são exames que objetivam identificar a presença de substâncias psicoativas no organismo de determinada pessoa. É por meio destes exames que se pode detectar o uso de drogas ilícitas e/ou lícitas, como o álcool.
A partir da Lei 13.103/2015, tal debate se intensificou tanto na doutrina quanto na jurisprudência. A legislação incluiu os parágrafos 6º e 7º no art. 168 da CLT, tratando da realização de exames toxicológicos aos motoristas profissionais.
Com tal legislação adveio a obrigatoriedade de os motoristas realizarem esses exames, previamente à admissão e por ocasião da demissão, com base, inclusive, no que dispõe o Código de Trânsito Brasileiro.[5]
Com isso, abriu-se uma discussão no mundo do trabalho no sentido de se questionar a possibilidade de outras categorias profissionais, para além dos motoristas, estarem obrigadas a realizar exames toxicológicos.
Outras atividades profissionais podem ser consideradas de risco, tanto em relação à pessoa do próprio empregado, quanto a terceiros que não o empregador, bem como ao meio ambiente (natural e do trabalho). Temos como exemplos atividades de transporte de cargas explosivas ou inflamáveis, transporte de pessoas, trabalho com armas de fogo, dentre outras.
Nesses casos (atividades de risco), as empresas estariam autorizadas a realizar exames toxicológicos em seus empregados. O que devemos observar em tais situações é qual norma deve prevalecer: a previsão legal do art. 168 da CLT e a proteção da saúde do trabalhador, a integridade física de seus colegas e do ambiente de trabalho ou o princípio jurídico que garante ao empregado a proteção à sua intimidade e privacidade?
Por analogia, pode-se defender a realização de exames toxicológicos a esses empregados, mas sempre com parcimônia, haja vista que a proteção à intimidade do trabalhador sempre deverá ser objeto de muita atenção por parte das empresas.
Em atividades que não implicam um risco acentuado aos empregados da empresa e ao meio ambiente não se justificaria a realização de exames toxicológicos. Nesse prumo, aliás, tem se posicionado inclusive o Tribunal Superior do Trabalho (TST) em recentes decisões.
Com efeito, em recente acórdão proferido em Ação Civil Pública ajuizada pelo MPT, o TST proibiu a realização de exames toxicológicos em determinada empresa que exigia dito procedimento de seus empregados. Os exames eram realizados em empregados que se voluntariavam ou em empregados sorteados para tal fim.[6]
Dentre outros fundamentos jurídicos presentes no acórdão, constou no corpo da decisão que:
“Não se pode chancelar a conduta abusiva da empresa, que invadiu a privacidade e intimidade de seus empregados, direitos expressamente tutelados pela Constituição Federal, extrapolando os limites de seu poder de direção. Como salientado na Origem, se havia desconfiança da reclamada quanto ao uso entorpecentes em suas instalações deveria ter comunicado a ocorrência de tal circunstância à autoridade policial e ter tomado as medidas cabíveis, caso apurada a conduta ilícita por parte de empregado, aplicando as penalidades previstas em lei e até a justa causa se fosse o caso. O que não se admite é que seja adotada conduta discriminatória e constrangedora em face dos trabalhadores pela realização de exames toxicológicos aleatórios, expondo-os diante de todos os outros empregados. Assim, a vista do exposto, correto o d. Juízo de Origem ao condenar a ré a se abster de realizar exames toxicológicos para detecção de uso de drogas lícitas ou ilícitas, sob pena de multa de R$ 5.000 por empregado”.
Portanto, podemos responder à questão formulada da seguinte forma: regra geral, não se admite a realização, pela empresa, de exames toxicológicos em seus empregados por afronta a direitos individuais previstos no art. 5º da Constituição Federal (direito à intimidade e à privacidade), ao passo que para os motoristas profissionais estes exames são permitidos. E, em arremate, para os empregados que exercerem atividades consideradas de risco, seja ele inerente ao próprio trabalhador, aos seus colegas, à sociedade e/ou ao meio ambiente, também será possível à empresa exigir a realização de exames toxicológicos.
[1] Advogado. Mestre em Direito do Trabalho e da Seguridade Social USP/São Paulo.
[2] DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 18ª Edição. São Paulo: LTr, 2019. Pág. 349.
[3] BATISTA, Homero. Direito do Trabalho Aplicado. Volume 1. 1ª Edição. São Paulo: Thompson Reuters Brasil, 2021. Pág. 49/50.
[4] OLIVEIRA, Paulo Eduardo V. O dano pessoal no Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2002. Pág. 91.
[5] Segundo pesquisas do Ministério Público do Trabalho, após a entrada em vigor da Lei 13.103/15, houve uma diminuição de 60% de casos de uso de substâncias psicoativas em testes realizados junto à motoristas profissionais. FONTE: https://mpt.mp.br/pgt/noticias/obrigatoriedade-de-exame-toxicologico-reduz-consumo-de-drogas-nas-estradas. Acesso em 1/3/2022.
[6] Cópia da íntegra do Acórdão: https://mpt.mp.br/pgt/crj/noticias/rr-302-36-2014-5-03-0129.pdf. Acesso em 1/3/2022.