Marlon Tomazette

Henrique Arake

Sabe-se que algumas startups necessitam de consideráveis recursos financeiros de terceiros para poderem custear suas operações e, com o tempo, crescer e gerar riqueza e emprego. Esse papel é suprido, muitas vezes, por investidores que, tendo os recursos necessários e o interesse em buscar alternativas de investimento, estão dispostos a realizar uma aposta nessas startups.
Entretanto, investidores que são, eles não possuem o know-how necessário para conduzir aquela startup. Em outras palavras, eles necessitam que os fundadores, os “investidos”, permaneçam à frente do empreendimento até que ele passe a dar frutos.
<a href="https://www.jota.info/produtos/poder?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Poder_materias"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>Esse aporte de capital feito pelos investidores acaba por, inadvertidamente, valorizar a sociedade investida, o que, por sua vez, cria incentivos para os acionistas/fundadores que, porventura, prefiram ganhos de curtíssimo prazo ao risco de conduzir um empreendimento, optem por deixar a sociedade, levando consigo o know-how e a expertise muitas vezes desenvolvida às custas do capital do investidor, bem como boa parte dessa valorização. Um comportamento absolutamente indesejável para este.
Não por outro motivo que muitas startups são fundadas sob a estrutura de sociedade anônima, portanto. A ideia é, efetivamente, dificultar que esse comportamento oportunista possa ser efetivado, pois as hipóteses de exercício do direito de retirada são numerus clausus. Ou deveriam ser.
A doutrina especializada já travou intenso debate acerca da natureza jurídica das sociedades, mas pode-se dizer que, com a edição do Código Civil de 2002 (“CC/02” ou “CC”), essa discussão foi resolvida nos seguintes termos: existem as sociedades de pessoas, cujas normas são orientadas a atender o interesse dos sócios (intuitu personae), e as sociedades de capital, orientadas a cumprir o objeto social (intuitu pecuniae).
O liame entre os sócios das sociedades intuitu personae é a afinidade pressupostamente existente entre as pessoas signatárias do contrato de sociedade (affectio societatis).
Desse modo, eventual fato superveniente que elimine essa afinidade pressuposta levaria à inevitável dissolução dessa sociedade. Prerrogativa inexistente para os sócios de sociedades intuitu pecuniae, pois não pressupõem a presença de affectio societatis para existir: são organizadas em razão da expectativa de retorno do investimento feito por cada sócio em um determinado empreendimento coletivo delimitado pelo objeto da sociedade, pouco importando, portanto, a identidade dos demais investidores.
Assim, usualmente, o sócio de uma sociedade de capital, como é o caso de um acionista de uma sociedade anônima, somente tem direito de se retirar se houver uma mudança substancial nas regras do empreendimento em que ele investiu o seu capital (e.g. alteração do objeto social, redução dos dividendos obrigatórios, fusão), ou por meio da venda de suas participações societárias.
A possibilidade de transferência das participações societárias é uma das características essenciais das sociedades modernas, pois, permite a agregação de um número muito maior de investidores em torno de um projeto, na medida em que estes investidores poderão sair do projeto realizando seus investimentos mediante a cessão das suas participações.
Esta possibilidade de negociação torna os investimentos mais atrativos, pois dão mais uma oportunidade de realização de lucros, pela venda das participações, seja no mercado, seja de forma particular, independentemente ou cumulativamente com a percepção dos lucros dos negócios. Sem tais possibilidades, as pessoas ficariam presas por mais tempo e teriam mais dificuldade de dar liquidez aos seus investimentos, o que poderia desincentivar o ingresso nas sociedades.
Ademais, com a possibilidade de negociação, a realização dos lucros não retira valores do patrimônio da sociedade, permitindo que ele continue e expanda seus negócios.
Esse cenário, entretanto, mudou quando o Superior Tribunal de justiça (STJ), ao julgar o REsp nº 111.294 , abandonou o precedente estabelecido no AgRg no Ag nº 34.120 para reconhecer a possibilidade (então apenas excepcional) de existência de affectio societatis em sociedades anônimas e passou a aplicar o regime de dissolução parcial típico das sociedades de pessoas, como uma retirada imotivada.
Como sói acontecer, o que deveria ser excepcional, acabou se tornando a regra e, hoje, juízes de todo o país passaram a “inovar” o ordenamento jurídico, autorizando o exercício do direito de retirada imotivada por acionistas de companhias de capital fechado à margem de qualquer autorização legal.
O problema da utilização indiscriminada desse expediente é que quando um sócio/acionista se retira de uma sociedade, ele passa a ter direito a percepção de seus haveres, i.e., de que a sociedade lhe pague o valor de suas quotas/ações.
Ora, não é difícil se perceber que, a depender do valor apurado para os haveres do sócio/acionista retirante, se a sociedade não tiver tempo para se organizar financeiramente para arcar com o reembolso das ações, ela será obrigada a liquidar operações, alienar filiais produtivas e comprometer a sua capacidade futura de gerar caixa ou mesmo a continuidade da empresa.
<blockquote class="jota-article__eye">É inegável, portanto, que o exercício do direito de retirada pelo acionista não é um ato isento de consequências, pois afeta sobremaneira a capacidade produtiva futura da empresa o que, por sua vez, compromete o retorno esperado pelo investidor.</blockquote>
Desse modo, o Judiciário brasileiro, ao banalizar o exercício do direito de retirada e estender (contra legem) as hipóteses em que esse direito é cabível, acabou por criar uma insegurança jurídica extrema para os investidores, desincentivando, por conseguinte, o fluxo de dinheiro advindo do mercado financeiro para financiar novos empreendimentos.
Esse é o tipo de situação que a Lei nº 13.874/19 (“Lei da Liberdade Econômica”) veio impedir, ao obrigar o Estado-Juiz a interpretar negócios jurídicos em favor dos investimentos e da propriedade privada (art. 1º, §2º, da LLE), bem como a limitar a intervenção estatal apenas a casos excepcionais. O que se observa com a jurisprudência inaugurada pelo STJ e má-utilizada pelos Tribunais é, infelizmente, exatamente o contrário: a utilização de um conceito extremamente indeterminado e criticado pela doutrina (affectio societatis) para justificar a violação do que fora apalavrado em momento anterior.
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Bibliografia 
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