Marlon Tomazette

Para um empresário já estabelecido ampliar sua rede de distribuição, sem a necessidade de assumir pessoalmente despesas vultosas, a franquia surge como um mecanismo extremamente interessante. De outro lado, para quem quer ter êxito numa nova atividade empresarial, a utilização de uma imagem empresarial já consolidada, também se mostra muito interessante.
A conjugação desses interesses permite uma colaboração empresarial, que tem se difundido cada vez mais, pelos benefícios trazidos às partes e até aos consumidores, que passam a ter acesso aquela atividade empresarial na sua região. O contrato de franquia se insere dentre os instrumentos de colaboração utilizados pelos empresários, sendo “o mais relevante, heterogêneo e complexo contrato de distribuição comercial” (ENGRÁCIA ANTUNES). 
<a href="https://conteudo.jota.info/poder-contato?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Poder_materias"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>Assim, sempre que o franqueador tiver interesse na implantação de sistema de franquia empresarial e encontrar sujeitos interessados na exploração do negócio, ele deve previamente à celebração do contrato prestar informações ao interessado para que este possa celebrar o contrato, ciente de todas as condições do negócio. Assim, existe na fase pré-contratual um dever de prestação de informações que vem sendo reconhecido no mundo inteiro, como uma parte essencial da celebração de qualquer contrato.
No Brasil, a Lei nº 13.966/2019 impõe ao franqueador a obrigação de fornecer ao interessado em tornar-se franqueado uma Circular de Oferta de Franquia (COF), por escrito e em linguagem objetiva e acessível, contendo obrigatoriamente as informações previstas no artigo 2º da mesma lei. Por determinação do artigo 2º, § 1º da Lei nº 13.966/2019, a COF deverá ser entregue ao franqueado no mínimo 10 dias antes da assinatura do contrato ou pré-contrato de franquia ou ainda do pagamento de qualquer tipo de taxa pelo franqueado ao franqueador ou a empresa ou pessoa ligada a este. Antes de qualquer ato vinculativo, deve haver a prestação das informações completas com a entrega da COF.
Não cumprida essa obrigação, o artigo 2º, § 2º da Lei nº 13.966/2019 estabelece que o franqueado poderia arguir a “anulabilidade ou nulidade do contrato, conforme o caso”.  O artigo 4º da Lei n. 13.966/2019 aplica a mesma penalidade, no caso de falta de informações ou informações falsas na COF.
A técnica legislativa aqui foi péssima, pois os vícios de nulidade e anulabilidade possuem um regime jurídico completamente distinto. A redação do dispositivo vai gerar mais dúvida do que certeza, mas precisa ser interpretada. Quando haverá nulidade e quando haverá anulabilidade pela falta de entrega da COF?
Cabe ao legislador definir se o vício do negócio gera uma nulidade ou uma anulabilidade, pois a primeira é insanável e envolve a violação de uma norma de interesse geral, ao passo que a última pode ser ratificada e viola uma norma de interesse particular<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>. No Código Civil, as anulabilidades são indicadas expressamente, como por exemplo no art. 171. De outro lado, nas nulidades, existem causas expressas, dentro as quais o descumprimento de formalidade essencial para a celebração do contrato (CC – art. 166, V).
Diante da confusão legislativa, a melhor interpretação é a defendida por Arnaldo Rizzardo Filho e Raif Daher Hardman de Figueiredo. Para eles, “a falta de entrega da COF gera nulidade, pois se trata de solenidade considerada essencial para a validade do contrato de franquia, conforme inciso V do artigo 166 do Código Civil”. Nessa situação, o vício não pode ser convalidado pelo decurso do prazo, podendo ser alegado a qualquer tempo (CC – art. 169).
Por outro lado, no caso de entrega defeituosa da COF, isto é, fora do prazo, com omissão ou falsidade de informações, haveia anulabilidade, na medida em que “a solenidade ocorreu – não foi preterida –, mas de forma viciada”<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>. Nessas situações, poderia falar em uma anulabilidade em razão da determinação da própria Lei n. 13.966/2019.
No regime da Lei n. 8.955/94, a questão da anulação do contrato nessas situações gerou uma grande discussão. Marcelo Proença afirmava que deve ser analisada a questão caso a caso, verificando a existência ou não de prejuízos para o franqueado<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>. Irineu Mariani, de modo similar, entendia que a análise deve ser feita caso a caso, devendo-se analisar se a falta de entrega, as informações falsas ou a inobservância do prazo geraram efetivamente um negócio apressado, de modo que a anulação não se torne um mecanismo de arrependimento<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>.
Cláudio Vieira da Silveira tem opinião semelhante afirmando que “jamais poderá o franqueado, decorrido certo tempo operando a franquia, pleitear a anulabilidade do contrato, com fundamento na omissão ou atraso do franqueador na entrega da Circular de Oferta de Franquia”<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>.
O Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDFT) afirmou que “Para fins de alcançar a anulação do negócio celebrado e devolução de todas as quantias pagas, o franqueado deverá demonstrar e comprovar algum prejuízo diretamente decorrente do descumprimento do requisito legal, seja pela falta de entrega, pela entrega intempestiva ou incompleta da Circular de Oferta de Franquia ou, ainda, pela falsidade das informações prestadas, mormente se já decorrido certo tempo de execução contratual”<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>. No Tribunal de Justiça do estado de São Paulo (TJSP), afirmou-se que a anulação depende da verificação de prejuízo ao franqueado<a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a>.
<blockquote class="jota-article__eye">A anulabilidade do contrato significa a existência de defeitos menos graves do negócio, permitindo a sua eventual ratificação expressa pela parte, ou tácita em razão do comportamento adotado.</blockquote>
Nos termos do artigo 175 do CC, “execução voluntária de negócio anulável” importaria na ratificação do negócio. Assim sendo, embora exista anulabilidade, pela desobediência do prazo de antecedência, pela omissão de informações ou pela veiculação de informações falsas, há que se atentar, no caso concreto, para a existência ou não de ratificação do negócio pelas partes. O prazo de execução então será determinante, para verificar se houve ou não ratificação do negócio firmado, bem como a própria postura do devedor.
Não tendo havido a convalidação do negócio e demonstrado o prejuízo, a anulação poderá ser requerida no prazo decadencial de 2 anos, nos termos do artigo 179 do CC.
Havendo invalidade pela falta de entrega da COF, o franqueado poderá exigir devolução de todas as quantias que já houver pagado ao franqueador ou a terceiros por ele indicados, a título de filiação ou royalties, devidamente corrigidas. Valores que se destinem a outras finalidades (aluguel, taxa de publicidade) não serão devolvidos nessa nulidade, pois são destinados a fins específicos que, se cumpridos, acabam atingindo interesses de terceiros.
Não vislumbramos uma proibição de um pedido de indenização por perdas e danos, em razão dessa invalidação. Embora a lei anterior falasse expressamente em indenização de perdas e danos pela invalidação, não consideramos possível excluir a indenização pela simples falta de previsão expressa nesse sentido, pois o direito de obter perdas e danos decorre do Código Civil, não exigindo lei específica.
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O episódio 55 do podcast Sem Precedentes discute o silêncio do STF diante da crise militar do governo Bolsonaro. Ouça:
https://www.youtube.com/watch?v=WAU2xWiR5DQ&list=PLfhZjWODW9JVuLFe6U_ulxCduBHTeECHC&index=1
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> ARAÚJO, Rogério Andrade Cavalcanti. Direito civil brasileiro: Parte Geral. 2. ed. Indaiatuba: Foco, 2020, p. 453.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> RIZZARDO FILHO, Arnaldo; FIGUEIREDO, Raif Daher Hardman de . Função, elementos e vícios da Circular de Oferta de Franquia: uma análise crítica do art. 2º, § 2º, da Lei 13.966/19. Revista dos Tribunais, v. 1026, p. 197 – 209, Abr / 2021.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> FERNANDES, Marcelo Cama Proença. O Contrato de Franquia Empresarial. São Paulo: Memória Jurídica, 2003, p. 95.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> MARIANI, Irineu. Contratos Empresariais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 384.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> SILVEIRA, Cláudio Vieira da. Franchising. 2. Ed. Curitiba: Juruá, 2008, p. 300.
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> TJDFT - Acórdão 1309897, 07095602320188070001, Relator: CARLOS RODRIGUES, 1ª Turma Cível, data de julgamento: 16/12/2020, publicado no DJE: 21/1/2021. Pág.: Sem Página Cadastrada.
<a href="#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> TJSP;  Apelação Cível 1019499-80.2019.8.26.0100; Relator (a): Maurício Pessoa; Órgão Julgador: 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro Central Cível - 2ª VARA EMPRESARIAL E CONFLITOS DE ARBITRAGEM; Data do Julgamento: 23/02/2021; Data de Registro: 18/03/2021.

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JOTA

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Falta e entrega defeituosa da circulação de oferta de franquia: nulidade ou anulabilidade?

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