Gaia Hasse

Notícias sobre decisões históricas sendo tomadas pela União Europeia (UE) vem aparecendo na mídia com alguma regularidade ultimamente — leis que visam impedir a importação de produtos vinculados ao desmatamento, <a href="https://exame.com/esg/ue-anuncia-acordo-de-imposto-sobre-o-carbono-para-importacoes-industriais/">estabelecer mecanismo de ajuste de carbono na fronteira (CBAM)</a>, e renovar a regulação da transferência de resíduos, por exemplo, tem chamado a atenção para a Europa e garantido seu reconhecimento como líder da chamada ‘transição verde’. O que não se vê com a mesma frequência é a associação dessas medidas com uma estratégia econômica e política de longo prazo.   
Acontece que todas essas decisões fazem parte da implementação de um projeto anunciado pela União Europeia no final de 2019: o EU Green Deal. O dito “Pacto Ecológico Europeu” foi promulgado num cenário de reação à crescente percepção popular acerca da urgência de ações relativas ao meio ambiente, como as questões das mudanças climáticas, da perda da biodiversidade, dos níveis alarmantes de poluição, das práticas industriais e hábitos insustentáveis, entre outros. Desde então, apesar de pressionado por diversas vontades políticas, o projeto passou a ocupar lugar central nas pautas do bloco europeu.   
O Pacto Ecológico Europeu é uma proposta de combate às mudanças climáticas e proteção do meio ambiente, combinada com uma estratégia de crescimento com a transformação da economia do bloco para, no longo prazo, tornar-se uma economia moderna, eficiente e competitiva. Suas ambições podem ser resumidas em quatro grandes objetivos-chave: atingir a neutralidade de carbono até 2050, realizar a transição do modelo de economia linear para a economia circular, preservar o meio ambiente e garantir que a transição seja justa — tudo isso mirando também no fortalecimento da coesão da União Europeia.   
As ações propostas para realizar esses planos audaciosos se desdobram em múltiplas medidas legislativas, ações políticas e acordos que estão sendo desenvolvidos (e devem continuar ao longo da próxima década). São justamente essas medidas que aparecem por aqui como notícias pontuais. Vale notar que a alocação de recursos para fazer essa chamada ‘guinada ecológica’ não é banal: o plano de investimentos prevê a mobilização de no mínimo um trilhão de euros em investimentos nos próximos 10 anos. Pelo menos 25% dos fundos Europeus de estrutura e investimento devem ser mobilizados para atividades relacionadas ao Pacto Ecológico.  
Apesar dos desafios próprios de realizar transição de tamanho porte e da resistência de alguns setores, a percepção é de que a urgência das ações climáticas (e econômicas relacionadas) penetrou o pensamento político dominante e há suporte para avançar as pautas. O bloco econômico parece ter entendido o potencial de transformação dos desafios ambientais em oportunidades associadas ao desenvolvimento social e econômico da região. A propósito, a motivação por trás do EU Green Deal reside nas possíveis vantagens econômicas da realização da transição: exemplo disso seria o potencial ganho de dois trilhões de euros associados à eliminação de importações em gás e óleo[1].  
O pacote de medidas prevê políticas que vão do corte de emissões de gases de efeito estufa (GEE) a investimentos em tecnologia e inovação, visando capacitar cidadãos e empresas europeias a se beneficiarem da transição à economia verde. A estratégia é ambiental, mas sobretudo econômica: o plano de descarbonização da Europa visa remodelar as bases da economia, o que naturalmente gera repercussões geopolíticas de ampla escala. A previsão é de que o Pacto Ecológico Europeu vá afetar os mercados globais e as relações com países vizinhos, além da segurança energética da Europa e os padrões de comércio globais.   
Nesse cenário, o setor agrícola merece especial atenção (lembrando aqui que a reestruturação da produção e comércio agrícola é ponto focal para ações de mitigação e adaptação às mudanças climáticas). Não por acaso, a Política Agrícola europeia passará por modificações para alinhar-se com as alterações propostas pelo Pacto Ecológico. Sendo o maior exportador de produtos agrícolas para a UE, o Brasil é evidentemente impactado por essas medidas.  
O EU Green Deal é apresentado ao mundo como modelo para a economia verde, e representa vanguarda no processo de transição ecológica. Aliás, a União Europeia deliberadamente defende a vantagem de ser o first mover na transição - e já foi dada a largada.  
 Marcado por discurso pró crescimento econômico, colocando a competitividade internacional, e definindo os standards eurocêntricos como parâmetros, o Pacto desafia outros países a responderem à altura.  
 Daí a importância de entender as medidas que vem aparecendo não como questões pontuais, mas como partes integrantes de um gigantesco projeto político e estratégia econômica. A capacidade de responder e se posicionar no contexto global frente a essas mudanças depende da compreensão ampla do fenômeno. Isso é especialmente desafiador para os países em desenvolvimento, que têm menor capacidade de absorção dos impactos das mudanças ambientais que já estão acontecendo e tem dificuldade de arcar com os altos custos da implementação de estratégias de curto, médio e longo prazo.  
Os ‘Green Deals” são geralmente associados com movimentos revolucionários e inovadores, mas representam em grande medida iniciativas realizadas por atores políticos dominantes e tendem a manter estruturas de poder. Nesse contexto, destaca-se que muitas das proposições do projeto político europeu ocorrem sem que os impactos em comunidades ao redor do mundo sejam considerados, o que arrisca aprofundar o abismo de desigualdade existente entre o Norte e o Sul global. Os efeitos dos avanços do EU Green Deal devem começar a ser sentidos logo, e afetar especialmente o Brasil.  
O Brasil, embora enfrente também inúmeros desafios para implementação de planos e estratégias políticas (e muitos de natureza única por sua vastidão e diversidade), tem potencial também único na economia verde. O novo governo vem sinalizando percepção sobre a relevância e urgência da pauta ambiental, gerando grandes expectativas sobre a retomada das políticas ambientais do Brasil. Para que o Brasil possa figurar de fato como grande potência ambiental, a retomada deve vir acompanhada de avanços nas ações ambientais e climáticas, alinhamento às estratégias de desenvolvimento econômico e social, e olhar atento para os movimentos internacionais de transição.  
 O momento é oportuno e se apresenta como um convite para que o Brasil desenvolva sua própria estratégia de ‘transição verde’ e ocupe posição de destaque na nova geopolítica. 
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1 HAINSCH, L.; GÖKE, L.; KEMFERT, C.; OEI, P.; VON HIRSCHHAUSEN, C.R. European Green Deal: Using ambitious climate targets and renewable energy to climb out of the economic crisis. German Institute for Economic Research (DIW Berlin), 2020, v. 10, iss. 28/29, p. 303-210.

ESG; ASG

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JOTA

O momento é oportuno e se apresenta como um convite para que o Brasil desenvolva sua própria estratégia de ‘transição verde’

EU Green Deal: um convite para pensar em visões estratégicas para uma ‘transição verde’

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