Manuela Vidal e Silva Oliveira Santos

Ricardo Wagner Oliveira Santos

Em um mundo onde quase nada é preto no branco, as cores e a maneira como você se posiciona em relação a elas, vira e mexe, viram o centro do debate. Foi assim com a foto divulgada pelo PT e pelo PSB para formalizar a aliança que trouxe o ex-governador Geraldo Alckmin para a vice-presidência da chapa encabeçada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, <a href="https://www.nexojornal.com.br/ensaio/2022/Qual-a-cor-da-esquerda">muito se criticando a ausência de dirigentes negros e a pouca presença das mulheres</a> junto àqueles que defendem políticas públicas de inclusão e representatividade.
Em âmbito internacional, vimos a importância que foi dada à eleição de Joe Biden, homem branco que apresentou uma mulher negra, a ex-senadora Kamala Harris, para a sua vice-presidência. Essa associação entre a mulher negra sendo fortalecida (ou fortalecendo) a imagem masculina foi, ainda, alvo de discussão na entrega do Oscar 2022, frente à polêmica envolvendo o ator Will Smith e o comediante Chris Rock, com destaque para as falas sobre a importância da defesa da mulher negra, sempre desrespeitada ao longo dos anos, como <a href="https://www.nytimes.com/2022/03/29/opinion/culture/will-smith-oscars-roxane-gay.html?">pontuou Roxane Gay</a>, que destacou, ainda, o bravo enfrentamento da juíza Ketanji Brown Jackson nas audiências de confirmação da sua indicação para a Suprema Corte dos EUA como a primeira mulher negra a ocupar este cargo.
Uma das perguntas feitas a Jackson a questionava sobre o que seria uma mulher em sua concepção, já que há muito se superou a visão binária entre os tons de rosa e azul em que a figura feminina seria aquela que, em oposição à masculina, carregaria elementos de submissão e fragilidade, além de diferenças anatômicas próprias de quem possui dois cromossomos X. O senador republicano Ted Cruz questionou se seria o caso de considerá-lo mulher diante de sua afirmação de que se sentiria como uma mulher, ainda que as suas palavras não correspondessem à verdade, esquecendo que o direito é regido pelo princípio da boa-fé objetiva.
A vida nos coloca a todo momento diante de situações novas e complexas, exigindo, mais do que a escolha de um lado, a justificativa do nosso posicionamento, manifestado dentro da lógica do “sorria, você está sendo filmado” e do “tudo o que você disser, poderá e será usado contra você”. O que acontece é que tudo é político, o tempo inteiro estamos fazendo escolhas, rejeitando ou aprovando algo, dialogando com o outro e construindo consensos, tudo isso sem perder de vista a maneira como as pessoas reagem às escolhas que fazemos, pois como nos ensina Jonathan Haidt em "A mente moralista", a aparência importa e, contrariando a lógica platonista descrita na obra "A República", não queremos apenas ser virtuosos, desejamos, também, a aparência de virtude.
Em <a href="https://www.jota.info/eleicoes">ano de eleição</a> a preocupação aumenta tal como se estivéssemos diante de uma bandeja de carne na prateleira do supermercado, ponderando não sobre o valor dado ao alimento, mas sim se, afinal, somos o bicho que come ou o bicho que é comido. Toda a construção social dos últimos 200 anos, dos direitos humanos aos direitos do homem em 1789, nos trouxe, hoje, à civilização ou à barbárie?
A ideia de voto como exercício da democracia é algo que é bastante trabalhada no século 20, palco de luta das mulheres e dos negros, por exemplo, para a garantia deste direito. É por meio do voto que o povo brasileiro elege os seus representantes, que são escolhidos dentro do sistema proporcional ou majoritário para cargos dos Poderes Legislativo e Executivo, responsáveis, entre outras coisas, pela elaboração de leis e execução de políticas públicas, respectivamente.
Note, então, que dentro da lógica dos Poderes Legislativo e Executivo, o voto é exercício da democracia porque permite que o povo, titular da soberania, escolha os seus representantes legais, enquanto na esfera do Poder Judiciário, o raciocínio é outro. Ali, o concurso público é a expressão da democracia, porque permite a qualquer pessoa que preencha os requisitos legais e constitucionais, alcançar o cargo desejado, ressalvado o Quinto Constitucional, que garante acesso aos Tribunais Superiores por meio de nomeação, a advogados e membros do Ministério Público, diante da escolha do nosso constituinte de conjugar visões diversas dentro do espaço contramajoritário do Judiciário, após a formalização de lista pelo Tribunal entre os indicados por seus pares, com sabatina no Congresso e nomeação do Presidente da República, em se tratando de Tribunais Federais, ou Assembleia Legislativa e Governador, para os Tribunais Estaduais.
A democracia perpassa por vários pontos e, no entanto, nenhum deles garante a formação de um Estado democrático, que só existe mediante a vigilância e a educação do seu povo. O jogo político retratado por Amartya Sen de impor aos mais pobres a escolha entre o voto e o prato de comida, parece ter migrado para a classe média que contrapõe a [in]consciência política à [in]existência de candidato que os represente, ou seja, se nenhum candidato atende aos meus anseios, eu voto nulo, em branco ou simplesmente não compareço no dia da eleição e pago a multa correspondente.
O voto [ou a falta dele] é um forte indicador do comportamento e pensamento político do povo, o que, por sua vez, indica o caminho que se está trilhando, se para o bem comum ou para o individualismo exacerbado. O número de votos inválidos serve como um vetor do debate político. Saímos de um século de mobilização de grupos para que lhes fosse garantido o exercício do direito ao voto, para entrar em outro onde se questiona a serventia das eleições diante da crise de legitimidade que atinge os nossos representantes. O domínio clientelista, sobre o qual já alertava Sérgio Abranches em "Presidencialismo de coalizão", revela a falta de identidade do povo com o modelo político da democracia representativa, diante do fortalecimento dos privilégios da elite e da redução da importância do cidadão comum, existindo um abismo entre a formulação teórica e a prática política.
Voltando à pergunta sobre se vivemos, hoje, a civilização ou a barbárie, Florestan Fernandes nos falava que é muito nítido enxergar um padrão na América Latina de regimes despóticos disfarçados de repúblicas federativas, daí a razão de a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 revisitar essa discussão entre ordem e retrocesso ao trabalhar ideias como federalismo e democracia, dentro de uma estrutura amparada pelos pilares básicos de qualquer organização moderna: separação dos poderes, garantias individuais e constituição escrita.
A eleição, dessa forma, ao permitir a renovação de nossos políticos de tempos em tempos, dentro da lógica da República, que não convive com a ideia de irresponsabilidade dos representantes eleitos, revela que o voto importa menos por garantir que o candidato de sua preferência vença [o que nem sempre irá acontecer] e mais por ser um dos instrumentos capazes de criar, simbolicamente, o “nós” (we the people), indispensável para que se compreenda a verdadeira força do titular da soberania.<a href="#_ftnref1" name="_ftn1"></a>

eleições

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JOTA

Qual a importância do voto na criação de um projeto de sociedade?

Eu voto, tu não votas, eles se elegem

Qual a importância do voto na criação de um projeto de sociedade?