Henrique Vergara

O novo processo de votação adotado pela Vale S.A., que permite o voto contrário a candidaturas ao cargo de membro de seu Conselho de Administração, surge sob a chancela de grande inovação, no artigo publicado no Valor sob o título “Estatuto da Vale: legalidade e inovação” (9 de fevereiro de 2021).
Não se trata propriamente de uma novidade pois, como informam os próprios autores do artigo em questão, o voto contrário já é adotado há tempos nas companhias abertas norte-americanas.
<a href="https://conteudo.jota.info/poder-contato"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>A novidade está no seu transplante para o direito societário brasileiro, fato que não causa estranheza, dado o recorrente aproveitamento que se faz, aqui no Brasil como em outros países ao redor do mundo, dos avanços do direito societário norte-americano, onde se situa o mercado de capitais mais pujante e criativo de todos.
Além disso, sua adoção pode representar uma limitação importante à representatividade dos acionistas minoritários nas companhias abertas brasileiras.
Porém, a adoção de fórmulas exitosas num determinado mercado não significa certeza de sucesso quando introduzidas em países dotados de cultura e ambiente jurídico inteiramente distintos.
<blockquote class="jota-article__eye">Um exemplo bastante eloquente de importação danosa de uma fórmula muito comum nas companhias americanas foi a “poison pill”.</blockquote>
Traduzindo para vernáculo, “poison pills” são as cláusulas de proteção à dispersão acionária, muito comuns nos EUA, utilizadas para proteger a companhia de uma tomada de controle hostil, presente nos estatutos de grande parte das companhias que aderiram à onda de IPOs que ocorreram na BM&amp;FBOVESPA durante os anos 2000.
Adotadas sem qualquer restrição num momento inicial, logo se percebeu que tais cláusulas acarretavam restrição indevida aos negócios de alienação de controle, em prejuízo dos interesses dos acionistas.
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) tratou de mitigar os efeitos colaterais das “poison pills”, no ano de 2009, com a edição do Parecer de Orientação CVM nº 36, que abriu caminho para a supressão dessas cláusulas dos estatutos sociais das companhias que as havia adotado sem maior reflexão sobre as consequências desse mecanismo.
A imensa autoridade dos autores do artigo antes referido, ambos profundos conhecedores do direito societário brasileiro, faz qualquer um titubear quando se inclina a questionar a legalidade do novo processo de votação adotado pela Vale, por eles defendido.
Fato é, porém, que esse assunto deverá, muito em breve, ingressar na pauta da CVM, que a essa altura já deve estar debruçada sobre o tema. Como guardiã e intérprete mais autorizada da Lei nº 6.404/1976, a nossa Lei das S.A., a CVM dará a palavra final sobre a legalidade ou não desse tipo de previsão estatutária, podendo, inclusive, modular os efeitos de sua adoção, considerando as características de cada companhia.
É o caso de lembrar, porém, que a Superintendência de Empresas da CVM já teve a oportunidade de se manifestar em sentido contrário a esse método de votação no Processo CVM nº 2015/2925, afirmando ser nulo o voto “não” destinado a candidatos ao conselho.
Segundo o entendimento então adotado, quando o assunto é eleição de conselheiros, o que se quer saber é quem, dentre os candidatos indicados pelos acionistas, irá ocupar as vagas em aberto, concluindo que não deve ser computado, inclusive para fins de quórum, o voto apolítico, “assim considerado aquele que não contribui validamente para a vontade social”.
Deixando de lado as questões jurídicas para focar somente no proveito que as companhias brasileiras poderão tirar dessa mais recente inovação, dúvidas não faltam quanto a suas consequências e potenciais benefícios (ou malefícios) que poderão advir do voto contrário a candidaturas ao conselho de administração.
Embora seja comumente utilizado na eleição de conselheiros de companhias norte-americanas que adotam o sistema de voto majoritário (em oposição ao sistema de voto plural), deve-se levar em consideração que uma das características mais marcantes dessas companhias é a grande dispersão acionária, em oposição à forte concentração do capital social nas empresas brasileiras.
Lá, o poder de controle está disperso entre centenas ou milhares de acionistas. Aqui, o poder de comando sobre as companhias é exercido, na grande maioria das companhias, por um único acionista ou grupo de acionistas, que possuem poder absoluto nas deliberações tomadas em assembleia.
Pergunta-se, então: se admitido de forma irrestrita, como funcionará o instrumento do voto contrário nas companhias com controle definido? Será admitido vetar a candidatura daqueles que forem indicados por acionistas minoritários (sim, aqueles indesejados ativistas)?
Enfim, inegavelmente, vivemos hoje na Era da Inovação. Tal é o entusiasmo com as novidades que surgem a cada dia que, por vezes, criticar o novo parece sempre antipático. A rotulação, porém, não deve servir para afastar o pensamento crítico e evitar uma avaliação mais cautelosa sobre os efeitos da importação de figuras do direito estrangeiro.
Afinal, não se deseja introduzir no nosso direito societário o que pode se mostrar mais adiante como um autêntico vírus alienígena, com consequências ainda desconhecidas. Em época de pandemias, cautela e proteção são sempre importantes.
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O episódio 48 do podcast Sem Precedentes faz uma análise sobre a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2020 e mostra o que esperar em 2021. Ouça:
https://youtu.be/-hMj5lwWXEE

vale

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JOTA

Será admitido vetar a candidatura daqueles que forem indicados por acionistas minoritários?

Estatuto da Vale: uma inovação duvidosa

Será admitido vetar a candidatura daqueles que forem indicados por acionistas minoritários?