Pedro Henrique de Castro Motta

Amanda Rabêlo Teixeira

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal, por meio do Tema nº 1.042, da Repercussão Geral, assentou que “É constitucional vincular o despacho aduaneiro ao recolhimento de diferença tributária apurada mediante arbitramento da autoridade fiscal”.
O caso, julgado pelo plenário virtual, consistia em um Recurso Extraordinário da Fazenda Nacional interposto em face de acórdão oriundo do TRF4, que negou provimento à pretensão fazendária com base na súmula nº 323 do Supremo Tribunal Federal. Seu enunciado assenta: “É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos”.
<a href="https://conteudo.jota.info/poder-contato"><img class="aligncenter wp-image-244336 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/04/cta-risco-politico.png" alt="" width="1080" height="1080" /></a>
A questão jurídica debatida foi a interpretação do artigo 571, § 1º, inciso I do Decreto nº 6.759/2009, que impede a finalização do processo de desembaraço aduaneiro quando o pagamento dos tributos, no curso do processo de conferência aduaneira, “esteja pendente de atendimento”. Em outras palavras, o desembaraço não poderá ser concretizado sem a quitação do débito.
Em uma leitura rápida, podemos ser levados a entender que a referida súmula foi revogada pelo novo entendimento do Supremo Tribunal Federal. Contudo, além de ser um pouco espantoso que isso tenha acontecido em plenário virtual sem um efetivo debate (não tanto espantoso nos dias de hoje), a verdade é que essa, definitivamente, não foi a intenção do Supremo.
Em verdade, a Súmula 323 originou-se em 1963 diante do RE 39.933/AL, em que decretado a inconstitucionalidade do dispositivo do Código Tributário do Município de Major Izidoro relacionado à cobrança de taxas de melhoramento de estradas mediante apreensão das mercadorias.
<blockquote class="jota-article__eye">Assim, ficou decidido pelo acórdão que os municípios não têm competência para dispor sobre apreensão de bens como meio coercitivo de pagamento de seus tributos e multas.</blockquote>
Ressalta-se que a situação orientadora do enunciado sumular decorre, portanto, da criação de barreiras fiscais relacionada principalmente ao trânsito interno brasileiro de mercadorias. Desse modo, não incorre na hipótese do despacho aduaneiro analisada pelo tema de repercussão geral 1.042.
Sendo assim, a Súmula nº 323 do Supremo Tribunal Federal continua plenamente aplicável para as situações em que foi pensada, já que, a princípio, não engloba a situação específica do recente entendimento do Supremo de desembaraço aduaneiro de bens importados, descrito pelo citado artigo 571.
Destarte, o pagamento não seria condição para a custódia das mercadorias, mas sim uma forma complementar necessária para a conclusão do procedimento aduaneiro.
Caso ainda o leitor não esteja convencido, essa questão pode ser facilmente comprovada pelo próprio voto vencedor do ministro relator Marco Aurélio de Melo. Em seu trecho mais marcante, o ministro coloca com todas as letras que “não está em jogo apreensão de mercadorias como meio coercitivo visando a satisfação de débito tributário”.
Ocorre que, na visão do contribuinte, a exigência também nessas situações acaba sendo, no fim, uma forma indireta de cobrança já que só seria possível a importação com o fim do desembaraço que, consequentemente, só poderia ocorrer com o pagamento dos tributos.
Esse ponto pode ser alvo de certa desconfiança do posicionamento tomado pelo STF. Isso porque o fisco possui outros meios legais cobertos de garantias para buscar o crédito que entende por devido, de tal modo que essa possibilidade adicional de exigência não seria compatível com o próprio exercício da atividade de cobrança e com o devido processo legal.
Por esse lado, por mais que se diga que o entendimento histórico do Supremo não foi alterado, ao menos pode se dizer que ele foi delimitado para certas ocasiões, digamos, reinterpretado – de modo que o artigo 571 atuará como sopesamento diante do enunciado.
Mesmo assim, a não aplicação da Súmula 323 para a hipótese tratada no leading case não é uma grande novidade na jurisprudência, que já tinha alguns entendimentos semelhantes espalhados pelos tribunais.
A Terceira Turma do TRF3, ainda em 2016, em recurso relatado pelo desembargador Nelton Santos, já tinha deixado claro seu posicionamento no sentido de que o recolhimento dos tributos (ou sua garantia) para prosseguimento do despacho aduaneiro não representa meio coercitivo ou ilegal para pagamento de tributos<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
O TRF4, em situação semelhante, também já tinha entendido que seria plenamente cabível a interrupção do despacho aduaneiro para a cobrança de tributos, uma vez que se encontra de acordo com a legislação de regência.
Apesar disso, vale deixar claro que não são incomuns precedentes que aplicavam a Súmula 323 do STF também nesses casos, não sendo pacífica a jurisprudência dos tribunais.
O TRF1, em diversas decisões recentes<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, concedeu tutela para determinar a liberação das mercadorias apreendidas no despacho aduaneiro de importação, sem prejuízo da regular constituição da cobrança do crédito, correspondente ao efetivo valor subfaturado, e eventual propositura de ação executiva.
No entanto, caso seja mantido nesses termos o que ficou decidido no Tema nº 1.042 (ainda não ocorreu o trânsito), a verdade é que isso pode ser uma porta para rever outras situações em que é possível condicionar determinadas ações aos adimplementos de tributos.
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Episódio desta semana do ‘<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/sem-precedentes" target="_blank" rel="noopener noreferrer">Sem Precedentes</a>‘, podcast sobre STF e Constituição, analisa a judicialização precoce da vacinação contra a Covid-19 no STF. Ouça:
https://youtu.be/DQSxD_nC9uc
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Apelação 0000200-35.2011.4.01.6100.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Tutela Antecipada Antecedente n1025476-28.2018.4.01.0000, Rel. Des. Kássio Nunes Marques, DJe 07/08/2020; Agravo de Instrumento 1011324-04.2020.4.01.0000, Rel. Des. Marcos Augusto de Sousa, DJe 12/06/2020; Agravo de Instrumento 1010133-21.2020.4.01.0000, Rel. Des. Marcos Augusto de Sousa, DJe 17/04/2020.

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JOTA

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