Tributário

Escrituração extemporânea de créditos de PIS/Pasep e COFINS

Decisões da Câmara Superior do CARF e possibilidade de registro específico na EFD-Contribuições

Crédito: Pixabay

Em paralelo às discussões em torno da abrangência do conceito de “insumos”[1] para fins de creditamento do PIS/Pasep e COFINS, outro tema que preocupa os contribuintes é a exigência imposta pela Receita Federal de que o aproveitamento extemporâneo de créditos de referidas contribuições seja acompanhado de prévia retificação das respectivas obrigações acessórias – DACON, EFD-Contribuições e DCTF.

Em termos objetivos, o crédito extemporâneo “é aquele cujo período de apuração ou competência do crédito se refere a período anterior ao da escrituração atual, mas que somente agora está sendo registrado”[2]. Vale repisar que a extemporaneidade do crédito “tem correlação com a data de competência do crédito e não com a data da aquisição ou da emissão de nota fiscal”[3].

De fato, o tema ainda é de certo modo controvertido[4] no âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (“CARF”), sendo fácil localizar decisões conflitantes exaradas pelas Turmas que compõem a Terceira Seção[5].

Nesse contexto, em sessão do dia 25/01/2018, a 3ª Turma da Câmara do Superior do CARF proferiu os Acórdãos nºs 9303-006.247 e 9303-006.248 (publicados em 01/03/2018), ambos de relatoria do Conselheiro Charles Mayer de Castro Souza, por meio dos quais se reconheceu o direito do contribuinte em aproveitar créditos extemporâneos do PIS/Pasep e COFINS sem a necessidade de retificação da DACON e da EFD-Contribuição de períodos anteriores. Confira-se a ementa:

“CRÉDITOS DA CONTRIBUIÇÃO NÃO CUMULATIVA. RESSARCIMENTO. CRÉDITOS EXTEMPORÂNEOS. PEDIDO DE RESSARCIMENTO.

Na forma do art. 3º, § 4º, da Lei nº 10.833/2003, desde que respeitado o prazo de cinco anos a contar da aquisição do insumo, o crédito apurado não-cumulatividade do PIS e Cofins pode ser aproveitado nos meses seguintes, sem necessidade prévia retificação do Dacon por parte do contribuinte ou da apresentação de PER único para cada trimestre.

As linhas 06/30 e 06/31 do DACON, denominadas respectivamente de “Ajustes Positivos de Créditos” e de “Ajustes Negativos de Créditos”, contemplam a hipótese de o contribuinte lançar ou subtrair outros créditos, além daqueles contemporâneos à declaração.

Também a EFD PIS/Cofins, constante do Anexo único do Ato Declaratório Executivo COFIS nº 34/2010, prevê expressamente a possibilidade de lançar créditos extemporâneos, nos registros 1101/1102 (PIS) e 1501/1502 (Cofins)”.

Em seu voto, o Conselheiro Relator faz menção à decisão proferida pela 3ª Turma da Câmara Superior no Acórdão nº 9303-004.562[6], de 08/12/2016, pelo qual a turma havia chegado a idêntico entendimento, isto é, pela prescindibilidade de prévia retificação.

O Relator destaca também a decisão proferida no Acórdão nº 3202-001.617, de 19/03/2014, proferido pela 2ª Turma da 2ª Câmara da 3ª Seção do CARF, em que também se decidiu pelo afastamento da exigência de retificação do DACON e EFD-Contribuições de períodos pretéritos.

A síntese do entendimento fixado – o que, diga-se de passagem, já era defendido pela doutrina especializada[7] – é de que inexiste previsão legal que imponha a retificação das obrigações acessórias para o aproveitamento extemporâneo dos créditos de PIS/Pasep e COFINS. Com razão, o art. 3º, § 4º, das Leis nº(s) 10.637/02 e 10.833/03 dispõe apenas que “o crédito não aproveitado em determinado mês poderá sê-lo nos meses subsequentes”.

Outra importante ponderação trazida pelo Acórdão nº 3202-001.617 é de que ausência de retificação não pode em hipótese alguma obstar o direito creditório do contribuinte, devendo ser punida apenas com a multa prevista na legislação para descumprimento de obrigação acessória, tal como aquela contida no art. 7º da Lei nº 10.426/02.

Diga-se que os acórdãos proferidos pela 3ª Turma da Câmara Superior configuram, de fato, excelentes precedentes aos contribuintes, uma vez que, embora não sejam vinculantes, as decisões exaradas pela Câmara Superior têm o condão de uniformizar o entendimento do CARF sobre o assunto[8].

No entanto, é verdade que o contribuinte que queira se valer do posicionamento da Câmara Superior para lançar créditos extemporâneos em sua EFD-Contribuições poderá enfrentar óbices impostos pelo próprio sistema, senão vejamos.

Conforme ficou decidido pela Câmara Superior, o próprio programa do SPED EFD-Contribuições contém campos específicos para o lançamento de créditos extemporâneos, mais especificamente os registros 1101/1102 (PIS) e 1501/1502 (COFINS). Nesse sentido, vejamos o que dispõe o Guia Prático da EFD-Contribuições[9] a respeito do preenchimento dos referidos registros:

“1. Os registros para informação extemporânea de créditos (registros 1101, 1102, 1501, 1502) e de contribuições (1200, 1210,1220 e 1600,1610,1620), passíveis de escrituração para os fatos geradores ocorridos até 31/07/2013, tanto na versão 2.04a como na nova versão 2.05, tinha a sua justificativa de escrituração apenas para os casos em que o período de apuração a que dissesse respeito a operação/documento fiscal, geradora de contribuição ou crédito, ainda não informada em escrituração já transmitida, não pudesse ser mais objeto de retificação, por ter expirado o prazo de retificação até então vigente na redação original da IN RFB 1.252/2012 (retificação até o término do ano calendário seguinte ao que se refere a escrituração original), conforme consta orientação no próprio Guia Prático da Escrituração, de que estes registros só deveriam ser utilizados, na impossibilidade de retificar as escriturações referentes às operações ainda não escrituradas.

  1. Com o novo disciplinamento referente à retificação da EFD-Contribuições determinado pela IN RFB nº 1.387/2013, permitindo a escrituração e transmissão de arquivo retificador no prazo decadencial das contribuições, ou seja, em até cinco anos, a contar do período de apuração da EFD-Contribuições a ser retificada, deixa de ter qualquer fundamento de aplicabilidade e de validade os referidos registros, uma vez que todas as normas editadas pela Receita Federal quanto às obrigações acessórias, inclusive as do Sped, estabelece o instituto da retificação, para o contribuinte acrescentar, informar, registrar, sanear, qualquer fato que deveria ser incluído na declaração/escrituração original, conforme prazo e condições de retificação definidos para cada obrigação acessória. 3. No tocante à EFD-Contribuições, o prazo em vigor para retificação é agora de cinco anos, de forma que eventual documento ou operação que não tenha sido devidamente escriturado em qualquer escrituração dos anos de 2011, 2012 ou 2013, podem agora ser regularizados, mediante a retificação da escrituração original correspondente, nos Blocos A, C, de F”. (g.n.)

Isto é, de acordo com o Guia Prático, os registros 1101/1102 (PIS) e 1501/1502 (COFINS) eram passíveis de escrituração apenas para fatos geradores ocorridos até 31/07/2013. Isso pois, até então estava vigente a redação original do §1º, do art. 11, da Instrução Normativa RFB nº 1.252/2012, a qual dispunha que “o arquivo retificador da EFD-Contribuições poderá ser transmitido até o último dia útil do ano-calendário seguinte a que se refere a escrituração substituída”.

Destarte, pela interpretação dada, os supramencionados registros seriam utilizáveis apenas nas hipóteses em que não era mais possível a retificação do arquivo EFD transmitido, justamente em razão da limitação temporal imposta por referida Instrução Normativa da RFB.

Isto é, os mencionados registros não teriam como objetivo a inserção de informações relativas a créditos extemporâneos, até mesmo porque, como visto, o entendimento da própria Receita Federal é pela necessidade de prévia retificação das declarações pretéritas.

Percebe-se, portanto, que, não obstante os excelentes precedentes proferidos pela Câmara Superior do CARF, o contribuinte pode se deparar com trava do próprio sistema da EFD-Contribuições que impeça a transmissão do arquivo ou, caso consiga efetuar a transmissão, a utilização dos supracitados registros estará exposta a possíveis questionamentos da Receita Federal[10] em procedimento fiscalizatório.

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[1] Originada a partir da interpretação restritiva adotada pela Receita Federal nas Instruções Normativas SRF nº(s) 247/2002 e 404/2004, a discussão acerca do conceito de “insumos” para fins de creditamento do PIS/Pasep e da COFINS, ganhou recentemente um importante capítulo com a decisão da 1ª Seção do STJ, que, no julgamento do REsp nº 1.221.170/PR, em sede de recurso repetitivo, declarou ilegal a disciplina de creditamento prevista nas citadas instruções normativas e consagrou o entendimento de que o “insumo” deve ser aferido à luz dos critérios da essencialidade ou relevância, isto é, a partir da importância de dado bem ou serviço para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte.

[2] Guia Prático da EFD-Contribuições – Versão 1.25: Atualização em 05/01/2018. Disponível em: http://sped.rfb.gov.br/arquivo/show/2364. Acesso em: 19/03/2018.

[3] “Por exemplo: Caso uma empresa que adote o método da apropriação direta adquira um insumo em janeiro e o produto adquirido só venha configurar o direito a crédito, pelo método da apropriação direta, em abril, deve ser regularmente informada a aquisição na escrituração de abril, no Bloco C, com o CST representativo de crédito do período (50 a 56). Agora, se o crédito da aquisição de janeiro é de competência abril, mas a empresa não escriturou em abril e sim em maio, estaria então configurada a situação de extemporaneidade.” (Perguntas e Respostas EFD Contribuições. Disponível em: http://sped.rfb.gov.br/arquivo/show/1761. Acesso em: 19/03/2018)

[4] No sentido de exigir a retificação das obrigações acessórias: “CRÉDITOS. REGIME DE RECONHECIMENTO. CREDITAMENTO EXTEMPORÂNEO. DACON.RETIFICAÇÕES. COMPROVAÇÃO. Os créditos da não cumulatividade devem ser reconhecidos no período de apuração em que for realizada aquisição do bem ou contratada a prestação do serviço. Para utilização de créditos extemporâneos, é necessário que reste configurada a não utilização em períodos anteriores, mediante retificação das declarações correspondentes, ou apresentação de outra prova inequívoca da sua não utilização.” (Acórdão nº 3402.003-148 – 4ª Câmara / 2ª Turma Ordinária, Sessão de 20/07/2016). Em sentido oposto, destaque-se: CRÉDITO EXTEMPORÂNEO DE PIS/COFINS. APROVEITAMENTO. AUSÊNCIA DE APRESENTAÇÃO DE DECLARAÇÕES RETIFICADORAS (DCTF E DACON), OU SEJA, DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA, NÃO PODE IMPEDIR A FRUIÇÃO DO DIREITO DE CRÉDITO. ARTIGOS 3º, PARÁGRAFO 4º, DAS LEIS Nº 10.637/2002 E LEI 10.833/2003. As Leis nº 10.637/2002 e nº 10.833/2003 prevêem a possibilidade de apropriação de créditos de PIS/COFINS em períodos diversos daqueles em que apurados, sem fazer qualquer ressalva ou restrição. Não existindo qualquer restrição de direito na Lei, não se pode admitir que tal restrição seja amparada por atos infra­legais nem que o descumprimento de obrigação acessória implique a negativa de direito de crédito.” (Acórdão nº 3401.004.362 – 4ª Câmara / 1ª Turma Ordinária, Sessão de 31/01/2018)

[5] Conforme o art. 4º da Portaria MF nº 343/2015 (“RICARF”), à 3ª Seção cabe processar e julgar recursos de ofício e voluntário de decisão de 1ª (primeira) instância que versem sobre aplicação da legislação referente a Contribuição para o PIS/Pasep e COFINS, inclusive quando incidentes na importação de bens e serviços.

[6] Vide sua ementa: “CRÉDITOS DA CONTRIBUIÇÃO NÃO CUMULATIVA. RESSARCIMENTO. CRÉDITOS EXTEMPORÂNEOS. PEDIDO DE RESSARCIMENTO. Na forma do art. 3º, § 4º, da Lei nº 10.833/2003, desde que respeitado o prazo de cinco anos a contar da aquisição do insumo, o crédito apurado não-cumulatividade do PIS e Cofins pode ser aproveitado nos meses seguintes, sem necessidade prévia retificação do Dacon por parte do contribuinte ou da apresentação de PER único para cada trimestre. As Linhas 06/30 e 06/31 do DACON, denominadas respectivamente de “Ajustes Positivos de Créditos” e de “Ajustes Negativos de Créditos”, contemplam a hipótese de o contribuinte lançar ou subtrair outros créditos, além daqueles contemporâneos à declaração. Também a EFDPIS/Cofins, constante do Anexo Único do Ato Declaratório Executivo COFIS nº 34/2010, prevê expressamente a possibilidade de lançar créditos extemporâneos, nos registros 1101/1102 (PIS) e 1501/1502 (COFINS). Precedente do CARF.”

[7] Após detalhado estudo sobre o tema, José Antonio Minatel conclui categoricamente que: “(…) não deve ser exigida a retificação de DCTF e DACON como condição para o registro de créditos extemporâneos de PIS e COFINS, provenientes de operações realizadas em períodos anteriores. Também não será exigida a retificação de DCTF e DACON de períodos anteriores para aproveitamento de créditos extemporâneos dentro da própria escrita, para amortização de débitos de simultânea ou posterior incidência dessas mesmas contribuições. Por sua vez, o aproveitamento dos créditos extemporâneos mediante Pedidos de Ressarcimento, ou Declaração de Compensação, depende de nova apuração nos períodos pretéritos correspondentes aos fatos que dão suporte aos pretendidos créditos, nova apuração e rateio de créditos comuns que pode ser efetuada à margem da escrituração, por meio de planilhas e demonstrativos que permitam avaliar e dimensionar o montante de créditos ressarcíveis nos períodos pretéritos.” (MINATEL, José Antonio. Crédito extemporâneo de PIS/COFINS no regime não cumulativo: registro e formas de aproveitamento. In: Congresso Nacional de Estudos Tributários, 10., 2013, São Paulo, SP. Sistema tributário brasileiro e as relações internacionais. São Paulo : Noeses, 2013. p. 538 – grifos e sublinhados do autor)

[8] Cf. o art. 67 do RICARF: “Art. 67. Compete à CSRF, por suas turmas, julgar recurso especial interposto contra decisão que der à legislação tributária interpretação divergente da que lhe tenha dado outra câmara, turma de câmara, turma especial ou a própria CSRF.”

[9] Guia Prático da EFD-Contribuições – Versão 1.25: Atualização em 05/01/2018. Disponível em: http://sped.rfb.gov.br/arquivo/show/2364. Acesso em: 19/03/2018.

[10] Em várias oportunidades, a Receita Federal manifestou seu entendimento de que a retificação das obrigações acessórias é imprescindível para o aproveitamento do crédito extemporâneo. Nesse sentido, vide: Solução de Consulta DISIT/SRRF09 nº 229, de 15/09/2010; Solução de Consulta DISIT/SRRF08 nº 65, de 28/03/2011; Solução de Consulta DISIT/SRRF nº 73, de 20/04/2012; Solução de Consulta DISIT/SRRF09 nº 17, de 27/01/2012.