Pâmela Sposito
Especialista em Direito Médico e Saúde Suplementar pela Escola Paulista de Direito e Advogada do M3BS Advogados
A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou em maio de 2023 o fim da pandemia do coronavírus (SARS-Cov – Covid-19) no planeta.
A maior crise sanitária do último século trouxe imposição de quarentena, superlotação de hospitais, dificuldade de acesso à saúde pública, aumento da desigualdade social e, uma corrida desenfreada pelo desenvolvimento de uma vacina capaz de minimizar os impactos do vírus na sociedade.
A globalização e a tecnologia permitiram que parte das atividades econômicas, sociais e educacionais continuassem funcionando mesmo em fases mais severas do isolamento social. Contudo, a pandemia também gerou efeitos negativos em diversos âmbitos da economia global, principalmente no setor de saúde e, em particular, na saúde privada com a atividade desempenhada pelas operadoras de planos de saúde.
O aumento expressivo dos custos assistenciais, as despesas com internações, pedidos de testes diagnósticos, tratamentos e outros serviços relacionados à possível contaminação da doença, bem como a alta sinistralidade, inadimplência de beneficiários e dificuldade de negociação com prestadores impactaram negativamente as contas das operadoras.
Além disso, a redução de consultas médicas e diminuição de realização de procedimentos eletivos, devido ao distanciamento social, também fortaleceram a repercussão negativa na receita dos prestadores.
Por essas razões, o enfrentamento da crise sanitária desafiou os atores da saúde suplementar a explorar novas estratégias para alcançar o equilíbrio financeiro de suas contas e encontrar medidas regulatórias para promover a segurança e sustentabilidade do setor.
Assim, de acordo com a análise de movimentação do mercado de saúde, cabe pontuar as cinco estratégias mais utilizadas e recomendadas para o equilíbrio financeiro do setor suplementar, considerando o cenário pós pandêmico.
Para se ajustarem ao novo cenário pós-pandemia, muitas operadoras de planos de saúde tiveram que reavaliar seus portfólios de produtos e serviços. A adaptação dos produtos e coberturas disponibilizadas permitiu que se adequassem às novas demandas e necessidades dos beneficiários.
Tal ajuste incluiu a cobertura para tratamentos relacionados à Covid-19, a ampliação de serviços de telemedicina, a revisão dos processos de auditoria/autorização, o fortalecimento de mecanismos de regulação (financeiros e de porta de entrada) e saúde preventiva, os ajustes nos valores das mensalidades, entre outros que favoreceram a manutenção da garantia do atendimento aos usuários.
Outra estratégia adotada pelas operadoras para garantia do atendimento e continuidade da prestação de serviços de forma viável para as operadoras foi a ampliação da negociação com prestadores de serviços, hospitais, clínicas e laboratórios.
A busca por acordos que considerassem os impactos financeiros da pandemia permitiu a redução de custos e a otimização dos recursos disponíveis.
Essa negociação também envolveu o estabelecimento de parcerias estratégicas para garantir o acesso dos beneficiários a serviços de qualidade a preços mais acessíveis, acordos comerciais e preços ajustados a fim de garantir o acesso com menor custo, sem diminuir as receitas.
Dentro do cenário pandêmico, os atuários tiveram papel fundamental, vez que tais profissionais tiveram a responsabilidade de analisar os riscos associados aos contratos de planos de saúde e estabelecer uma precificação adequada diante de uma situação jamais antes experenciada no último século.
Após a pandemia, a atuação se intensificou de forma mais direcionada, considerando todos os impactos materiais da Covid-19, como o aumento das despesas assistenciais e da demanda por serviços de saúde.
A análise de riscos permitiu uma melhor compreensão das tendências de utilização e dos custos, possibilitando a definição de mensalidades mais assertivas e sustentáveis, qualificando assim a precificação para o momento atual das operadoras.
A análise e realização de projeções financeiras com base nos cenários pós-pandemia, considerando diferentes indicadores econômicos e de saúde, auxiliaram na avaliação das necessidades de reservas financeiras para garantir a solvência das operadoras.
A adequação das reservas, incluindo as impulsionadas pelo órgão regulador durante a pandemia, bem como considerando os riscos específicos do período pós- pandemia, contribuiu para a estabilidade financeira das operadoras de planos de saúde.
A pandemia destacou a importância da tecnologia, uma vez que o distanciamento social era obrigatório, a fim de evitar a disseminação de contaminação.
No setor de saúde, as operadoras investiram em soluções digitais, como “open health”, plataformas de telemedicina, aplicativos móveis e sistemas de gestão integrada. Essas inovações permitiram uma maior eficiência operacional, redução de custos, avanço das linhas de cuidado em medicina preventiva, melhorando a experiência do beneficiário.
Além das estratégias impulsionadas pelo mercado, algumas medidas também foram implementadas pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) para fomentar a sustentabilidade do setor.
Durante o curso da crise sanitária, a ANS interveio e suspendeu a aplicação de reajustes nas mensalidades, suspendeu os prazos para envio e cumprimento de obrigações periódicas, flexibilizou prazos máximos de atendimento e incentivou o uso da telemedicina, além de facilitar as regras de portabilidade de carências e propiciar a concorrência entre as operadoras.
Agora, com a decretação do encerramento da crise sanitária, para o enfrentamento do cenário pós-pandêmico, a agência reguladora tem trabalhado em algumas medidas, das quais ressaltam-se três:
A ANS vem discutindo o aprimoramento das regras para os reajustes nas mensalidades dos planos de saúde, considerando o impacto da pandemia. Essa medida busca equilibrar o aumento dos custos assistenciais com a capacidade financeira dos beneficiários.
A definição de reajustes adequados contribui para a sustentabilidade das operadoras, garantindo a continuidade dos serviços e o maior acesso à saúde privada.
A ANS intensificou as análises para ampliação da concorrência saudável entre as operadoras, estimulando a oferta de planos com coberturas diferenciadas e preços competitivos.
Ademais, a agência ampliou ações para promover a transparência das informações aos beneficiários, facilitando a comparação entre os planos disponíveis e fortalecendo a capacidade de escolha dos consumidores, sendo esses temas pautas da agenda regulatória 2023-2025.
Como órgão regulador, a ANS reforçou o monitoramento do setor de saúde suplementar para garantir o cumprimento das normas e a qualidade dos serviços prestados.
A atuação regulatória contribui para a sustentabilidade financeira das operadoras, além de evitar práticas inadequadas e promover a eficiência na utilização dos recursos, fortificando a segurança jurídica e propiciando maior acessibilidade à saúde privada.
Como visto, a pandemia da Covid-19 trouxe desafios significativos para as operadoras de planos de saúde, demandando estratégias eficazes de equilíbrio financeiro, sustentabilidade da assistência e subsistência de seus contratos.
A adaptação dos planos e coberturas, negociação com prestadores de serviços, investimento em tecnologia e inovação, além das medidas regulatórias implementadas pelo próprio órgão regulador, foram algumas das principais estratégias adotadas e muitas seguem em discussão para ampliação e melhorias.
Em que pese o setor de saúde suplementar tenha batido recorde de consumidores em abril de 2023, continuará enfrentando os efeitos da pandemia a longo prazo.
Portanto, resta evidente a necessidade de tomada de decisões com foco na gestão dos recursos. As operadoras de planos de saúde serão, cada vez mais, impulsionadas a buscar soluções práticas e de aplicação imediata para lidar com as consequências da crise, transformando um cenário de incertezas em previsibilidade e segurança, equalizando suas receitas, sem prejuízo à garantia do acesso à assistência médica de qualidade aos seus beneficiários.
Referências:
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https://www.correiobraziliense.com.br/economia/2022/12/5057717-planos-de-saude-tem-rs- 55-bilhoes-de-prejuizo-operacional-no-3-trimestre.html
https://www.saopaulo.sp.leg.br/coronavirus/blog/covid-19-ans-finaliza-analise-tecnica-e- determina-inclusao-de-teste-sorologico-no-rol-de-procedimentos/
https://www.camara.leg.br/noticias/877138-planos-de-saude-alegam-explosao-de- despesas-em-2021-e-preveem-reajuste-de-16-neste-ano/
https://futurodasaude.com.br/planos-de-saude-2023/
https://www.sindsegsp.org.br/site/noticia-texto.aspx?id=34721
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https://www.conjur.com.br/2020-jul-01/garantias-consumo-impacto-coronavirus-planos- saude-brasil
https://www.nexojornal.com.br/ensaio/2021/O-impacto-da-pandemia-na- utiliza%C3%A7%C3%A3o-de-planos-de-sa%C3%BAde-em-2020