Alana Vasques

Manifestada pela primeira vez nos Estados Unidos, em 1912, a denominada essential facility doctrine foi desenvolvida a partir do caso United States v. Terminal Railroad Association of St. Louis, sendo, futuramente, empregada pelos tribunais de diversos países.
A tese tem seu cerne no reconhecimento de bens que sejam absolutamente necessários para que o empresário tenha condições mínimas de competir no mercado daquele referido bem, cuja titularidade pertence a determinado agente econômico. Nessas hipóteses, pode o Estado obrigar o titular a proporcionar o acesso ao bem a um valor razoável e em condições não excludentes. Em outras palavras, fala-se aqui, em uma situação de monopólio de determinado segmento mercadológico. 
<a href="https://conteudo.jota.info/poder-contato?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Poder_materias"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>Retornando à lide citada, o caso versava sobre o mercado de transporte ferroviário e a propriedade de todos os meios de infraestruturas de acesso à cidade de St. Louis, a qual pertencia a uma só companhia, a Terminal Railroad Association of St. Louis.  A corte norte-americana entendeu que o absoluto monopólio exercido prejudicava, de forma severa, a livre concorrencial na região.
A decisão concluiu, então, pela obrigatoriedade por parte da empresa titular do bem a ceder, mediante pagamento prévio de tarifa para possibilitar a fruição do bem pelos agentes econômicos que queiram adentrar ao mercado em referência.
Segundo Calixto Salomão Filho<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, vislumbra-se dois pontos centrais levantados pela decisão, quais sejam, a clara dependência relacionada a determinados bens e a impossibilidade de superar essa dificuldade com a construção ou aquisição de bens próprios.
Em que pese a aplicação da teoria já no caso acima narrado, o termo essential facility foi empregado, expressamente, pela primeira vez, no interessante julgamento do caso Hetch v. Pro-football Inc. A situação envolveu uma cláusula de arrendamento prevista em contrato firmado para a utilização de um estádio de futebol americano, com exclusividade, obrigando, assim, a necessidade de construção de um novo estádio para que se obtivesse a licença estabelecida pela liga nacional do referido esporte.
Contudo, a partir do caso Verizon v. Trinko, em 2004, também nos Estados Unidos, passou-se a adotar uma linha mais rigorosa de adoção da doutrina da essential facility, a fim de conter qualquer tipo de abuso e afronta ao livre mercado. O conflito envolvia o segmento de telecomunicações, dentro do qual a companhia Verizon era titular absoluta da operação de telefonia, tendo sido compelida pelo Telecommunicatios Act de 1996 a compartilhar suas redes, possibilitando a entrada de novos players no mercado.
Em 1999, as concorrentes passaram a ressaltar determinadas violações ao mencionado Ato por parte da Verizon, que acarretavam limitações aos demais concorrentes, tornando sua prestação de serviço de qualidade infinitamente inferior, perdurando-se, dessa forma, o domínio de mercado apenas pela Verizon.
Concluiu o Tribunal Americano que, a doutrina da essential facility não pode ser aplicada de modo a compulsar o titular do bem a fornecer, além do seu compartilhamento, seus inputs essenciais.
<blockquote class="jota-article__eye">Portanto, havendo acesso ao recurso necessário para operar no mercado, não há que se falar em aplicação da doutrina. Importante destacar que não existe qualquer vedação à utilização desta tese aos bens protegidos pela Propriedade Intelectual.</blockquote>
Entretanto, conforme ensinamentos da Professora e Mestre em Direito Econômico pela USP, Simone Lahorgue<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, deve-se ter um cuidado intensificado quando envolvidos bens resguardados pelo direito autoral. A autora ressalta a natureza pessoal-patrimonial do direito, constitucionalmente garantido e o risco de repressão dos incentivos para investimento na criação.
Nessa linha, as cortes europeias, em determinados casos, negam a aplicação da essential facility doctrine nas situações que atingem bens intelectuais.
Após a breve síntese do cenário internacional de aplicação da doutrina objeto de estudo, inicia-se a análise sob seu viés de constitucionalidade e legalidade no Brasil.
Forçoso abordar aspectos intrínsecos aos contratos, que tangenciam, de maneira cristalina, o tema das Essential Facilities.
Dois dos substanciais princípios norteadores de uma relação contratual são: liberdade contratual e função social do contrato. Nessa linha, inevitável que se desenvolva uma interpretação a prioristica da doutrina em análise à luz do princípio da liberdade contratual, o que resultaria, prematuramente,  numa ideia de incongruência, pois o principal traço das essential facilities está na obrigatoriedade de compartilhamento de bens com terceiros, ou seja, na imposição de uma relação contratual.
Contudo, tal concepção se torna rasa quando o exame passa a ser realizado de maneira relativa e sistemática, ou seja, pautado no ordenamento jurídico como um todo unitário.
Dessa forma, trazendo para o estudo o princípio da função social dos contratos, começa-se a ponderar existência de conflito entre o sistema brasileiro jurídico-normativo e a ideia de Essential Facility, tendo em vista que a função social, aliada ao interesse público, corroboram a real necessidade de se despir de um engessamento sob o ponto de vista da liberdade contratual e da autonomia da vontade e se entenda a enorme contribuição à população e ao desenvolvimento econômico do país que o compartilhamento de bens pode proporcionar.
Reforçando esta esteira de raciocínio, a Constituição Federal, em seu art. 170, em especial o inciso IV, demonstra clara intenção de preservação e fomento à concorrência quando indica o princípio da livre concorrência, como um dos preceitos fundamentais da ordem econômica.
Alinhado a este entendimento, explica Alexandre Nester<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>:
“...a doutrina das essential facilities se conforma perfeitamente com o princípio da livre iniciativa – calibrado pela interpretação sistemática do Texto Constitucional, especialmente à luz do princípio da dignidade da pessoa humana”.
Se assim não o fosse, haveria concreto risco de se intensificar o monopólio em detrimento da livre iniciativa, prevista constitucionalmente e da livre concorrência, disposta na Lei 12.529/11, cuja finalidade é a regulamentação do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência.
Embora a doutrina majoritária entenda pela aplicabilidade das Essential Facilities no Brasil, autores como Alexandre Santos de Aragão<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a> consideram que a tese deveria se restringir ao serviço público por sua característica de interesse coletivo e proteção à sociedade.
Trata-se, porém, de percepção minoritária, levando-se em consideração as diretrizes da Lei 12.529/11, o princípio da livre iniciativa e concorrência, bem como a função social da propriedade.
Tem-se verificado, portanto, decisões proferidas pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e pelo judiciário brasileiro, adotando ou não, a teoria das Essential Facilities.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) resolveu o conflito entre intermediadora da tecnologia de bitcoin e Banco Itaú, em virtude de rescisão unilateral por parte do Banco com relação ao uso, por parte do Mercado Bitcoin, das contas correntes fornecidas pelo Itaú. A alegação da empresa de moedas virtuais se baseou na teoria das facilidades essenciais, sustentando que as contas correntes poderiam ser consideradas uma espécie de infraestrutura de acesso essencial, sem a qual não é possível competir em mercado específico.
Contudo, não foi este o entendimento majoritário do STJ, que concluiu pela validade do ato de rescisão unilateral do Banco Itaú.
A segunda situação foi julgada pelo Cade, e envolveu a empresa de canais por assinatura Directv e a emissora Globo. No caso, a questão se deu por conta de um acordo de exclusividade firmado entre a emissora e a Sky, no qual apenas esta última poderia incluir em seu pacote a programação da Rede Globo. A Directv pleiteava, então, a nulidade da cláusula e consequente liberação para que procedesse à inclusão dos canais da emissora em seus pacotes ofertados.
Contudo, o posicionamento do órgão administrativo foi no sentido de que os canais da Rede Globo não se caracterizavam como essential facilities, não impedindo que a Directv comercializasse seus pacotes de canais e se mantivesse inserida no mercado, não havendo que se falar em atos de monopólio.
Conclui-se, assim, que a Essential Facilities Doctrine, importada dos Estados Unidos, ainda é aplicada no Brasil de forma tímida e restrita, com algumas ressalvas em relação a sua forma de aplicação quando comparada aos tribunais estrangeiros, que também se diferenciam, de certa maneira, entre si. Inclusive, Maria Silvya Zanella Di Pietro entende que, o que se conhece por facilidade essencial no exterior, no ordenamento jurídico brasileiro seriam as denominadas servidões administrativas.
Busca-se, através das essential facilities, a contenção do monopólio absoluto de bens que impedem novos players de adentrarem ao mercado de determinado segmento, o que, consequentemente, gera prejuízos de alcance particular, quando observado do ponto de vista do agente econômico, e de alcance público quando se trata dos reflexos incidentes diretamente na sociedade e no desenvolvimento econômico do país.
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O episódio 55 do podcast Sem Precedentes discute o silêncio do STF diante da crise militar do governo Bolsonaro. Ouça:
https://www.youtube.com/watch?v=WAU2xWiR5DQ&list=PLfhZjWODW9JVuLFe6U_ulxCduBHTeECHC&index=1
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Cf. SALOMÃO FILHO, Calixto. Obra citada, p. 112.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> NUNES, Simone Lahorgue. Direito Autoral e Direito Antitruste. 2012. Rio de Janeiro: Elsevier, p. 186
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> NESTER, Alexandre Wagner. A Doutrina das Essential Facilities: compartilhamento de infra-estrutura e redes. 2006. 383 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Direito, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2006
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> ARAGÃO, Alexandre Santos de. Serviços Públicos e Concorrência. Revista de Direito Público da Economia. Belo Horizonte: Fórum, n. 2, p. 59-124, abr./maio/jun. de 2003

Linhas de transmissão de energia, energia elétrica

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JOTA

Quando o Estado pode obrigar o titular a proporcionar acesso ao bem a um valor razoável e em condições não excludentes

Análise legal e constitucional das Essential Facilities no exterior e no Brasil

Tese tem seu cerne no reconhecimento de bens que sejam necessários para que o empresário tenha condições mínimas de competir no mercado