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‘Esqueçam o que escrevi’ sobre ações de controle concentrado

A discrepante contradição entre doutrina e jurisprudência em questão de cabimento de ações de controle concentrado

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Crédito: Rosinei Coutinho/SCO/STF

Do folclore político nacional resgatamos e para dar título a este expediente a frase atribuída a Fernando Henrique Cardoso, quando este ocupava o posto de ministro da Fazenda: “esqueçam o que escrevemos, porque o mundo mudou e a realidade hoje é diferente” [1], que ficou cunhada em definitivo como “esqueçam o que escrevi”.

E assim tomamos de empréstimo aludida frase do anedotário brasileiro para apresentar ao leitor a narrativa que segue, esta fundada no fato de que julgadores têm deixado de aplicar seu posicionamento doutrinário às decisões que proferem.

Pois bem, sigamos. Foi ajuizada no Supremo Tribunal Federal (STF) e no corrente ano Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) contra o conjunto decisório originário do Superior Tribunal de Justiça (STJ) para o tema do “excesso de peso por eixo” [2 e 3]. A ADPF em questão foi autuada sob nº 888 e distribuída para relatoria do Ministro Alexandre de Moraes.

O Ministro relator Alexandre de Moraes para a ADPF 888 concluiu, monocraticamente, por negar seguimento a mencionada ação de controle concentrado sob o fundamento de que as decisões judiciais proferidas pelo STJ e objeto das alegações de inconstitucionalidade expostas na ADPF “estão submetidas regularmente ao sistema recursal, havendo instrumento processual à disposição das partes para revertê-las.”

Como não é objeto deste artigo tratar da correção – ou não [4] – da decisão proferida naquela ADPF, prossigamos com aquilo que é de interesse para este texto noticiando que referida deliberação jurisprudencial monocrática foi impugnada via interposição de recurso de agravo.

O agravo foi então submetido a julgamento no plenário virtual do STF, sendo que, à unanimidade de votos, os ministros integrantes da Corte acompanharam o entendimento da relatoria pela negativa de provimento ao recurso interposto.

Causa-nos espécie, entretanto e para a hipótese levada a julgamento em plenário virtual, que a doutrina a tempos posta por 2 (dois) dos 10 (dez) ministros votantes [5 e 6] segue em sentido totalmente contrário ao decidido pela composição plenária da Corte; rememorando, por oportuno, que a decisão que confirmou a negativa de seguimento a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental foi unânime.

Temos, portanto, demonstrada a inusitada situação na qual o doutrinador ficou menor que o julgador, pois doutrina sua forjada no sentido de que “tendo em vista a natureza objetiva da ADPF, o exame de sua subsidiariedade deve levar em consideração os demais processos objetivos já consolidados no sistema constitucional”, apequenou-se quando negou seguimento a ADPF ajuizada contra conjunto decisório inconstitucionalmente firmado pelo STJ para a matéria do “excesso de peso por eixo” [2 e 3].

Em conclusão, cremos correto o título aposto a este expediente, pois não só alguns julgadores têm afirmado não se importar o que pensam os doutrinadores [7], como, agora, os próprios julgadores, também doutrinadores, implicitamente estão a dizer: “esqueçam o que escrevi”.

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Referências

[1] OLIVEIRA, João Carlos de; SEIDL, Antonio Carlos. Folha de São Paulo, 05 de junho de 1993

[2] A urgência de se aprofundar no debate do transporte de cargas e excesso de peso, ‘in’ https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/a-urgencia-de-se-aprofundar-no-debate-do-transporte-de-cargas-e-excesso-de-peso-11052020 , 11/05/2020

[3] A responsabilidade do STJ quando da solução para o transporte de cargas nacional, ‘in’ https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/a-responsabilidade-do-stj-quando-da-solucao-para-o-transporte-de-cargas-nacional-04082021 , 04/08/2021

[4] ADPF nºs 33; 388; e, 554

[5] MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional 16ª edição. São Paulo: Saraiva Editora, 2021, pág. 1491-1493

[6] BARROSO, Luís Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. 8ª edição. São Paulo: Saraiva Editora, 2019, pág. 369-370

[7] AgReg em ERESP n° 279.889-AL, Ministro Humberto Martins, STJ