Filipe Coutinho

Steven B. Goldman

Imagine o seguinte cenário: uma multinacional fará um negócio relevante aqui no Brasil e, para isso, iniciará um processo de due diligence. Além de fazer as verificações de sempre e responder perguntas fundamentais (os números estão corretos?; os documentos corroboram aquilo que foi planejado?), em algum momento da negociação, uma questão deve surgir: há algum risco para a reputação?
Nos últimos anos, essa pergunta ganhou relevância, particularmente diante de casos de corrupção. E as razões incluem o endurecimento de instrumentos de fiscalização, como foi com a operação Lava Jato no Brasil, o Programa de Premiação a Delatores<a href="#_edn1" name="_ednref1">[1]</a> da Securities and Exchange Commission (SEC) – a Comissão de Valores Mobiliários americana – e a lei brasileira anticorrupção de 2013 que pune empresas. E, como consequência de tudo isso, uma indústria de compliance e programas anticorrupção que emergiu no Brasil.
<a href="https://www.jota.info/produtos/poder?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Poder_materias"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>Mas há ainda um amplo leque de premissas e questões a serem respondidas antes de se fechar negócios. Entre elas, algumas são cruciais: “Quais são os riscos de se envolver com uma companhia que não tem compromisso com meio ambiente, não respeita a diversidade em seu ambiente de trabalho e/ou acumula casos de discriminação e assédio?”
Este conjunto relativamente novo de exigências surge em razão de mudanças no mercado norte-americano, que cada vez mais torna-se também global. E aqui no Brasil espera-se que essas exigências também sejam corriqueiras em breve – assim como os tais programas de compliance já são.
Trata-se da responsabilidade social nos negócios, simplificada por três grandes áreas de atuação, na sigla ESG: Environmental, Social and Governance (em português, algo como “Ambiental, Social e Governança”) – termo usado no mundo corporativo e no mercado financeiro para resumir boas práticas relacionadas a responsabilidade social e governança<a href="#_edn2" name="_ednref2">[2]</a>.
Essas orientações de “ESG” são fundamentais para tomadores de decisões, assim como para quem os assessora em grandes negócios. Por quê? Primeiro, porque contratos e negociações exigem cada vez mais verificações mais profundas e versáteis. Não bastará somente um ótimo programa de compliance.
Segundo, o conceito de “ESG” será usado como uma forma de medir resultado das empresas. E, terceiro, a sociedade vem progressivamente exigindo boas práticas nessa área. Por tudo isso, preocupações relacionadas a reputação e imagem tornam-se elementos fundamentais em um negócio. E, por isso, “ESG” passa então a ser a coisa certa em negociações já em muitos casos.
Imagine o seguinte: é preciso verificar o passivo trabalhista da empresa e checar se não há ali algo que possa ser visto, por exemplo, como abusivo. E se essa verificação falhar, existe uma grande chance de toda a negociação naufragar. A corporação não vai querer correr o risco de se associar a uma empresa que, por exemplo, use trabalho infantil. O risco de crise é altíssimo.
E esse risco, em vez de evitá-lo desde o início, pode ter um custo de imagem difícil de calcular com precisão em termos monetários, mas é certo que será muito danoso para a imagem e reputação dessa corporação e, em última análise, para suas finanças. É por isso que identificar e gerenciar os riscos relacionados às responsabilidades sociais de “ESG” é crítico.
Nesse caso hipotético, o risco ali não é do passivo trabalhista, da avalanche de processos e do custo que isso pode representar. Esse risco, financeiro, sempre existiu nesse tipo de caso, e, na verdade, pode ser calculado. Mas o conceito de “ESG” traz fatores não financeiros para o processo de análise que são até mais importantes: a responsabilidade social.
Outro exemplo é o crescente número de multinacionais com uma agenda clara de proteção ao meio ambiente. E as empresas brasileiras que se orientem por princípios sólidos de ESG deverão seguir guias de boas práticas na área de sustentabilidade e em muitos casos já até devem ter esses manuais divulgados em seus sites.
Entretanto, profissionais que assessoram grandes transações aqui no Brasil, incluindo advogados, devem também passar a considerar outros enfoques:
<ul>
<li>A equipe identificou riscos e analisou os impactos – financeiros, de reputação e “ESG”?</li>
<li>Algum executivo da empresa já foi alvo (ou preso) de uma operação da Polícia Federal?</li>
<li>Houve verificações sobre multas aplicadas por autoridades ambientais como o Ibama?</li>
<li>Houve checagem se a empresa está na Lista Suja do Ministério do Trabalho de trabalho escravo<a href="#_edn3" name="_ednref3">[3]</a>?</li>
<li>Há casos de discriminações racial, religiosa ou sexual dentro da empresa sob investigação ou que já se converteram em processo judicial?</li>
</ul>
Essas verificações podem ser decisivas para se identificar riscos, evitar crises e, por consequência, salvar um negócio.
E na prática a resposta para essas perguntas levam a um ponto central em negociações complexas: monitore os riscos para a reputação. CEOs ou donos de empresas tendem a focar mais nas potencialidades de lucro de um possível negócio.
Entretanto, aos demais atores dessa negociação – especialmente prestadores de serviços especializados, como advogados e consultores técnicos – cabe identificar e gerenciar todos os riscos envolvidos. Dados financeiros são importantes, mas os valores de nossa sociedade hoje impõem um conjunto novo e diferente de variáveis.
Vale colocar aqui novamente nosso ponto central com uma clareza solar: goste-se ou não, crise, riscos e reputação caminham lado a lado. E a responsabilidade social das empresas e os grandes negócios que elas fazem – e que serão assessorados por advogados – tem tudo a ver com essa nova visão.
No mundo atual, com o conceito de “ESG” cada vez mais ditando como devem ser os negócios, o lucro seguirá sendo um fator decisivo, claro. Mas não será o único. O maior exemplo está no Manifesto de Davos 2020, publicado pelo Fórum Econômico Mundial<a href="#_edn4" name="_ednref4">[4]</a>.
Eis um trecho, no original em inglês: “Performance must be measured not only on the return to shareholders, but also on how it achieves its environmental, social and good governance objectives”. Mais claro, impossível.
<blockquote class="jota-article__eye">Uma crise muito provavelmente vai acontecer se a reputação de uma empresa não for monitorada, analisada e insistentemente protegida. Esse fator elementar deve ser corriqueiro em um processo de due diligence de um grande negócio.</blockquote>
Nos últimos anos, a corrupção tem sido vista como o grande risco para desencadear uma crise. O mundo, contudo, mudou. Sem seguir os princípios de “ESG”, os riscos são infinitos e incontroláveis.
Hoje em dia, compliance e medidas anticorrupção já fazem parte do repertório de um advogado em suas atividades. A advocacia deve também começar a aplicar os princípios do “ESG”.
E deve fazer isso já. Não há caminho de volta.
<hr />
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}, 3000);
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<hr />
<a href="#_ednref1" name="_edn1">[1]</a> Veja em: &lt;<a href="https://www.sec.gov/page/whistleblower-100million">https://www.sec.gov/page/whistleblower-100million</a>&gt;. O programa da SEC foi criado pelo Congresso americano para incentivar delatores. Ele paga em dinheiro para quem denunciar crimes em qualquer lugar do mundo, de acordo com as regras da lei de corrupção estrangeira, o FCPA (Foreign Corrupt Practices Act). Operações baseadas em informações deste programa já resultaram em multas de mais de 2 bilhões de dólares desde 2011.
<a href="#_ednref2" name="_edn2">[2]</a> Veja em: &lt;<a href="https://www.sec.gov/news/press-release/2021-42">https://www.sec.gov/news/press-release/2021-42</a>&gt;. No começo de março, por exemplo, a SEC anunciou a criação de uma força-tarefa para monitorar apenas ações do mercado financeiro voltadas para ESG e mudanças climáticas.
<a href="#_ednref3" name="_edn3">[3]</a> Veja em: &lt;<a href="https://www.gov.br/trabalho/pt-br/assuntos/fiscalizacao/combate-ao-trabalho-escravo">https://www.gov.br/trabalho/pt-br/assuntos/fiscalizacao/combate-ao-trabalho-escravo</a>&gt;.
<a href="#_ednref4" name="_edn4">[4]</a> Davos Manifesto 2020: The Universal Purpose of a Company in the Fourth Industrial Revolution. Veja em: &lt;<a href="https://www.weforum.org/agenda/2019/12/davos-manifesto-2020-the-universal-purpose-of-a-company-in-the-fourth-industrial-revolution/">https://www.weforum.org/agenda/2019/12/davos-manifesto-2020-the-universal-purpose-of-a-company-in-the-fourth-industrial-revolution/</a>&gt;.

Compliance

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JOTA

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