Paulo Fernando Pinheiro Machado

<blockquote class="jota-article__quote">
<blockquote class="jota-article__citation">“Era verde el silencio, mojada era la luz, 
temblaba el mes de Junio como una mariposa (...)”</blockquote>
<blockquote class="jota-article__citation">- Pablo Neruda.</blockquote>
</blockquote>
Adentramos junho, passando o marco da metade do ano de 2021. Os projetos de vida sem pandemia recrudescem, tímidos, e a esperança se torna algo um tanto diáfana. Junho treme como uma borboleta que quer voar, mas tem que ficar presa à terra. De máscaras. Pelo andar da carruagem, neste ano talvez não tenhamos arraial.
Junho, historicamente, tem sido um mês de extremos, em particular para os franceses. Em 5 de junho de 1832, a Revolta Republicana eclodia detonando barricadas em Paris, em evento que inspiraria Victor Hugo a escrever “Os Miseráveis”. Pouco mais de um século mais tarde, em 23 de junho de 1940, Hitler governava a Cidade-Luz por escuras três horas de mais puras trevas. Paris bem vale uma missa. Iluminada, de preferência.
<a href="https://www.jota.info/produtos/poder?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Poder_materias"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>
Em junho de 2021, complicações ainda rondam a capital francesa, sendo a última a divulgação pela rede de comunicação dinamarquesa DR, que a Agência de Segurança Nacional dos EUA teria se utilizado da infraestrutura de inteligência da Dinamarca para espionar altos funcionários europeus, incluindo Chefes de Estado, durante a administração Barack Obama. No dia 31 de maio, Angela Merkel e Emmanuel Macron solicitaram esclarecimentos a Washington e a Copenhague. Não se engane, cara leitora. O antepasto parece requentado, mas não o é. Seria, talvez, se o atual presidente norte-americano, Joe Biden, não tivesse sido o vice de Obama.
<blockquote class="jota-article__eye">A depender de como o assunto irá evoluir, esta pode ser uma das mais graves crises do projeto de integração europeia depois do Brexit.</blockquote>
Do lado da diplomacia luso-brasileira, junho é tempo de celebração. Em 7 de junho de 1494 foi assinado o Tratado de Tordesilhas entre Portugal e Castela. O tratado estabelecia como linha divisória dos mares o meridiano a 370 léguas da ilha de Santo Antão, em Cabo Verde. As terras à leste desta linha pertenceriam a Portugal e as à oeste a Castela. O Barão do Rio Branco assim marcava a data, nas suas Efemérides: “Tratado de Tordesilhas entre dom João II, rei de Portugal, e dom Fernando e dona Isabel, reis de Castela, dando maior extensão à linha traçada pelo papa Alexandre VI, na bula de 4 de maio de 1493.” Era o início da coisa toda.
O diplomata português nas negociações de Tordesilhas foi Rui de Souza, Senhor de Sagres e Beringel, e filho de Martim Afonso de Souza, o comandante da primeira expedição colonizadora do Brasil e o primeiro donatário da Capitania de São Vicente. Rui de Souza era um diplomata muito experiente. Havia participado de missões a Madri, Londres e Fez. Fora, também, embaixador no Congo, onde mandou erigir a Catedral de São Salvador, a primeira igreja cristã na África sub-saariana, hoje em ruínas. Os reis lusitanos não brincavam com sua diplomacia. Construíram uma tradição de excelência diplomática que foi mesmo uma das razões pela qual mantiveram sua independência em face da superioridade militar castelhana.
Do lado das finanças, as criptomoedas também seguem tremendo como borboletas. A batalha por mais regulação dos ativos digitais não arrefece. Agora foi a vez do Presidente da Securities and Exchange Commission dos EUA (SEC), Gary Gensler, manifestar preocupação com a falta de regulamentação das criptomoedas, esfriando certa expectativa do mercado de que a comissão aprovasse a operação de fundos de investimentos nos ativos digitais. A bitcoin recuperou um pouco de seu preço, depois de ter encerrado maio com perdas de cerca de 35%. De toda forma, no acumulado do ano a valorização ainda é de 27,8%.
Em terra de cego, quem tem um olho é rei. Valorização nominal é conversa para boi dormir. O que interessa é a valorização real, descontada a inflação. O Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M), fechou maio com o acumulado do ano em 14,39%. A valorização real da bitcoin, assim, fica em torno de 13,41%, acima mesmo da evolução do PIB, que fechou o primeiro trimestre em alta de 1,2%, atraindo até menção do Financial Times.<a href="applewebdata://B6523DD8-A90E-45F0-ABD2-D282F91B31DD#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> Abaixo, contudo, de outros ativos populares no mercado, como ações e imóveis, que parecem estar claramente em uma bolha. Quem viver verá.
Ao que tudo indica, portanto, parece que o movimento de queda se trata de uma correção que traz as criptomoedas para onde deveriam originalmente estar. Se elas são instrumentos de reserva, como o ouro e outros metais preciosos, sua função é a de manter valor no longo prazo, protegendo o principal da inflação e acompanhando o crescimento real da economia. Ao contrário do que dizem por aí, não são investimentos especulativos. Se o ouro vale o que o ouro vale, a bitcoin vale o que a bitcoin vale. Bingo.
Aliás, o perigo parece ser realmente o de o dragão da inflação ter acordado com uma fome de anteontem. O barril de petróleo tipo Brent passou, no dia 1º de junho, a marca dos USD 70,00 pela primeira vez desde maio de 2019. Já o blend padrão West Texas Intermediate entrou o mês a USD 67,72, o maior valor desde outubro de 2018. Aumentos similares são verificados pelas commodities em geral, em particular cobre e madeiras. Bem aqueles que você vai precisar, cara leitora, para reformar a sua casa. Uma eventual retomada consistente da demanda global, gerada não apenas por campanhas de vacinação de sucesso, mas principalmente pela enxurrada de dinheiro do banco imobiliário que os bancos centrais vêm injetando nas economias nacionais, poderia acelerar a atual espiral inflacionária, produzindo um verdadeiro choque de oferta em escala global.
No ano passado, a produção de commodities foi desacelerada em face da pandemia, com paralisação de plantas ao redor do globo, e uma retomada da oferta não se daria no mesmo ritmo da retomada da demanda, porque a reativação da produção necessita de mais tempo para se alocar. Isso já vem gerando uma espiral inflacionária mundial, conforme antecipamos em artigo no Valor Econômico em fevereiro.<a href="applewebdata://B6523DD8-A90E-45F0-ABD2-D282F91B31DD#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>Desnecessário lembrar, a inflação é particularmente maligna para os mais pobres. Nada de novo sob o sol. A questão é: que consequências políticas teria um terremoto inflacionário no ambiente polarizado e envenenado em que estamos vivendo?
Junho adentra tremendo como uma borboleta e anunciando ainda maiores tremores de terra. Espero que as suas calendas nos tragam um alento para a festa de São João. Aqui no sul celebrada com pinhão e erva-mate, o antídoto de Tupã para a solidão de Caá-Yari. Mas essa é outra história, para outras calendas.
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JOTA

Junho se inicia anunciando tremores de terra

Espionagem, diplomacia, criptomoedas e inflação

Junho se inicia anunciando tremores de terra