Ivar A. Hartmann

Desde a aposentadoria de Joaquim Barbosa, o décimo primeiro Ministro do STF foi uma longa incógnita. Essa incerteza se estendeu ao próprio poder político da Presidenta Dilma para fazer sua indicação. Lideranças da oposição e atores - alguns internos ao próprio Supremo - vinham se movimentando para ocupar o prolongado vácuo da indicação presidencial. A indicação de Luiz Fachin, em contraste às incertezas dos últimos meses, expressa diversas certezas.
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Há certeza, em primeiro lugar, sobre o norte jurídico-constitucional da indicação. Fachin é um jurista de posições reconhecidamente progressistas. Tem argumentos públicos (e publicados) sobre várias controvérsias importantes do direito contemporâneo, sobretudo na interseção entre o direito privado e os direitos fundamentais.
Professor de direito civil, Fachin vê claramente limites no direito de propriedade, entendendo que “de há muito o Brasil clama por uma impostergável reforma agrária que dê conta da redistribuição de terra, renda e crédito.” Para ele, “é pela atuação efetiva do Estado, mediante desapropriação por interesse social, que as áreas socialmente improdutivas serão destinadas à produção que combata a fome de terra e de justiça fundiária.”
No direito de família tampouco é conservador. Sobre como o direito deve tratar casais do mesmo sexo, defende uma transição para “o modelo de família num reconhecimento plural das possibilidades de entidades familiares”. A adoção por casais do mesmo sexo é pauta provável no Supremo em breve. A posição de Fachin na questão é clara. Afirma que “[n]ão se cogita, aqui, portanto, qualquer distinção “a priori” que venha a dizer respeito ao sexo ou à opção sexual do adotante: atendendo ao melhor interesse da criança, será possível a adoção, sem que haja espaço, aqui, para juízos discriminatórios fundados em preconceitos juridicamente e eticamente intoleráveis.”
Assim como já havia feito ao nomear Luís Roberto Barroso, a presidenta escolheu um jurista com posições conhecidas e compatíveis com bandeiras históricas do Partido dos Trabalhadores em questões jurídica e politicamente salientes. Não há nada de necessariamente errado nisso. Trata-se de resultado esperado do nosso sistema constitucional, com atribuição da escolha ao Executivo. É natural que, entre o indicado e quem o indicou, haja algum grau de alinhamento de concepções sobre o papel do Estado, do direito e da Constituição.
Por isso mesmo, a indicação de Fachin dissipa incertezas também no nível da relação entre as instituições. Na recente conjuntura de tensão entre Executivo e Congresso, mostra que o processo de escolha do Ministro do STF ainda é liderado, de fato, pela Presidência. É certo que, em nosso desenho institucional, o Senado tem poder de veto. A responsabilidade política é, no fim das contas, compartilhada, e qualquer indicação do presidente precisa do apoio do Senado. Mas uma presidenta acuada – ou um Congresso agressivo – poderiam chegar a inverter a lógica: parlamentares impõem um nome à presidenta, “terceirizando” completamente a indicação.  Mas, no caso, esse risco não  se concretizou.
Nesse cenário de polarização e tensões institucionais, Dilma fez uma escolha corajosa. A nova composição do Congresso está mais à direita que a anterior. A atual legislatura é particularmente conservadora. O nome de Fachin certamente não foi indicado para apaziguar o presidente da Câmara, Dep. Eduardo Cunha (PMDB). Aliás, Fachin já vinha sendo mencionado nos últimos anos, para outras vagas no STF, durante governos do PT. É certo que, nesse momento, a escolha de Dilma estava particularmente limitada em termos políticos. Contudo, qualquer que tenha sido o processo de construção de apoio em torno do nome de Fachin, a responsabilidade da indicação tem a clara marca da Presidência.
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Por fim, a indicação de Fachin consolida, no direito constitucional brasileiro, um compromisso com a diversidade de perfis profissionais no STF. Teori Zavascki, Rosa Weber e Luiz Fux são oriundos do Poder Judiciário. Em contraste com eles, e da mesma forma que Luís Roberto Barroso, Luiz Fachin é um advogado militante e professor de direito. Temos hoje um STF que conta com bastante experiência judicial, sem se fechar, porém, a outras trajetórias profissionais igualmente importantes. Aliás, para minimizar o risco político, a indicação de alguém que já está em um tribunal superior (como o STJ ou o TST) poderia ser uma estratégia útil. Mas Dilma não seguiu esse caminho. Fez uma escolha capaz de enriquecer a diversidade do tribunal.
Entretanto, nenhuma das três certezas acima oferece qualquer justificativa para uma sabatina simbólica. Nos últimos anos, há crescente tendência de seriedade nas sabatinas de indicados ao STF na Comissão de Constituição e Justiça. Assim como ocorreu com o Ministro Barroso, provavelmente teremos um candidato de reputação e saber jurídico reconhecidos (inclusive pela oposição) sendo submetido a uma longa e rigorosa bateria de perguntas. Um fenômeno infelizmente raro.
Essa tendência deve ser mantida. Para os Senadores, a eventual verificação da competência do candidato é tarefa acessória. Na verdade, a própria decisão em si, de rejeitar ou aprovar, é apenas uma parte do dever dos Senadores nas sabatinas. Qualquer que seja o resultado da sabatina, o Senado tem a obrigação de utilizá-la para produzir e discutir informação pública sobre o nomeado – sua carreira, suas visões, seus compromissos políticos e morais, o sentido de sua indicação para a jurisprudência futura do STF e o percurso político que seu nome percorreu até chegar à nomeação.
Mesmo que os Senadores recebessem em seus gabinetes informações perfeitas e completas sobre todos os aspectos da vida e da carreira do indicado, não poderiam se furtar a discutir essas informações publicamente na sabatina. É a importância da tarefa que recomenda seriedade na sabatina, independentemente das credenciais do candidato. Com a indicação presidencial de um jurista respeitado e com posições conhecidas, temos um cenário ideal para enfatizar os compromissos republicanos de transparência que deveriam ser um hábito institucional das sabatinas.
Diego Werneck e Ivar A. Hartmann são professores da FGV Direito Rio

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JOTA

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